As várias faces da Capoeira! 3ª parte: os grandes mestres da capoeira: Mestre Gato Preto

 

Um dos mais requisitados tocadores de berimbau de toda a Bahia, Mestre Gato Preto é uma das figuras mais queridas no universo da Capoeira, graças à grandeza de seu caráter

 

Matérias já publicadas sobre a série ‘As várias faces da Capoeira’:

(http://www.jornalrol.com.br/luta-danca-ginga-toque-e-floreios-as-varias-faces-da-capoeira-1a-parte-origem-da-capoeira/)

(http://www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-2a-parte-luta-musica-cancoes-toques-ginga-e-floreios/)

(http://www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-3a-parte-os-grandes-mestres-da-capoeira-mestre-besouro-manganga/)

(www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-3a-parte-os-grandes-mestres-da-capoeira-mestre-cobrinha-verde/)

(http://www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-3a-parte-os-grandes-mestres-da-capoeira-mestre-bimba/)

 

Mestre Gato Preto 

José Gabriel Góes nasceu em Santo Amaro da Purificação, a 19 de março de 1929. Começou na Capoeira aos oito anos de idade, e nunca se formou em Capoeira, por convicção. “A capoeira nunca para”, diz ele. Sempre foi um excelente capoeira, dono de agilidade incomum. Conviveu com grandes expoentes da Capoeira. Desde 1966, quando integrou a delegação brasileira no Premier Festival International des Arts Nègres, em Dakar (Senegal), tornou-se um embaixador itinerante da Capoeira, tendo visitado muitos países e transmitido seus conhecimentos. Foi consagrado em algumas obras de Jorge Amado. Um dos mais requisitados tocadores de berimbau de toda a Bahia, Mestre Gato Preto é uma das figuras mais queridas no universo da Capoeira, graças à grandeza de seu caráter. ”

Parece um gato!

“Esse menino de D. Luiza parece um gato! Vai acabar na capoeira também.”  Foi de tanto achar ele parecido com gato que acabou sendo chamado de ‘Mestre Gato’.

http://www.capoeiradobrasil.com.br

Entrevista c/ Mestre Gato Preto – Revista Capoeira Nº04, ano II, Pág 8 a 11


Como e quando foi seu encontro com a capoeira?

Comecei, aos oito anos, com meu pai, Eutíquio Lúcio Góes. Ele foi meu mestre. Aos doze anos de idade (1941), achavam que eu já não tinha mais nada para aprender. Os treinos eram num quartinho fechado. Ele atacava com uma esgrima (bastão de maculelê) ou facão, para eu me defender. Quando eu errava, ele acertava minha munheca (pulso). Até um dia que dei uma cabeçada forte e ele caiu. Quando se levantou, saiu correndo atrás de mim, ameaçando me cortar, e gritando: “Vem cá, moleque”! Aí parou de me ensinar.

 Depois veio meu tio, João Catarino, aluno de Besouro, até que ele morreu de derrame, que a turma chamava de congestão. Passado esse período, veio Leo, Cobrinha Verde, mestre Waldemar e mestre Pastinha e também Gildo, Roberto e João Grande, que tocava berimbau e foi muito importante como capoeirista, na época. Na roda, João Pequeno, Moreno, Albertino, Valdomiro e eu fazíamos a bateria.
 
E seu contato com os mestres da época?
Havia, na Bahia, muitos mestres que jogavam bem, como Canjiquinha, Zéis, Vandir, Agulhão, Zacarias, Bom Cabelo. Outros, que não eram mestres, mas também jogavam muito bem, como Deodato e Bigodinho. Todos da Liberdade (bairro da Liberdade, em Salvador), de mestre Waldemar, eram bons, bons, muito bons! Tinha um encanador, que morreu com 28 anos, que foi um grande angoleiro!
 Naquela época, quais eram, ao seu ver, os capoeiristas de maior destaque?
Na minha avaliação, João grande, no jogo-de-dentro. Na base do sapateado, foi o cabra Gilberto que se cuidou muito e hoje está bem velhinho.
Como era a instrumentação da Capoeira?
Três berimbaus (um gunga, um berra-boi e um viola), dois bodes (pandeiro), um ganzá de bambu (não o ganzá de metal) e um reco-reco. O primeiro berimbau fazia a angola; o segundo, o são bento grande e o terceiro, a angolinha. Era esta a bateria, acompanhada do canto.

Qual era o perfil do capoeirista naquele tempo? 

O capoeirista era um trabalhador: um condutor, que tirava a cana; um estivador do cais do porto; um pedreiro; um carpinteiro; um eletricista; caixeiro-viajante; um marinheiro, enfim, era sempre um trabalhador que, independente da função profissional, jogava por amor, por lazer, um tipo de terapia. O capoeirista fazia aquilo por ser uma dança, que fazia ele se sentir bem e conseguir o que queria, através da concentração.

 Não rolava dinheiro? Ninguém vivia da capoeira?
 O dinheiro veio depois, com brincadeiras feitas na roda. Alguém pedia para o capoeirista pegar com a boca uma nota de dinheiro, colocada no chão, no meio da roda, em cima de um lenço vermelho.
Os dois parceiros saíam jogando até que um fosse imobilizado com um golpe de pé – não com a mão – e o outro pegasse a cédula. Era preciso deixar o adversário imóvel para não correr o risco de receber um chute no rosto. Depois de tudo, se abraçavam e o dinheiro era colocado na cabaça do berimbau, para pagar a rodada de cerveja, refrigerante ou pinga, depois da roda. Só aí entrava o dinheiro.

Mestre Pastinha

Nem os mestres tinham a capoeira como profissão?
Ninguém tinha. Todos eles eram operários, tinham sua profissão. Pastinha era tarefeiro, depois foi tomar conta de jogo; Daniel Noronha trabalhava na estiva; Canjiquinha e Caiçara, na Prefeitura; Paulo dos Anjos, como motorista; mestre Ferreira e eu, como armador. Ninguém vivia da capoeira. Eu vivi nela durante 40 anos sem ganhar um tostão!

 Mas naquela época, se aprendia muito. Um grupo da Liberdade era levado para me visitar em Itapuan e um grupo jogava com o outro. O que tomasse uma rasteira e caísse de bunda no chão, perdia o jogo. Também não se podia sujar a roupa do adversário. Era falta de educação. Os mestres ficavam abraçados, conversando. Brincávamos a tarde toda!

E a capoeira atual?

O negócio evoluiu. Evoluir é muito bom, mas é preciso ter uma raiz, um início para a coisa não andar para um lado contrário, pois esta arte é rica demais! A capoeira é sua vida, minha e de muitos outros. Não se tem como controlar isso. Daí, é preciso ter um domínio de educação para que ela não perca essa coisa linda que possui.

O que um capoeirista precisa para se tornar mestre?
Para começar não existe formatura em capoeira. Um ponto final, porque a capoeira não tem fim. Onde quer que você vá, irá vê-la. O mesmo vai acontecer com seu filho, seu neto, ou bisneto: onde quer que eles forem, irão vê-la. Ela é universal, ela anda, é dinâmica, não tem formatura como o médico que aprende tudo, se forma e vai cuidar da profissão.
O doutor da capoeira é a sabedoria. Para conseguir tem que prolongar a vivência na arte. Como? Dando um cordão ao menino e deixar ele treinar durante quatro anos, para se preparar e para se acostumar com a realidade. Para conseguir a sabedoria. Com dez anos, ele pode ser contra-mestre, através de pesquisas e estudos. Então, aos vinte anos de experiência ele pode ou não ter condições de ser mestre. Tudo depende da sabedoria e sabedoria nada tem a ver com a idade. Daí pode vir o título, dado pelos mestres, de “passou a estar pronto”. Não significa estar formado, pois o trabalho e o aprendizado continuam. A capoeira não pára, não morre.
 A capoeira temos 180 golpes e 180 contragolpes. Não se aprende dez ou doze golpes, falar que conhece seis golpes da regional, outros da angola e já sai dizendo que é capoeirista. É preciso conhecer, descobrir e confrontar todos os golpes.
 Muitos não querem discutir ou aprender toda a capoeira. É aí que se acabam, porque não vão passar do mínimo que já sabem. Quem leva a pior nisto tudo é a própria capoeira, porque esse pessoal termina perdendo o talento que possui e afastam a capoeira da realidade dela.

Mestre Waldemar

O Sr. Se referiu a um tempo em que todos eram amigos, havia união. Hoje há muita rivalidade. O capoeirista forte e grande entra na roda disposto a destruir o outro. Que acha disso?

Naqueles tempos, os mestres se respeitavam entre si e incentivavam a consideração por parte dos alunos. O cara podia ser grandão, como Agulhão, que media dois metros de altura, ou forte como mestre Waldemar, Traíra, Zacarias, Davi ou Dada – que na época, davam o maior show de capoeira – mas havia um controle, um respeito. Quem tomava uma cabeçada, caía e se levantava para dar as mãos ao parceiro, sem agressividade ou rancor.

Hoje eu vejo que há muita gente ensinando a bater, querendo ser o melhor e enchendo a cabeça dos coitados, que não tem informação, de que isto é importante. São pessoas que só vêem o lado da destruição. Os mestres tornam-se culpados pelas conseqüências e a capoeira fica numa posição em que não pode mostrar seu potencial.

Isso também acontecia também entre os mestre antigos?
Não. Os únicos mestres que discutiam em Salvador, naquela época, eram Canjiquinha e Caiçara, mas tudo encenação, nas apresentações para turistas. Abusavam dos risos e das tapeações. Os dois morreram de bem um com o outro.

 Bimba tinha academia no Maciel de Cima e Pastinha, no Largo do Pelourinho. Bem próximos. Não se visitavam, mas também não falavam mal da academia do outro. Tenho comigo reportagens de jornal de 1984 sobre João Pequeno e João Grande, em Itapuan. Precisa ver como eles se gostavam e se respeitavam!
 Caiçara e Canjiquinha foram meus amigos até o fim de suas vidas. Alunos de Bimba mantém amizade comigo há 45 anos. Não tenho inimigos na capoeira e se tiver não serão contra mim, mas contra a arte. Não faço nada contra eles. Uns se destroem por si, outros se reeducam e aparecem sem entrar nessa de traição.

Mais recente, conheci alunos que chegam a querer bater em seus mestres, alegando que nada aprenderam. Sabe o que é isso? Falta de educação. O capoeirista tem que se educar, para respeitar e ser respeitado.(…)

http://eulanet.sites.uol.com.br/Gato_preto.htm
Mestre Gato Preto – A arte do berimbauhttp://rapidshare.com/files/349394638/Mestre_Gato_Preto_de_Santo_Amaro_-A_Arte_do_berimbau-www.osomdacapoeira.blogspot.com.zip
Fonte de pesquisa: http://osomdacapoeira.blogspot.com.br/2010/02/mestre-gato-preto-de-santo-amaro-arte.html



As várias faces da Capoeira! 3ª Parte: Os grandes mestres da capoeira: Mestre Cobrinha Verde

Rafael Alves França, o Mestre Cobrinha Verde, viveu entre 1917 e 1983 e foi um dos mais temidos e respeitados capoeiristas de sua época

 

Na série de matérias sobre a Capoeira, a 1ª parte abordou a origem da Capoeira (http://www.jornalrol.com.br/luta-danca-ginga-toque-e-floreios-as-varias-faces-da-capoeira-1a-parte-origem-da-capoeira/).

A 2ª, sobre a luta, música, canções, toques, ginga e floreio (http://www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-2a-parte-luta-musica-cancoes-toques-ginga-e-floreios/)

A 3ª iniciou a série Os Grandes Mestres da Capoeira, sendo que a primeira matéria discorreu sobre o Mestre Besouro Mangangá (http://www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-3a-parte-os-grandes-mestres-da-capoeira-mestre-besouro-manganga/

Continuando, o Mestre Cobrinha Verde (Rafael Alves  França):

Rafael Alves França, o Mestre Cobrinha Verde, viveu entre 1917 e 1983 e foi um dos mais temidos e respeitados capoeiristas de sua época.

Mestre Besouro Verde

Nascido na cidade de Santo Amaro da Purificação, berço da capoeira baiana, afirmava ser um parente legítimo do lendário capoeirista Besouro Mangangá, mais precisamente seu primo.

Foi com ele que, aos quatro anos de idade, se iniciou na arte da capoeiragem. Além de seu primo, também teve a oportunidade de aprender com os mais famosos capoeiristas daquela época, como Siri de Mangue, Canário Pardo e Doze Homens.

Roda de capoeira Santa Maria

O apelido ‘cobrinha-verde’ foi dado pelo próprio Besouro Mangangá, devido à sua agilidade e destreza com as pernas. Foi um dos poucos conhecedores do jogo de ‘Santa Maria’.* Toque onde os capoeiras jogavam com navalhas entre os dedos dos pés e chegou a ser o mais antigo capoeirista em atividade.

Alcançou o posto de 3° Sargento no antigo Quartel do CR em Campo Grande e chegou a participar da revolução de 32. Após dar baixa no exército, começou a dar aulas de capoeira na Fazenda Garcia.

Também ensinou no Centro Esportivo de Capoeira Angola Dois de Julho, localizado no nordeste de Amaralina. Chegou a dividir os trabalhos com Mestre Pastinha, onde passou seus conhecimentos para seus alunos que incluíam os futuros mestres, João Grande e João Pequeno.

Cobrinha Verde sempre ensinou a capoeira de graça. Conforme foi contado por ele próprio, seu primo Besouro o fez prometer que jamais cobraria dinheiro para ensinar a arte da capoeira. E essa promessa foi mantida até o final de sua vida.

Em determinada época de sua vida Mestre Cobrinha Verde sai do recôncavo baiano e viaja grande parte do nordeste se metendo em várias aventuras, entre elas, acompanhar o bando de cangaceiros de Horácio de Matos.

Em uma dessas aventuras contou que em certa ocasião, armado com um facão de 18 polegadas, enfrentou oito policiais que abriram fogo contra ele e com o dito facão conseguiu desviar todas as balas. Alguma semelhança com seu primo Besouro?

Esta e muitas outras façanhas eram atribuídas não só à sua agilidade e destreza, mas também a algumas mandingas que só os baianos do recôncavo conhecem.

Contava o mestre que essas mandingas foram ensinadas por um africano de nome Pascoal que era vizinho de sua avó. Dizia o mestre que possuía um patuá com poderes mágicos, que poderiam livrá-lo de inimigos e de algumas situações críticas, quando se metia em alguma confusão.

Dizia também que esse patuá era vivo e que ficava pulando, quando era deixado num prato virgem. Mas um dia o patuá foi embora por causa de um erro que o mestre havia cometido.

Depois de muitas aventuras e ‘causos’ para contar, Cobrinha Verde volta à Bahia, onde vive até o final de sua vida.

Disco ‘Traíra da Capoeira’

Em 1963, foi convidado pelo ator de cinema Roberto Batalin, para gravar um disco de capoeira, junto com os mestres Traíra e Gato. Este disco recebeu o nome de ‘Traíra Capoeira da Bahia’.

Foi um dos primeiros do gênero e é considerada uma obra prima da capoeira. Em 1983, Mestre Cobrinha Verde se despede deste mundo, deixando um legado digno dos antigos mestres da capoeira da Bahia.

 

 

(Fonte de pesquisa:

Fundação Arte e Vida Capoeira. http://danielpenteado.com.br/Mestrecobrinhaverde.html>. Acesso em: 04 abr. 2018)

Jogo de Santa Maria:




As várias faces da Capoeira! 3ª Parte: Os grandes mestres da capoeira: Mestre Besouro Mangangá

Muitas são as lendas que permeiam a vida de Besouro. Diziam que quando acontecia alguma confusão, o capoeirista se transformava num besouro e saia voando, ou então se transformava simplesmente num toco de pau

 

Na série de matérias sobre a Capoeira, a 1ª parte abordou a origem da Capoeira (http://www.jornalrol.com.br/luta-danca-ginga-toque-e-floreios-as-varias-faces-da-capoeira-1a-parte-origem-da-capoeira/).

A 2ª, solbre a luta, música, canções, toques, ginga e floreio (http://www.jornalrol.com.br/as-varias-faces-da-capoeira-2a-parte-luta-musica-cancoes-toques-ginga-e-floreios/)

Inicia-se, agora, a 3ª parte, que apresentará os grandes mestres da Capoeiras: Besouro, Cobrinha Verde, Pastinha, Valdemar, bimba, Gato, Zé Baiano e, na 4ª e última parte, uma entrevista com o Mestre Jaime Balbino.

 

Mestre Besouro Mangangá

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa o homem apelidado de besouro mangangá, realmente existiu.  Infelizmente muito pouco se sabe sobre essa figura envolta em lendas e mistérios que permanecem desde seu nascimento até a sua morte e que os mais velhos ainda lembram em suas histórias.

no Capoeira Exporte

Nascido em 1897 em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, filho dos ex-escravos João Grosso e Maria Aifa, Manuel Henrique Pereira (seu nome de batismo), teve toda sua vida permeada por muito misticismo. Não se sabe quando, mas iniciou seus primeiros passos na capoeira com Mestre Alípio, também ex-escravo, mais precisamente na Rua do Trapiche de Baixo. Diziam que besouro era um negro alto e muito forte e na capoeira possuía uma agilidade sem igual. O que provavelmente fez com que recebesse o apelido de ”besouro”, ou “besouro mangangá” (gênero de besouro venenoso).

Outros dizem que seu apelido se deve ao fato de uma vez tendo armado uma confusão, e vendo-se cercado de policiais, besouro simplesmente “sumiu”. Um policial atordoado com a cena, disse para o parceiro: “Você viu pra onde foi aquele negro? E o outro respondeu: “Vi, sim. Ele virou um besouro e saiu voando”. Era exímio jogador de capoeira, assim como no manejo do facão e da navalha. Incluindo o jogo de “santa-maria”. Jogo violento onde os capoeiristas jogavam com uma navalha presa aos pés.

Esses são somente alguns dos “causos” contados sobre a figura baiana.

Rafael Alves França – Mestre Cobrinha Verde

Muitos também afirmam ter algum parentesco com o capoeirista, mas somente um tem isso comprovado. Rafael Alves França, (1917 – 1983) também conhecido como Mestre Cobrinha Verde, era seu primo legítimo. Iniciado na capoeira com seu primo aos 4 anos de idade, sob uma única condição: Nunca ganhar dinheiro com a capoeira. Promessa que foi mantida durante sua vida inteira.

Muitas são as lendas que permeiam a vida de besouro. Diziam que quando acontecia alguma confusão, o capoeirista se transformava num besouro e saia voando, ou então se transformava simplesmente num toco de pau. Diziam também que tinha o corpo fechado, que possuía poderes mágicos e que sabia orações milagrosas.

Apesar da sua fama de valentão – nunca se deu bem com a polícia – os mais antigos contam que besouro, não suportava injustiças, era um defensor do povo pobre e fazia justiça com as próprias mãos. Sempre que via alguma coisa desse tipo, ele se metia e defendia o oprimido. Seguem então aqui algumas historias que os antigos da Bahia ainda contam.

Soldado do exército

Besouro teria servido ao exército em determinada época de sua vida. Certo dia viu entre os objetos confiscados pelo exército um berimbau, pois a capoeira ainda era proibida naquela época. Besouro, que já era iniciado na capoeira, tentou com sua patente de soldado, resgatar o instrumento, mas não teve êxito, pois seu superior alegou que aquilo era uma ferramenta de vagabundos e vadios e que um soldado nada tinha que ver com o instrumento. O resultado foi uma briga entre besouro e seu superior que precisou de vários outros soldados para prender besouro e deixá-lo em observação. Depois disso besouro foi expulso do exército e passou a trabalhar nas fazendas do recôncavo baiano.

Presente de amigo

Era costume besouro presentear seus amigos mais chegados com penas de pavão arrancadas dos chapéus dos valentões do recôncavo baiano

Hoje é feriado

Diziam que besouro era tão respeitado que às vezes chegando à cidade, mandava que os comerciantes fechassem as portas, pois “ele” havia decretado feriado. E ai de quem não obedecesse.

A barraca de amendoim

Certo dia passeando no mercado, besouro resolve experimentar um amendoim em uma das barracas, mas recebeu do comerciante, um tapa na mão e ainda falou que estaria proibido de pegar os amendoins. Besouro então disse para o comerciante:

– Você não sabe com quem está falando.

Então besouro virou para os clientes do mercado e simplesmente convidou a todos para se servirem dos amendoins do comerciante. Sabendo então de que se tratava do temido besouro mangangá, o comerciante ficou assistindo aos clientes comerem toda sua mercadoria. Quando acabaram os amendoins, besouro perguntou quanto devia e pagou para o comerciante.

Quebrou para São Caetano

Uma história contada pelo primo Mestre Cobrinha Verde era a de que uma vez besouro conseguiu emprego em uma usina em Santo Amaro, onde o patrão tinha fama de não pagar aos funcionários. Diziam que quando era chegado o dia do pagamento o patrão simplesmente dizia que o salário “quebrou pra São Caetano”. Essa era uma expressão usada na região que significava que não haveria salário. Além do mais dizia que quem contestasse o patrão era surrado e amarrado a uma árvore até o final do dia. Besouro já tendo tomado conhecimento disso, ficou esperando sua vez de receber. Quando foi chamado, o patrão disse a frase: seu salário “quebrou pra São Caetano”. Mas acontece que ele não estava falando com qualquer um. Besouro pegou o patrão pelo cavanhaque e disse “Pague o dinheiro de Besouro Cordão de Ouro. Paga ou não paga?” O patrão, morrendo de medo, pagou besouro, que pegou o dinheiro e foi embora.

No pé da cruz

Certa vez besouro, depois de tomar sua arma, obrigou o soldado a beber uma grande quantidade de cachaça no Largo da Santa Cruz, um dos principais de Santo Amaro. O soldado, depois disso se dirigiu até a delegacia e comunicou o ocorrido ao seu superior, o cabo José Costa, que decidiu mobilizar dez homens para capturar besouro, morto ou vivo. Besouro, vendo os soldados chegando, saiu do bar e se encostou a uma cruz que havia no largo e com os braços abertos  disse que não se entregava. Então os soldados abriram fogo e só pararam quando besouro estava caído no chão. Cabo José Costa chegou perto do corpo e deduziu que estava morto, quando de repente, besouro se levantou, tomou sua arma e ordenou que levantasse as mãos, depois mandou que os outros soldados fizessem o mesmo e mandou que todos fossem embora e cantou os seguintes versos:

Lá atiraram na cruz/ eu de mim não sei/ se acaso fui eu mesmo/ ela mesmo me perdoe/ Besouro caiu no chão fez que estava deitado/ A polícia/ ele atirou no soldado/ vão brigar com caranguejos/ que é bicho que não tem sangue/ Polícia se briga/ vamos prá dentro do mangue.

A estranha morte de besouro

Muitas também são as histórias sobre a sua morte, mas uma delas é até hoje cantada em todas as rodas de capoeira.

Besouro havia conseguido trabalho como vaqueiro na fazenda do Dr. Zeca, fazendeiro da região. Dr. Zeca tinha um filho, cujo apelido era Memeu, que tinha fama de valentão e certa vez besouro teve uma discussão com o filho de fazendeiro e acabou batendo nele. Temendo pela vida do filho, Dr. Zeca procurou logo acabar com besouro. Para isso, mandou que besouro fosse trabalhar em outra de suas fazendas. Mais precisamente na fazenda de Maracangalha.  Mas primeiro entregou uma carta a besouro que deveria ser entregue por ele ao administrador da fazenda. Mal sabia ele que aquela carta era a sua sentença de morte. A carta mandava simplesmente que o portador fosse morto por ali mesmo. Besouro, que era analfabeto, nada sabia sobre o conteúdo da carta achando se tratar de uma simples recomendação. Quando o administrador recebeu a carta, mandou que besouro esperasse até o dia seguinte para saber a resposta e que esperasse ali mesmo na fazenda. Assim no dia seguinte, besouro ao se apresentar foi cercado por quarenta homens, que abriram fogo contra ele mas as balas nada fizeram. Então, um homem conhecido como Eusébio da Quibaca, provavelmente conhecedor das “mandingas”, atacou besouro pelas costas com uma faca de “tucum”, faca feita da madeira de uma árvore que dizem ter poderes mágicos e que era a única coisa capaz de ferir um homem de corpo fechado. Besouro morreu jovem aos 27 anos de idade, no dia 8 de julho de 1924, mas deixou um legado vivo até hoje. Contam ainda que besouro mesmo ferido conseguiu fugir de canoa e chegar até a Santa Casa de Misericórdia em Santo Amaro, mas devido ao ferimento não resistiu. E o mais incrível. Consta um documento nos autos do processo (PEREIRA 1920 –1927: 21) movido por Caetano José Diogo contra Manoel Henrique dizendo:

Besouro é Manoel Henrique Pereira – vaqueiro, mulato escuro, natural de Urupy, residente na usina de Maracangalha; dava entrada na Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro da Purificação – Bahia, com um ferimento perfuro-inciso do abdômen. Veio a falecer no dia 8 de julho de 1924 às 7 horas da noite, conforme registro na folha 42 v. do livro n° 3, linha 16, leito 418, de entrada e saída de doentes.

Existem tantas outras histórias sobre como aconteceu a morte de Besouro, seria necessário uma postagem inteira dedicada a esse assunto, mas o mais importante é que devemos ter besouro como um herói brasileiro. Um homem que com sua própria força sempre lutou contra as injustiças praticadas contra um povo menos favorecido.

Suas proezas são lembradas em todas as rodas de capoeira em suas várias cantigas. Suas lendas são contadas e cantadas até os dias de hoje pelos mais antigos mestres da capoeira na Bahia.

Existem também, muitas outras lendas sobre besouro, muitas delas já caíram no esquecimento ou se perderam no tempo. E em meio à contradições é que a figura de besouro continua viva não só para os jogadores de capoeira, mas também na cabeça de todos os amantes da cultura de nosso país.

 

(Fonte: Besouro – A Lenda da Capoeira. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/besouro-lenda-da-capoeira/>. Acesso em: 21 mar 2018)