Marcelo Augusto Paiva Pereira: 'Triste fim da gota d'água'

Marcelo Paiva Pereira

Triste fim da gota d’água

A gota d’água caiu de algum lugar, não se sabe ao certo de onde. Talvez do telhado de alguma das casas que avançam até o limite da calçada, ou dos caixilhos da janela de algum sobrado ou edifício maior…

Acolhida pela brisa que pairava no momento de sua queda, circulou livremente numa aventura única, na qual poderia terminar sua jornada em qualquer lugar, como uma parede, uma janela, um vaso florido, algum transeunte, enfim, a destinação dela estava à mercê da sorte, que ditava seu caminho pelo espaço preenchido pela brisa, pelas pessoas e por muitos objetos.

Aparentemente insignificante, suas minúsculas medidas carregam importância maior do que possamos imaginar. Essa gota d’água tem características únicas, como são sua composição molecular, densidade, origem, partículas e seres microscópicos agregados a ela e, também, seu potencial de gerar vida…

Supostamente inanimado, sem vontade ou personalidade, a gota d’água nos transmite uma imagem superficial, ainda que possamos vê-la através de sua substância. Mais valiosa do que qualquer outro elemento orgânico, inesgotável fonte de vida para todos os seres do planeta, nem sempre é bem recebida pelas pessoas que, por inúmeras vezes, a tem tratado com desdém e a transformado em destinatária dos dejetos, rejeitos e do lixo produzidos pela nossa espécie.

A gota d’água, entretanto, percorre os mais diversos caminhos e sempre atinge um destino ou finalidade. Mesmo quando represada ela não perde sua força nem se rende aos nossos caprichos: se não cuidarmos dela, cada gota nos devolverá toda a fúria contida sob as mais gravosas formas, como são as tempestades torrenciais, inundações, rompimento de barreiras, pontes, rodovias, etc. A gota d’água tem mais força represada do que imaginamos…

Ao cair sobre nossas cabeças pouco faz em prejuízo ou benefício nosso; mas, quando incontáveis, despencam volume suficiente para lavar nossos corpos – e nossas almas!!! Várias religiões a usam para o batismo, pelo mergulho nas águas de rios – ou piscinas – ou pelo ritual da aspersão de gotas. Em qualquer caso a gota d’água, isolada ou em conjunto, tem a finalidade de purificar o novo ser que veio ao mundo.

Podem, também, causar alguma enfermidade, como gripe ou pneumonia… Solitária, a gota d’água é indefesa; mas, quando agrupada com outras, faz-nos indefesos e à mercê do poder que ela adquiriu, tanto para nos favorecer quanto para nos destruir…

Sobre as incontáveis gotas d’água navegam as mais diversas embarcações, desde botes, caiaques e canoas até os maiores transatlânticos do mundo e os navios militares fortemente armados, que rasgam os mares e oceanos e deixam para trás a esteira por onde passam.

Sob a superfície dos mares e oceanos vivem as mais diversas espécies marinhas, que os povoam com suas cores e outras, que com suas próprias luzes iluminam as profundezas…

Por fim, a gota d’água desta crônica terminou sua jornada ao cair numa poça d’água suja, rasteira e pisoteada pelos milhares de pés e patas. Triste fim para uma fonte de vida tão valiosa…

Marcelo Augusto Paiva Pereira

arquiteto e urbanista