'Inadimplência aumenta, e mais de metade atrasa pagamento do Fies'

Matéria sobre o FIES foi publicada pela Folha de São Paulo

Danilo Verpa/Folhapress
Rudy Monteiro, 33, se diz surpreendido com parcelas do Fies
Rudy Monteiro, 33, se diz surpreendido com parcelas do Fies

PAULO SALDAÑA
DE SÃO PAULO

A inadimplência no Fies (financiamento estudantil) cresceu em 2016 e reforçou as preocupações sobre a sustentabilidade do programa, bandeira do governo Dilma Rousseff.

Dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação apontam que 53% dos 526,2 mil contratos em fase de pagamento estavam atrasados em setembro –última atualização disponível.

A inadimplência era de 47% em 2014 e de 49% em 2015, conforme levantamentos feitos pela CGU (Controladoria Geral da União) e pelo TCU (Tribunal de Contas da União), respectivamente.

Pelo Fies, os alunos fazem a faculdade em uma instituição privada e a União paga. O estudante tem de começar a quitar as prestações um ano e meio depois de formado.

O programa, que chegou a ter 732 mil novos contratos no auge, em 2014, sofreu encolhimento no segundo mandato de Dilma e também sob Michel Temer. Em 2016 foram 193 mil novos financiamentos.

Além de a inadimplência já ter ultrapassado a metade dos beneficiários, os atrasos superam um ano para quase um terço do total de contratos em fase de pagamento.

Especialistas avaliam que a crise econômica, com aumento do desemprego, explica parte do fenômeno, mas que há outros fatores.

“A partir de mudanças feitas em 2010 houve uma farra, as faculdades aumentaram os preços das mensalidades e os alunos foram deixando para depois”, diz Celso Napolitano, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e presidente da Federação dos Professores de São Paulo.

“Não houve trabalho para conscientizar que o pagamento possibilitaria o estudo de mais alunos, nem por parte do governo nem das faculdades. Como o estudo já foi feito, e não tem grandes penalidades para quem não pagar, a pessoa não se vê obrigada a isso.”

DISPARADA

Os novos dados da inadimplência incluem parte dos contratos firmados depois de 2010, quando houve mudanças no Fies que levaram à disparada de beneficiados.

Naquele ano, as condições do programa foram alteradas para a ampliação do acesso. Ações como a diminuição dos juros, as facilidades com fiador e a ampliação do perfil de beneficiados multiplicaram, em quatro anos, por quase dez os novos contratos.

Uma auditoria do TCU no Fies, com dados de 2015, já apontava R$ 625 milhões em prestações atrasadas. O Ministério da Educação não revela a quantia atualizada hoje —só faz referência, sem detalhes, a um dado parcial, de R$ 178 milhões, para uma parcela de contratos com mais de 360 dias de atraso.

A ausência de estudos sobre inadimplência na formulação do programa e de acompanhamento desses indicadores foi uma das falhas apontadas pelo tribunal.

André Geraldo Carneiro de Oliveira, da secretaria de controle externo da Educação do TCU, disse ser necessário um plano do MEC para a situação.

Não está claro, por exemplo, a capacidade do governo em cobrar os mais de 2,3 milhões de beneficiários acumulados. A cobrança prevista é a mesma para créditos pessoais e fica a cargo do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, agentes financeiros do Fies.

“Os contratos que estão na fase de amortização ainda não receberam o grosso de beneficiados, que foi a partir de 2010. A auditoria não encontrou nenhum indicativo de que a inadimplência será menor”, afirmou Oliveira.

ACUMULADO

Os dados colocam em dúvida se os cofres públicos terão de volta um investimento acumulado de R$ 55,5 bilhões, de 2010 ao ano passado. Há ainda de se considerar que parte do financiamento é subsidiada pelo governo.

Além disso, espera-se que a ação de financiamento possa se retroalimentar, com os pagamentos feitos podendo financiar novos alunos. Isso significa que, quanto mais atrasos, menos dinheiro tende a haver para bancar os novos beneficiados do programa nos próximos anos.

O MEC criou em 2012 um Fundo Garantidor, que serve como um fiador coletivo. Ele é composto por parte dos valores dos repasses do Tesouro às instituições de ensino, mas ele só cobre uma inadimplência total de até 10%.

O percentual fica distante das experiências de outros países em crédito estudantil. Nos Estados Unidos, por exemplo, a inadimplência é de 30%, de acordo com estudo de 2015 do Federal Reserve Bank of New York.

Outro relatório de 2014 do banco Morgan Stanley já apontava riscos de quebra do fundo, prevendo 27% de atrasos com mais de 360 dias para 2017 —exatamente a que se viu em 2016 nos dados obtidos pela Folha.

Questionada pela reportagem, a assessoria do Ministério da Educação do governo Temer diz que há acompanhamento da inadimplência por meio do envio das informações pelos bancos. A pasta informou, no entanto, que não dispõe de estudos ou avaliações sobre esse tema.

“Medidas mitigadoras dos atuais níveis de inadimplência, como também voltadas à reformulação do Fies ora em estudo, pretendem equacionar a sustentabilidade do programa”, afirmou.

COBRANÇA

Hoje dono de uma pequena loja de venda de celulares no centro de São Paulo, Rudy Monteiro, 33, cursou marketing entre 2012 e 2013 com Fies. Foi um curso de tecnólogo, com duração de dois anos.

Ele deveria ter começado a pagar em abril. Mas uma combinação de crise e dúvidas sobre valores fez com que as parcelas fossem para a gaveta.

“Chegaram prestações de R$ 400 e naquele momento não tinha condições”, diz. Monteiro acredita que a graduação tem ajudado no seu trabalho atualmente. Não planeja no momento, entretanto, quitar a dívida.

“A cobrança é muito maior do que tinham me dito, vou para a Justiça.”

Quando Monteiro pegou o Fies, não havia limite de contratos por ano. As faculdades fechavam os contratos e enviavam ao MEC.

Para conter os gastos, que chegaram a R$ 13,7 bilhões em 2014, o governo promoveu alterações no Fies a partir de 2015.

O acesso aos contratos foi restringido, os juros subiram de 3,4% para 6,4% e o MEC passou a exigir nota mínima no Enem. O controle de renda dos beneficiados também foi alterado. Até 2014, praticamente qualquer pessoa podia ter o financiamento.

Para Sólon Caldas, da Abmes (associação que representa o setor privado de ensino), as restrições dificultaram o acesso de estudantes ao ensino superior.

“Era muito aberto e agora ficou restrito demais, a quantidade de vagas que sobram é enorme”, diz. Dos quase 300 mil contratos anunciados em 2016 pelo MEC, só 193 mil foram efetivados.

O Fies representou lucro para as empresas. Com repasses garantidos, elas passaram a aumentar as mensalidades. Alunos que pagavam mensalidades foram incluídos no programa.

Caldas defende revisões no Fies, mas diz acreditar que a inadimplência atual não se refletirá no futuro. “O número de novos contratos em fase de pagamento ainda é pequeno. E o nível de renda dos novos beneficiados é mais elevado.”

CURSOS

O governo também passou a priorizar regiões e cursos (como de formação de professores, saúde e engenharia) na hora do financiamento. Dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação mostram, porém, que o perfil de cursos financiados ainda não teve grande alteração.

Direito, administração e enfermagem concentraram em 2016 um terço dos contratos. Participação parecida em 2014. Engenharias e cursos de formação de docentes concentram, respectivamente, 18% e 10%. O mesmo de 2014.

A área de saúde é a que teve maior avanço. Enquanto em 2014 a área representavam 16%, em 2016 o percentual chegou a 21%.

O MEC diz que, em 60 dias, vai apresentar uma readequação do Fies.




Saiu na Folha de São Paulo: 'Mesmo após redução do Fies, duas de cada dez vagas não são ocupadas'

Veja o que está acontecendo com o FIES, programa que foi reduzido pelo Governo Federal

PAULO SALDAÑA
ANGELA PINHO
DE SÃO PAULO

O apagão no Fies desde o ano passado é maior do que o anunciado pelo governo federal –tanto pela gestão Dilma Rousseff (PT) como pela de Michel Temer (PMDB).

Mesmo após a limitação de vagas a menos de metade das oferecidas em 2014, no auge do programa de financiamento estudantil, mais de duas em cada dez que foram abertas no ano passado e no primeiro semestre de 2016 não foram nem mesmo preenchidas –128.933 de 564.226.

A principal explicação está ligada às novas exigências na seleção e regras que reduzem a subvenção do Fies. Na prática, os candidatos manifestam interesse, mas muitos não efetivam os contratos (por não atenderem aos critérios ou por desistirem posteriormente).

Em 2015, 8% das vagas disponíveis não foram preenchidas. No primeiro semestre de 2016, esse índice subiu para 41%, atingindo 102 mil das 250 mil vagas divulgadas. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Apesar desse alto índice, a nova equipe do Ministério da Educação abriu para o segundo semestre a possibilidade de somente 75 mil contratos.

Ainda não há balanço sobre esse montante, mas a estimativa do Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) é de que a proporção de preenchimento ficará em torno de 45%.

“O medo do desemprego e a falta de confiança no futuro fazem potenciais ingressantes do programa desistirem do ensino particular”, diz o consultor Carlos Monteiro.

CURSOS

O Fies garante empréstimo com condições facilitadas para o aluno cursar o ensino superior em instituição privada. No primeiro semestre, por exemplo, 550 mil se candidataram a 250 mil postos.

Os cursos disponíveis, porém, não interessaram a todos os candidatos, e a seleção dos considerados aptos para o programa se tornou mais rígida. A situação é reflexo das mudanças no Fies introduzidas a partir de 2015.

Após um boom no número de contratos, com custo de até R$ 14 bilhões para os cofres públicos num ano, o governo decidiu estipular um limite para o número de financiamentos disponíveis.

Na esteira do ajuste fiscal, o Ministério da Educação também instituiu um teto de renda para os candidatos e passou a exigir deles um desempenho mínimo no Enem: tirar 450 pontos na prova objetiva e não zerar na redação.

Os juros subiram de 3,4% para 6,5% ao ano, e a proporção da mensalidade financiada passou a variar de acordo com o preço do curso e da renda do estudante.

“Quem tem renda não tem nota e quem tem nota não tem renda”, afirma Janguiê Diniz, presidente da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior).

A dificuldade de obter 100% de financiamento também influi, diz Rodrigo Capelato, secretário-executivo do Semesp. “O aluno se inscreve, mas, quando vai fechar o contrato, vê que o percentual é baixo e desiste”, afirma.

Além disso, diz, os cursos com maior demanda, como direito e administração, têm poucas vagas, já que o governo federal decidiu priorizar áreas consideradas estratégicas, como as de formação de professores e engenharias.

SISTEMA

Outro problema é a dificuldade em usar a plataforma de inscrição instituída no ano passado. “Muitas vezes o interessado não tem experiência para preencher o formulário, e não recebe auxílio”, diz o consultor Monteiro. O sistema, desde a criação, enfrenta ainda problemas técnicos.

O estudante Sérgio Nascimento, 37, diz que desistiu da inscrição no Fies após não conseguir nem completar o cadastro –por morar com a tia e o sistema não ter campo específico para a informação.

Hoje, para cursar jogos digitais na Universidade Cruzeiro do Sul, usa financiamento privado –de empresa que relata alta de cinco vezes na procura após o novo Fies.

OUTRO LADO

Segundo o Ministério da Educação, “não há um único fator que explique a ociosidade das vagas” do Fies.

Por meio de nota, a pasta afirma que, após o encerramento do atual processo seletivo, no dia 17, um novo edital será divulgado para preencher as vagas remanescentes.

A gestão do ministro Mendonça Filho (DEM) não explicou por que foram oferecidas apenas 75 mil vagas depois de 102 mil sobrarem no primeiro semestre deste ano.

Disse apenas que garantiu essas vagas e a renovação dos cerca de 2 milhões de contratos “mesmo em um contexto de ajuste econômico”.

O ministério lembrou ainda que o público do programa foi ampliado no ano passado, quando o limite máximo de renda familiar do candidato subiu de 2,5 para três salários mínimos per capita.

De acordo com a nota, as mudanças no Fies introduzidas a partir do segundo semestre de 2015 têm o objetivo de “eliminar distorções” e reduzir o subsídio por aluno de forma a “favorecer a sustentabilidade do programa”.

O objetivo, diz o ministério é tornar possível que, “no médio prazo, os novos entrantes sejam financiados, em sua maioria, pelos formados”.

As regras que fizeram o Fies encolher no ano passado foram instituídas após o número de contratos do programa disparar a partir de 2010.

Naquele ano, o governo reduziu os juros para taxas abaixo da inflação e autorizou que contratos fossem fechados ao longo do ano todo.

Com isso, o número de contratos firmados por ano saltou de 76,2 mil para um pico de 731 mil em 2014.

REGRAS

Os estudantes inscritos no programa começam a pagar o financiamento 18 meses após a formatura e têm 13 anos para quitar a dívida (no caso de cursos de quatro anos).

Auditoria da Controladoria-Geral da União com dados de 2014 indicou que 47% dos contratos em fase de amortização naquele momento estavam inadimplentes.

O prazo de carência da maioria dos contratos firmados a partir de 2010 ainda não terminou.