Geraldo Bonadio: 'História de Natal'
História de Natal
Ele tinha 13 anos e ela tinha 12 quando foram invadidos por uma paixão mútua daquelas que as pessoas só experimentam nos verdes anos.
Casamentos entre pessoas bem jovens eram, naquele tempo, regra na terra em que viviam. Os pais dele e dela apoiaram o sonho dos filhos. O casamento ficou acertado, devendo consumar-se um ano mais tarde. Até lá, não coabitariam, continuando a viver sob a guarda de seus respectivos pais.
Só que, nesse meio tempo, o Deus Eterno interveio inesperadamente na vida dele e dela. De uma forma que ultrapassa o entendimento humano, colocou nas mãos daqueles adolescentes, mal saídos da infância, o plano por ele traçado, desde toda a eternidade, para o mundo e as pessoas que o povoam.
Só um Deus embriagado de amor pela humanidade, como o Deus dos cristãos, ousaria deixar a decisão sobre seu projeto, de irromper na história das gentes e integrar-se à trajetória humana por conta de dois jovens galileus. Até aquele momento, eles apenas sonhavam com a vida em comum, com a felicidade que se proporcionariam mutuamente e com quantos filhos haveriam de ter.
Ainda mais loucos que o Altíssimo, Maria e José disseram sim àquele projeto assustador que implodiria os seus sonhos e contraporia, a cada futura exultação, um amargor terrível.
A contar de sua adesão ao plano do Senhor, teriam de conviver com uma gravidez inexplicável; peregrinar, à véspera do parto, à remota vila ancestral; suportariam a aflição de não encontrar espaço em que a criança pudesse ser dada à luz dignamente.
Tais perrengues seriam apenas o começo. Nascido o menino, precisariam fugir para escapar à sanha de um rei assassino; submeter-se a um exílio longo e amargo e, em resumo, sofrendo as aflições inerentes ao convívio com um Deus que era, a um tempo só, detentor de todo o Poder e indefeso recém-nascido.
Esta é a real e muito humana história do Natal, que tanta vez não vemos, porque se apresentar a nossos olhos oculto pelos guizos falsos de falsas alegrias.
O carpinteiro José, varão de idade avançada, é fruto da imaginação dos artistas que, tendo elegido por tema a natividade não lograram entendê-la plenamente.
Melhor se saiu o francês Georges Moustaki, em sua canção “Mon vieux Joseph”, vertida para o português e gravada por Rita Lee, quando ainda vocalista dos Mutantes:
Olha o que foi meu bom José / Se apaixonar pela donzela / Entre todas a mais bela / De toda a sua Galileia
Casar com Deborah ou com Sarah / Meu bom José você podia /
E nada disso acontecia / Mas você foi amar Maria
Você podia simplesmente / Ser carpinteiro e trabalhar / Sem nunca ter que se exilar / De se esconder com Maria
Meu bom José você podia / Ter muitos filhos com Maria / E teu ofício ensinar / Como teu pai sempre fazia
Porque será meu bom José / Que esse seu pobre filho um dia /
Andou com estranhas ideias / Que fizeram chorar Maria?
Me lembro as vezes de você / Meu bom José meu pobre amigo /
Que desta vida só queria /Ser feliz com sua Maria
Geraldo Bonadio
geraldo.bonadio@gmail.com