Celso Lungaretti: 'Ou se reassume como alternativa ao capitalismo e redescobre sua combatividade perdida ou a esquerda ficará reduzida a coadjuvante de farsa'

Celso Lungaretti

Ou superamos o capitalismo ou continuaremos indefinidamente patinando sem sairmos do lugar

William Waack, que continua sendo um dos expoentes mais lúcidos do jornalismo político brasileiro, acaba de fazer (vide aqui) a melhor análise sobre a volta ao ponto de partida na qual se constitui a reentronização ostensiva do Centrão como a força de sustentação do atual desgoverno, repetindo o que já acontecera com os vários governos que se têm sucedido desde a redemocratização de 1985:
? É a política brasileira como sempre foi nas últimas décadas… 

…(o)  último grande divisor de águas na política brasileira (foi) o processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989… 

(foi quando se iniciou) uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos de que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo…

…desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente…

…A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados.

É tão deprimente esse nosso eterno patinar sem sairmos do lugar que apenas acrescentarei o óbvio ululante:
— enquanto participarmos desse joguinho de cartas marcadas da democracia burguesa, estaremos apenas iludindo os explorados, por impingir-lhes falsas esperanças;
— a ruptura tem de vir de fora da institucionalidade por meio da qual o capitalismo  se perpetua, mantendo uma sobrevida que ameaça a própria sobrevivência da espécie humana e tendo se tornado extremamente desigual, disfuncional, destrutivo e autodestrutivo;
— daí eu e o companheiro Dalton Rosado estarmos há décadas pregando, até agora no deserto, que a esquerda só cumprirá seu papel se erguer novamente a bandeira revolucionária, assumindo corajosamente que existe para superar o capitalismo e não para tentar domesticar tal ogro.
 
A volta dos que nunca foram embora, evidentemente, estabelece um equilíbrio precaríssimo no esquema do poder, dadas as contradições, entre si, dos participantes desse amontoado de forças imantadas pelo fisiologismo, e também das pressões decorrentes da nova postura dos EUA e da Europa, de revigorar o capitalismo a partir de investimentos ambientais.
 
Nossa posição deve ser inflexível quanto ao genocídio praticado/ensejado por Jair Bolsonaro: tal crime contra a humanidade não pode ficar impune em nenhuma hipótese! 
O afastamento imediato do pior presidente do Brasil em todos os tempos, seguido de sua responsabilização criminal pelas mortes inúteis que fez brotar como cogumelos, tem de ser nossa principal bandeira imediata e, em nome dela, precisamos levar o povo às ruas.
 
Mesmo que exerçamos papel complementar e o golpe de misericórdia venha a ser dado pelo poder econômico (hipótese bem provável), com a condução de Hamilton Mourão à presidência, é de suma importância marcarmos nossa presença, como ponto de partida para a retomada da combatividade que deixamos esvair-se nos últimos anos.
 
nosso governo e que, em tal eventualidade,  não deveremos dele participar, mas sim mantermo-nos firmemente na oposição e irmos acumulando forças para o atingimento de nossos objetivos estratégicos, bem diferentes dos deles!(porCelso Lungaretti 

 

 

 

 

 




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Os livros didáticos e Bolsonaro'

Carlos Cavalheiro

Os livros didáticos e Bolsonaro

Livros didáticos sempre geraram polêmica. Apesar de reconhecidamente ser apenas um instrumento pedagógico, sobre o livro didático pesa, ao menos no imaginário de muitas pessoas, incluindo educadores ou mesmo os pais de estudantes, uma responsabilidade que não lhe cabe, a saber, o do sucesso do aprendizagem aprendizado.
De outra maneira, o livro didático também já foi considerado como responsável pela disseminação de ideologias ou mesmo de posicionamentos políticos.
Esta última foi uma das críticas mais utilizadas na propaganda política do posicionamento que se colocou como sendo “direita”, alegando que a esquerda teria influenciado na produção de livros didáticos com a finalidade de promover a sua visão de mundo. O atual presidente da república, quando ainda era deputado federal, não poupou críticas ao material didático distribuído pelo Ministério da Educação.
Muita gente alinhada com esse pensamento criticava, inclusive, os “livros do MEC”, ignorando mesmo que o Ministério nunca produziu livro didático. O que o MEC fez – e ainda faz – é distribuição de livros às escolas públicas que aderem ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Ao MEC cabe essa distribuição dos livros apenas. Até mesmo a escolha dos livros é feita pelos educadores das escolas aderentes ao programa.
De forma bastante inusitada, o presidente Bolsonaro anunciou nesta semana a intenção da mudança nos livros didáticos a partir ir de 2020.
Conforme amplamente anunciado pela imprensa, Bolsonaro disse: “Em 21, todos os livros serão nossos. Feitos por nós. Os pais vão vibrar. Vai estar lá a bandeira do Brasil na capa, vai ter lá o hino nacional. Os livros hoje em dia, como regra, é um amontoado… Muita coisa escrita, tem que suavizar aquilo”.
Paradoxalmente, o presidente bolsonaro, que antes criticava a suposta produção de livros didáticos pelo MEC, agora diz claramente que os livros serão produzidos pelo Governo!
Isso é bastante temerário, se não fosse também incoerente. A mesma turma que acusa, sem qualquer fundamento, os professores das escolas públicas como agentes disseminadores de ideologias, é a mesma que propõe a produção de livros didáticos pelo Governo Federal.
Mas por que é temerário? Primeiro Por que fere um dos princípios da educação garantidos pela constituição Federal, a saber, o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas (art. 205, inc. Ill da CF). Em diversas oportunidades, o presidente se manifestou a favor de revisionismos e negacionismos da História, mesmo aqueles amplamente fundamentados por farta documentação e embasados por pesquisas sérias e reconhecidas.
Dizer, portanto, a partir de 2021 “os livros serão nossos”, induz à crença de que, agora sim, o conteúdo dos livros didáticos serão pautados por crenças ideológicas e não mais por fundamentos científicos.
Além disso, os livros didáticos deixam de ser uma escolha plural e colegiada, portanto democrática, para se tornar uma imposição falsamente sustentada pelo argumento de que “os pais vão vibrar”. Educação é uma área do conhecimento humano, exige rigor de análise, pesquisa e muita reflexão sobre teoria e prática. Trata-se da formação de um ser humano inserido numa sociedade. Não é algo com o qual possa brincar, jogando fora décadas de estudos simplesmente para agradar a alguns caprichos.
Ingerência como essa não é só desnecessária como indesejável. É ação típica de governos autoritários e dominadores, que procuram impor as suas verdades sem respeitar a pluralidade e diversidade de pensamentos.
Infelizmente, vindo de quem qualificou Paulo Freire de energúmeno, não se poderia esperar atitude outra.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

carlosccavalheiro@gmail.com

06.01.2020




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Triste sina'

Carlos Cavalheiro

Triste sina

Dentro de uma viagem conturbada, marcada por notícias de tráfico de drogas em avião da comitiva presidencial, fiascos e de agendas desmarcadas, o presidente Jair Bolsonaro comemorou, ao final da reunião do G 20, o acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul. Na expectativa do presidente, a assinatura do acordo, que segundo alguns vinha sendo negociado há 20 anos, produzirá um “efeito dominó” estimulando outros países como o Japão a comercializar mais com o Brasil.

O presidente Jair Bolsonaro sempre apontou para uma política externa voltada para o que chama de “interesses da Nação” (ou algo que o valha) em detrimento do que ele também chama de “viés ideológico”. Para Bolsonaro, realizar acordos comerciais com países governados por políticos contrários aos EUA é tratar a economia com viés ideológico. O contrário, segundo ele, não é. Paradoxalmente, Bolsonaro não dispensa acordo comercial com a China comunista. China é o maior parceiro comercial. Queremos aprofundar esse relacionamento para desfazer certas coisas que falavam ao meu respeito desde lá atrás”, disse. Pois bem. O que diz o acordo comercial entre o Mercosul, bloco do qual o Brasil não somente faz parte como também é liderança, e a União Europeia? Uma das primeiras exigências do acordo, por parte dos europeus, é a inclusão de mais de 350 produtos como propriedade intelectual, o que impede o uso e a fabricação de outros países (no caso, os do Mercosul). Por exemplo, o queijo Roquefort é uma das sete propriedades intelectuais reconhecidas hoje pelo Brasil como sendo exclusivo da França. Nenhuma fábrica brasileira, portanto, pode usar o nome do queijo Roquefort. O mesmo ocorre com o vinho do Porto, que é reconhecido como marca exclusiva de Portugal.

O Brasil, como sempre, em sua submissão ao Velho Mundo, pediu o reconhecimento por parte da União Europeia de apenas 61 produtos, como a cachaça de Paraty, o queijo canastra de Minas Gerais e a própolis vermelho dos manguezais de Alagoas. De acordo com a Revista Veja (versão on line), “A partir da ratificação do acordo, outros 350 produtos também ganharão essa proteção no Mercosul, aumentando em muito as restrições a determinados setores da indústria, sobretudo para fabricantes de queijos, embutidos e bebidas”.

Já os europeus só precisarão se preocupar com 61 produtos brasileiros. Somos modestos, e abaixamos a cabeça a quem tem mais potencial do que nós. O acordo prevê redução gradual – que poderá chegar a zero – de impostos de importação e exportação dos dois blocos. 

Com isso, carros produzidos na Europa poderão chegar ao Brasil com preços competitivos. A nossa indústria já anda mal das pernas, agora será o seu fim. A Toyota, que é uma empresa japonesa, instalou duas fábricas em nossa região: Sorocaba e Porto Feliz. Há algumas semanas anunciou demissões em massa. Como ficarão os outros trabalhadores dessa fábrica quando o acordo for ratificado?

A questão é essa: não temos tecnologia que interesse aos europeus. Portanto, voltaremos aos tempos coloniais de fornecimento de matéria-prima e produtos tropicais e, em contrapartida, continuaremos sendo consumidores de tecnologia desenvolvida em outros países. Triste sina nossa de sermos sempre colonizados.

Cortes nos investimentos em educação, facilitação na liberação do porte de armas, agressiva reforma de Previdência para os trabalhadores (basta ver que setores corporativistas já estão buscando a sua saída da reforma. A mesma que querem vender como sendo benéfica a todos. Só que ninguém quer para si) e, agora, esse acordo que nos levará ao buraco infinito da recessão e da pobreza.

Aliás, do ponto de vista da economia, o tão falado ministro Paulo Guedes parece que não consegue realizar nenhuma ação antes da reforma da previdência. E, com isso, a recessão econômica e o desemprego só aumentam. 

Só não há como o eleitor dizer que foi enganado. Tudo o que esse governo tem feito já estava predito em seus discursos e promessas. Aliás, Bolsonaro foi, talvez, o candidato mais honesto de todos. Disse o que pretendia fazer e está fazendo. Tolo de quem votou nele acreditando em algo diferente das suas promessas de campanha.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

02.07.2019

carlosccavalheiro@gmail.com




O leitor participa: Marcos Francisco Martins: "'Idiota' é quem me diz!"

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Artigo: ‘Idiota’ é quem me diz!

Ao comentar as manifestações do dia 15/05/19 contra o contingenciamento de verbas para a educação, que envolveram milhões de pessoas nas ruas em mais de duzentas cidades Brasil afora, Bolsonaro, nos EUA (Dallas – Texas), as identificou como sendo protagonizadas por “idiotas”. Cabe, então, saber o que significa essa palavra, para corretamente empregá-la.

Parece que o presidente utilizou o termo “idiota” no sentido corrente, coloquial, qual seja para designar aquele ou aquela que carece de inteligência, de discernimento; o tolo, ignorante, estúpido, inculto. Sem entrar no mérito da própria palavra, essa fala, arrogante e desqualificadora da comunidade educacional, é lamentável se pronunciada por qualquer cidadão, sobretudo, pelo presidente da república, porque não é isso o que se espera do comportamento republicano do chefe de uma nação que se quer minimamente civilizada.

Todavia, cabe conhecer a etimologia (origem e evolução das palavras) de “idiota”, porquanto, ao fazê-lo, novas possibilidades se abrem para bem qualificar quem é e quem não é o “idiota” no contexto presente.

Historicamente, a palavra “idiota” reporta-se à realidade grega antiga, que marcou fortemente a cultura ocidental. Entre as heranças recebidas da Grécia antiga está, inegavelmente, a política e a democracia.

No contexto econômico, social, político e cultural grego antigo, as cidades (pólis) eram formações econômico-sociais com grande autonomia, isto é, a Grécia antiga não formava um país, uma nação, como modernamente concebemos. Era, de fato, um conjunto de cidades independentes umas das outras, localizadas na península balcânica e cada qual com um perfil muito próprio. Os habitantes das pólis gregas, isto é, das cidades, eram os chamados políticos, o que mais tarde encontrou na civilização romana a tradução de “cidadãos”, uma vez que em latim o termo empregado para se referir à cidade é “civitas”.

Uma das mais importantes cidades gregas antigas era Atenas, que se notabilizou pelo pujante desenvolvimento cultural durante o período clássico (508-322 a.C.). Nela, os políticos formavam um pequeno grupo de pessoas, já que dele se excluíam crianças, mulheres, estrangeiros e escravos. De maneira que cerca de apenas 3% a 4% da população gozavam da condição de ser político e, assim, intervir nos rumos da cidade, ajudar a gerenciá-la, o que era feito em praça pública, por meio do diálogo, isto é, democraticamente. Era, portanto, um tipo de democracia direta, pois os políticos não elegiam representantes como no Brasil atual, o que se faz pelo voto, embora fosse uma democracia restrita a um pequeno grupo de pessoas, sem voz e vez para a maioria social.

Mas havia um grupo de políticos que, mesmo gozando de condições econômicas (ser proprietário para dispor de tempo a dedicar à vida política), sociais e culturais de poder ajudar no gerenciamento da cidade, de participar de seu governo, negava-se a isso e se recolhida na pequenez da individualidade, evitando o diálogo público, vendo o outro como “agente de um desacato, a encarnação de um desaforo, um delinquente, que merece sofrer medidas policiais” (Leandro Konder – O “ídion” e o “idiotes”). A esse grupo de indivíduos os gregos chamavam de “idion”, do qual derivou, historicamente, a palavra “idiota” em português. Portanto, “idiota” é palavra que, para além do uso coloquial que dela se faz, reporta-se a alguém que se nega participar do exercício do governo, da dinâmica da vida política que define os rumos da vida de uma coletividade social.

Ocorre que, além de chamar de “idiotas” os estudantes e professores que estavam nas manifestações intervindo nos rumos da pólis brasileira hodierna, Bolsonaro, na posse do novo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, ocorrida em 09/04/19, disse que “Nós queremos uma garotada que comece a não se interessar por política”. Decorre entender dessa fala que ele despreza a arte da política.

Tendo como referência os dois sentidos da palavra “idiota” apresentados (coloquial e histórico), o leitor, especialmente os que participaram das manifestações contra o contingenciamento de verbas para a educação, tem condições de inferir por si mesmo quem são os idiotas atualmente, mas uma das conclusões só pode ser, se considerado o que foi dito, que idiota é quem me diz!

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Professor da UFSCar campus Sorocaba

e pesquisador do CNPq




Carlos da Terra: 'Enfim, seremos mesmo uma grande nação?'

Carlos da Terra

Carlos da Terra: ‘Enfim, seremos mesmo uma grande nação?’

É um sonho da população brasileira, e claro que é também o meu sonho.

E ao sermos instados a dizer nossa opinião, esbarramos invariavelmente com a atitude do ouvinte que imagina que aquilo que ele “quer” é o que irá acontecer. Se ele quiser, ou mesmo se o seu interlocutor quiser que ocorra “A”, então vai ocorrer “A” e se ele quiser “B”, ocorrerá “B”.

É óbvio que não é assim, porque esse sonho (de um grande país, para o Brasil) já o temos desde o tempo de D. Pedro I, e até hoje, não somos essa nação comparável às grandes potências.

O povo quer isso, mas o quer apenas por um sentimento íntimo competitivo associado a um conforto material melhor. Ou seja, subentende que temos que estar acima de outros seres humanos, ou, no mínimo, equiparados no topo e que sejamos regiamente pagos pelos nossos serviços.

E nem um pouco se pensa no aprimoramento dos nossos serviços e produtos, aí sim, equiparando-os aos países produtores do primeiro mundo.

Permitam-me dizer-lhes uma coisinha a respeito da posse do novo presidente, dia primeiro próximo. Não é minha intenção levar aqui uma carga de pessimismo, nem mesmo jogar um balde de água fria no sonho meu e do nosso povo, mas permitam-me dizer: “já vi ‘esse filme’ várias vezes”.

O filme rodou na cabeça de todos nós, na posse de, praticamente, todos os presidentes eleitos e empossados e especialmente na posse do Collor de Melo, o extraordinário caçador de marajás.

Se os Srs. me perguntarem se eu “acho” que o governo de Bolsonaro dará certo, e me permitirem responder com sinceridade, eu responderei que “acho que não”.

“Acho que o governo Bolsonaro não atenderá a expectativa da nação e, pelo contrário, nos trará inúmeros problemas de base.

Eu gostaria de adicionar aqui, que o agora presidente Bolsonaro, já está na política a muito tempo e a despeito de sua ojeriza pela corrupção e pelo crime, havemos que perguntar: “o que efetivamente ele já fez sobre isso?”.

Mas não é só por isso que a minha opinião é adversa. Ocorre que não há um governador, ou presidente, que até hoje sonhou, ele próprio, em deixar seu governo sendo criticado por compactuar com o crime e a sujeira. Ao contrário, todos, com absoluta certeza, sonhavam em deixar os respectivos mandatos, com exemplar vitória sobre essa aberração da conduta humana.

Veja-se o esforço descomunal que se fez para resolver o diabólico problema da cracolândia de São Paulo.

Quando o Leonel Brizola foi governador do Rio de Janeiro, almejando resolver o grave problema das favelas, construiu e deu muitas casas aos então favelados. Sabem o que aconteceu? Essas pessoas que foram contempladas com as casas, venderam suas torneiras, janelas e objetos de metal e retornaram às favelas.

Resolver os problemas do Brasil não é uma questão de machismo, afirmação, ou meramente de vontade, ou princípios moralistas ou religiosos. É uma questão de base. Nosso povo, queiramos ou não, precisamos admitir, não tem recursos para produzir um trabalho manual ou intelectual, que tenha qualidades para competir ou andar pareado aos produtos europeus. E também, e essa é pior parte, nosso povo é completamente despreparado para viver em uma sociedade civilizada.

Esse problema que temos, outros países que agora são exemplos de adiantamento, também já tiveram e eles resolveram pelo que se sabe até hoje, da única maneira possível: investindo no ser humano. “Pegaram” crianças na faixa etária de 7 e cuidaram delas com esmero. Investiram muito dinheiro e atenção nelas por mais ou menos uns 15 anos.

Ao final essas então crianças, eram agora jovens na faixa de 22 anos com uma formação esmerada o que lhes proporcionava fabricar bons produtos e principalmente, lhes propiciava a oportunidade de viver condignamente na sociedade, aprimorando o  trato entre os seres humanos e também entre os humanos e outros animais, e ainda reduzindo substancialmente a probabilidade de que esses jovens, agora no mercado de trabalho, se corrompessem.

É um trabalho árduo, mas não tem outro jeito.

Então, eu gostaria de terminar este texto com a seguinte frase: “o meu desejo é que o governo Bolsonaro dê certo e este meu texto vá parar no lixo”, mas “eu acho” que o governo Bolsonaro não dará certo”. Infelizmente desconfio que vou acertar!

 

Carlos da Terra – carlosdaterra@gmail.com

 




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Jair… quem é Jair?' Parte 2*

“Jair Messias Bolsonaro aparece como um dos militares envolvidos no atentado, tendo dado uma entrevista sigilosa à revista Veja.”

Em 26 de outubro de 1987 o mesmo Jornal do Brasil anuncia em primeira página outro episódio envolvendo o capitão Bolsonaro: “Exército investiga terrorismo na Esao”. Trata-se da afamada “Operação Beco sem saída”, na qual oficiais da Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais pretendiam explodir bombas no local com o objetivo de assustar o Ministro do Exército, General Leônidas Pires Gonçalves, e mostrar ao presidente José Sarney que “Leônidas não exerce nenhum controle sobre a tropa”.

Jair Messias Bolsonaro aparece como um dos militares envolvidos no atentado, tendo dado uma entrevista sigilosa à revista Veja. Porém, o periódico não cumpriu o acordo de sigilo, por entender ser grave a informação, e o oficial foi apontado como um dos participantes da Operação. Em depoimento, Bolsonaro e o capitão Fábio (conhecido como Xerife), outro suposto envolvido na trama, negaram veementemente a participação no evento, bem como também a entrevista para a reportagem da revista Veja. O Ministro Leônidas Gonçalves endossou os desmentidos de Fábio e de Bolsonaro, dizendo: “Conheço a minha gente” (JORNAL DO BRASIL, 28 out 1987, p. 1).

            Na mesma época, o Coronel da reserva Geraldo Lesbat Cavagnari apontou que em seu juízo, a manobra da explosão das bombas na Esao estava ligada a “um movimento mais amplo, com ramificações, articulado com a extrema direita civil e militar, com o objetivo real de desestabilizar o processo de transição democrática” (JORNAL DO BRASIL, 27 out 1987, p. 5). Por suas declarações, Cavagnari chegou a ser preso no dia 27.

            A Revista Veja confirmou que tanto Fábio quanto Bolsonaro mentiram em seus depoimentos e que, de fato, foram sim ouvidos pela reportagem e que apresentaram o plano de explodir bombas na Esao. O assunto se estendeu por outras tantas edições do jornal e foram instalados dois conselhos de Justificação para apurar o envolvimento dos capitães Jair Messias Bolsonaro e Fábio Passos da Silva. O Exército resolveu processar os dois capitães, apontando o Superior Tribunal Militar para julgar o caso (JORNAL DO BRASIL, 21 fev 1988, p. 6).

            O Ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves afastou os dois capitães, atendendo a sugestão do Conselho de Justificação, por faltarem com a honra e com a verdade ao negarem que tivessem fornecido informações sobre a Operação Beco sem Saída para a Revista Veja (JORNAL DO BRASIL, 27 fev 1988, p. 1).

            Parecia que o mundo ruíra para os capitães e a imprensa começou a detalhar sobre a vida e a personalidade desses militares até então pouco conhecidos. De Bolsonaro o jornal assim se pronunciou: “Um líder que não sabe exercer sua liderança. Assim pode ser definido, a grosso modo, o capitão Jair Bolsonaro. De direita, seguidor do general Newton Cruz, o capitão costumava carregar um revolver calibre 32 escondido na botina, do qual não se separava. Dos livros, queria distância. Amante de motocicletas, o capitão Bolsonaro levava uma vida quase comum. Bebia socialmente e não dispensava um bom churrasco. Aos 33 anos, faz da mulher Rogéria a sua principal confidente, com a qual costuma dividir também os problemas da turma de artilharia da Esao (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais). Ambicioso, sonhava em ser herói nacional ou deputado nas próximas eleições (JORNAL DO BRASIL, 27 fev 1988, p. 5).

            Em 16 de junho de 1988 o Superior Tribunal Militar absolveu os dois capitães, reformando a sentença do Conselho de Justificação que os condenou em primeira instância (JORNAL DO BRASIL, 17 jun 1988, p. 2). Em julho daquele ano, Jair Bolsonaro anuncia que irá concorrer às eleições. Naquela época o seu slogan era “Salvem o Rio”, acompanhado de outro, que ganhou fama nestas últimas eleições: “Brasil acima de tudo”. Ao se filiar ao Partido Democrata Cristão, PDC, Jorge Coelho de Sá, presidente regional do partido, teria dito: “Quem é Jair Bolsonaro?”.

            Nos meios políticos, o capitão ainda não era conhecido. Mas suas ideias já se faziam presentes e não modificaram. Diz a reportagem do Jornal do Brasil que Bolsonaro dispensou o convite de quatro outros partidos, incluindo o PFL (atual DEM), por se alinhar à ideologia de centro-direita do PDC. Bolsonaro argumentava que queria ser político para servir ao Brasil, combater a corrupção e pregar a moralidade pública (JORNAL DO BRASIL, 30 jul 1988, p. 3).

            Porém, uma fala de Bolsonaro naqueles idos deixa claro um projeto de longo prazo: trazer de volta ao cenário político a presença dos militares. Não necessariamente uma ditadura militar, embora nunca tenha escondido o seu saudosismo pelo que ele chama de “regime militar” (não o reconhece como uma ditadura). Bolsonaro, licenciado à época para concorrer ao cargo de vereador no Rio de Janeiro, refletiu sobre a participação dos militares na política nacional: “A classe militar foi a última a acordar. Você vê os metalúrgicos fazendo greve? Eles estão fazendo política” (JORNAL DO BRASIL, 19 set 1988, p. 2).

            O mesmo projeto de alcançar o poder político foi sendo articulado também entre os setores cristãos conhecidos genericamente como “evangélicos”, sobretudo a partir do final da década de 1990, quando estavam alcançando a cifra de 30% da população. Não é sem sentido, portanto, que nesta última eleição o número de militares que concorreram (e ganharam) fosse muito maior do que em anos anteriores. A participação de militares e evangélicos na política do Brasil vem sendo planejado há décadas e culminou nessa visibilidade extraordinária das últimas eleições.

            Bolsonaro foi eleito vereador em 1988, e, conforme a legislação, foi reformado (aposentado) aos 33 anos de idade com remuneração condizente à sua patente militar. Nunca escondeu sua tendência para o autoritarismo e o uso da força e da truculência (chegou a afirmar que era a favor de tortura). Porém, dentro do jogo da democracia, essas regras não servem. Jair Bolsonaro terá, então, que aprender a lidar com essa nova situação. Oxalá aprenda depressa a dialogar com os diversos setores da sociedade, respeitando as instituições e regras da democracia, inibindo a tendência ao autoritarismo. Somente assim podemos acreditar na possibilidade – ainda que aparentemente remota – da necessária pacificação e reunificação do Brasil. Até agora, só estivemos divididos e afastados, uns dos outros.

Carlos Carvalho Cavalheiro – carlosccavalheiro@gmail.com

*  A primeira parte pode ser acessada por este link: http://www.jornalrol.com.br/carlos-carvalho-cavalheiro-jair-quem-e-jair-parte-1/

 




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Jair… Quem é Jair?' Parte 1

“Na realidade, não se sabe o que esperar do próximo presidente. É possível que nem mesmo os seus apoiadores saibam o que se passa na mente e nos desejos de Bolsonaro.”

            Consummatum est! Jair Messias Bolsonaro foi eleito Presidente da República Federativa do Brasil em 28 de outubro de 2018. Não teve a vitória esmagadora, como os seus correligionários imaginavam (chegou-se a cogitar números que representavam entre 60 a 70% das escolhas), mas com 55% dos votos válidos, restando ao candidato Fernando Haddad do PT uma expressiva votação que atingiu os outros 45%, o que fortalece o ânimo da formação de uma oposição.

            Na realidade, não se sabe o que esperar do próximo presidente. É possível que nem mesmo os seus apoiadores saibam o que se passa na mente e nos desejos de Bolsonaro. Muitas vezes contraditório, especialmente durante a campanha eleitoral, outras vezes bastante truculento, bastante incógnito, a personalidade de Jair Bolsonaro desperta controvérsias. Ainda em campanha, somente para citar um episódio, o então candidato recebeu “apoio” do historiador estadunidense e ex-líder da organização racista Ku Klux Klan, David Duke, o qual reconheceu semelhanças entre Bolsonaro e os supremacistas raciais dos Estados Unidos: “Ele soa como nós. E também é um candidato muito forte. É um nacionalista. Ele é totalmente um descendente europeu. Ele se parece com qualquer homem branco nos EUA, em Portugal, Espanha ou Alemanha e França. E ele está falando sobre o desastre demográfico que existe no Brasil e a enorme criminalidade que existe ali, como por exemplo nos bairros negros do Rio de Janeiro”, teria dito Duke em reportagem publicada pela BBC de Londres (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45874344). Imediatamente, o candidato rebateu pelas redes sociais dizendo que: “Recuso qualquer tipo de apoio vindo de grupos supremacistas. Sugiro que, por coerência, apoiem o candidato da esquerda, que adora segregar a sociedade. Explorar isso para influenciar uma eleição no Brasil é uma grande burrice! É desconhecer o povo brasileiro, que é miscigenado”. Essa mensagem é assinada pela mesma pessoa que disse que em seu futuro governo nem índio e nem quilombola teriam um centímetro sequer de terra!

            Após a divulgação dos resultados da eleição, o programa Fantástico, exibido aos domingos pela TV Globo, veiculou uma matéria em que traça a árvore genealógica de Bolsonaro: descendente de italianos que imigraram ao Brasil fugindo da miséria que assolava a Europa e também de alemães também que aqui se encontravam (https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2018/10/28/familia-de-bolsonaro-saiu-da-italia-no-seculo-xix-para-trabalhar-no-interior-de-sp.ghtml?fbclid=IwAR03oB2-Hu2rI9-x68TFzBlM-Zs6oxgwjChB0ZWlOA1YMB5b4M6h-hmahhs). Do povo brasileiro que é miscigenado, há os que o são somente entre ancestrais caucasianos. Esse parece ser o caso de Jair Messias Bolsonaro.

            Sobre sua ancestralidade, Bolsonaro cita com certo orgulho o fato de o bisavô alemão, Carl Hintze, ter pertencido ao Exército alemão de Hitler. O colunista Miguel Enriquez, do Diário do Centro do Mundo, atribui a fala de Bolsonaro a sua personalidade mitômana, a qual criaria histórias fantasiosas para superar os fracassos: “A mitomania parece ser uma forma de Bolsonaro minimizar suas frustrações pessoais. Chegou ao oficialato no fim da década de 1970, quando já não mais havia “terroristas” para perseguir, prender e torturar, e a sociedade brasileira reagia com vigor à ditadura, obrigada a por em marcha o processo de “distensão lenta, gradual e segura” patrocinado pelo general Ernesto Geisel. Não por acaso, a frustração foi compensada pela idolatria em relação ao coronel Brilhante Ustra, o torturador-mor do regime”, diz Enriquez (https://www.diariodocentrodomundo.com.br/bolsonaro-mente-sobre-seu-papel-na-caca-a-lamarca-e-seu-bisavo-soldado-de-hitler-por-miguel-enriquez/).

            Não há certeza e nem perspectiva do que virá do próximo governo. Quando questionado sobre diversos temas, Bolsonaro tem se esquivado com respostas evasivas, alegando que formará uma equipe técnica e competente para cada área. Aparentemente, não possui um plano de governo formatado. Jair Bolsonaro afirma que se preparou durante 4 anos para ser presidente. O que transparece é que se preparou para ganhar a eleição, não para governar. Mas o projeto de poder é bem mais antigo.

            Graças aos arquivos de jornais antigos – e pela mercê de não termos um funcionário como Winston Smith, do livro “1984”, de George Orwell, que adulterava os arquivos para que se ajustassem às conveniências do governo – podemos acessar alguns dos veículos impressos no Brasil utilizando o instrumento da internet. A Biblioteca Nacional, por exemplo, disponibiliza diversos jornais brasileiros digitalizados.

            O Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, traz o nome do atual presidente eleito numa nota publicada em 3 de setembro de 1986, no qual anuncia que o então capitão Bolsonaro fora punido por ter publicado um artigo na Revista Veja sobre o salário baixo dos oficiais e sargentos. A polêmica sobre os supostos baixos salários recebidos pelos militares rende notícias para várias edições do jornal. Assim, o nome de Jair Messias Bolsonaro começa a ser conhecido.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro – carlosccavalheiro@gmail.com