Carlos Carvalho Cavalheiro: 'A eleição já ocorreu. Não está na hora de governar?'
Artigo: A eleição já ocorreu. Não está na hora de governar?
No último dia 15 de maio milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra os cortes (ou contingenciamento, como quer o governo) anunciados pelo Ministro da Educação e que atingem tanto o Ensino Superior quanto a Educação Básica (https://exame.abril.com.br/brasil/mec-contraria-discurso-e-tira-verba-da-educacao-basica-alem-de-faculdades/).
Legítimo, dentro de um Estado de direito, que pessoas insatisfeitas com ações do governo se manifestem de forma pacífica, como ocorreu com as concentrações do dia 15, com exceção a alguns fatos isolados no Rio de Janeiro. O Governo Federal, ou de qualquer instância que seja, não pode se melindrar quando populares demonstram descontentamento com as diretrizes da administração pública.
Ocorre que o Governo Federal, aparentemente despreparado para lidar com tais situações, tem como principal chefe, o presidente da República, alguém que se manifesta de forma grosseira e chula, chamando os manifestantes de “idiotas úteis”. Era o que bastava para trazer de volta o clima tenso e conflituoso das eleições.
O Governo e os que foram derrotados nas urnas precisam entender que as eleições já terminaram. Agora é hora de cada qual assumir o seu papel dentro do jogo da democracia (cujas regras, ambos aceitaram ao participarem do processo eleitoral). Os que foram derrotados precisam fazer a oposição qualificada, trazer para o debate as questões cruciais e apresentar alternativas para a sociedade.
O Governo precisa entender que é hora de governar. Não estamos mais em campanha e essa insistência em criar dissensões, em acirrar o debate e colocar na conta dos adversários todos os seus fracassos só tem colaborado para o aprofundamento da crise econômica, social, moral e política que estamos vivendo nos últimos anos.
Em vez de se preocupar em criar uma imagem de que é amado pelos Estados Unidos – forjando, segundo a imprensa noticiou, falsos convites do ex-presidente George Bush – Jair Bolsonaro deveria começar a governar (https://www.revistaforum.com.br/bush-nao-convidou-e-foi-surpreendido-com-visita-de-bolsonaro-diz-assessor/). E isso implica em solicitar que sua equipe de ministros faça com transparência a divulgação de seus projetos, de forma a que se possam debatê-los dentro da sociedade. Não é para ter medo do debate e nem da sociedade, ao contrário, é trazer a chancela de um projeto gestado na administração, mas discutido com os diversos setores envolvidos e interessados no assunto.
A Reforma da Previdência é um mistério indecifrável até hoje. O discurso é o da equalização para a promoção da justiça social, mas aparentemente o único atingido é o povo trabalhador. Ninguém mais quer entregar a sua parte no sacrifício pela Nação. Ao mesmo tempo, não se esclarecem pontos relevantes como o fato de grandes empresas deverem bilhões ao INSS e, mesmo assim, a conta pelo suposto “rombo” da Previdência cair somente no colo do povo trabalhador. De acordo com o site do Repórter Brasil, na lista dos grandes devedores do INSS está: a MASSA FALIDA DE S/A. (VIAÇÃO AEREA RIO‐GRANDENSE) com débito de R$ 3.713.041.224,05; a JBS S/A (sim, aquela dos escândalos de corrupção), com R$ 1.837.489.343,08; a VIAÇÃO AEREA SAO PAULO S A, com R$ 1.683.001.075,54; a ASSOCIACAO EDUCACIONAL LUTERANA DO BRASIL com dívida de R$ 1.582.191.431,33; a MASSA FALIDA DO BANCO COMERCIAL BANCESA R$ 1.418.137.530,32 e a TRANSBRASIL SA LINHAS AEREAS, somando o débito de R$ 1.219.335.557,83 (https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/02/maioresdevedoresprevidencia.pdf). Por que não se esclarece como essas dívidas serão resgatadas para diminuir o suposto “rombo” da Previdência?
De acordo com o site da Economia UOL, os débitos das empresas somam o dobro do chamado “rombo” na Previdência. Em suma, se metade das dívidas fossem pagas, não existiria rombo algum (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/11/18/deficit-previdencia-dividas-contribuintes-inss.htm).
Por outro lado, o Ministro da Educação Abraham Weintraub anuncia o que ele chama de “contingenciamento”, mas não explica o motivo. Apenas sugere que outros cortes poderão ser feitos, caso a Reforma da Previdência não seja votada. Sem o devido esclarecimento, isso tem a aparência de pressão, ou até pior, extorsão, forçando a votação da Reforma (https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/05/07/ministro-diz-que-pode-desbloquear-verba-das-federais-se-reforma-da-previdencia-for-aprovada.ghtml). Com essa atitude, sem esclarecer os motivos, o atual governo federal faz somente lembrar tempos obscuros, como o da Revolta da Vacina em que se obrigava a vacinação sem qualquer explicação adicional ao povo. Afinal, o povo…
Desse modo, os manifestantes do dia 15 de maio mostraram um claro descontentamento de diversos setores da sociedade com a atual política nacional. E, como consequência da falta de desenvoltura – característica de quem assume o poder pela primeira vez – o grupo que sustenta ideologicamente o governo começa a rachar: Olavo de Carvalho diz que não vai mais se intrometer no governo (alívio para todos!); o cantor Lobão afirma que Bolsonaro é um “desastre” e Janaina Paschoal admite que “Pessoas que cercam Bolsonaro alimentam visão conspiratória que o está afundando”.
E o pior de tudo é que outros apoiadores do presidente arriscam o pouco que sobra de seu capital político clamando por uma manifestação pró-Bolsonaro no próximo dia 26 de maio. O que eles ainda não entenderam é que a eleição acabou. Não existe mais o risco de perder nas urnas. Mas perder o poder, por falta de governabilidade, isso ainda é possível. E a inabilidade política do Governo Federal tem colocado isso em risco a cada dia.
Carlos Carvalho Cavalheiro – 20.05.2019
carlosccavalheiro@gmail.com