Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Personalidades negras da região poderão fazer parte de jogo educativo'

 Ao menos três personalidades históricas ligadas à negritude da região de Sorocaba poderão vir a fazer parte de um jogo educativo criado na Bahia. As personalidades foram sugeridas pelo historiador Carlos Carvalho Cavalheiro para a designer Polianna Silva, criadora do jogo                

Sobre o jogo

               Batizado com o nome “Afro-históricos”, trata-se de um jogo de cartas experimental que propõe divulgar, de forma lúdica, as personalidades negras que contribuíram para a história do país e assim, fortalecer a representação positiva dos negros na sociedade brasileira.

               Criado por Polianna Silva, esse Jogo de personalidades negras brasileiras foi um trabalho de conclusão de curso de Design da EBA/UFBA e consiste em um jogo de cartas em que cada personalidade retratada recebe pontuações (em forma de estrelas) para diversos atributos. Essas pontuações são aleatórias e é apenas um elemento da mecânica do jogo, não define a personalidade representada.

               Cada jogador recebe uma quantidade de cartas e o jogo é uma disputa de valores dos atributos. Porém, o objetivo principal é fazer com que as personalidades negras relevantes para a nossa História sejam conhecidas e reconhecidas.

               O projeto de Polianna Silva recebeu apoio do “Rumos – Itaú Cultural” e está disponível no site https://afrohistoricos.com.br/ , com todas as informações e link para montar que os visitantes possam criar suas próprias cartas.

               O jogo é disponibilizado e também comercializado pelo site. Nem todas as personalidades retratadas no jogo são conhecidas nacionalmente.

De acordo com Polianna, “Dentre as pessoas do jogo temos algumas que são pouco conhecidas, tendo mais relevância aqui na Bahia”.

Indicação de personalidades da nossa região

Carlos Carvalho Cavalheiro

Ao tomar conhecimento desse jogo, de sua importância para a divulgação das personalidades negras brasileiras, o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro entrou em contato com Polianna Silva e propôs a inclusão, inicialmente, de três personalidades locais. A primeira é a do Preto Pio, escravizado que liderou a fuga ocorrida em outubro de 1887, conhecida como “Êxodo do Capivari”, conduzindo os seus companheiros de cativeiro da cidade de Capivari até a Serra do Cubatão, onde estava localizado o Quilombo do Jabaquara. Preto Pio passou por Porto Feliz, Itu, Salto, Sorocaba, Cotia, São Paulo e seguiu em direção ao litoral.

               Na serra do Cubatão, os escravizados foram surpreendidos por uma tropa militar e Preto Pio avançou sobre um anspeçada, matando-o com golpes de foice. Imediatamente ele foi fuzilado pelos outro militares, enquanto o restante do grupo se embrenhou na mata. Ao ser feita a autópsia do corpo de Preto Pio descobriu-se que havia três dias em que ele não comia, fugindo para obter a sua liberdade no Jabaquara. Esse fato ocorreu, de acordo com pesquisa do historiador, no dia 19 de outubro de 1887.

               João de Camargo, por sua vez, ganhou notoriedade nacional com o filme “Cafundó”, de Paulo Betti. João foi um ex-escravizado que em 1906 começou a realizar curas e levantou uma capela na estrada da Água Vermelha. Preso e processado em 1913 por curandeirismo foi absolvido e em torno de sua capela constituiu um bairro que se converteu num território negro capaz de competir com a representação de uma cidade industrial e burguesa. Além dos diversos livros que já foram publicados sobre João de Camargo, está em fase de publicação a obra “João de Camargo, o homem da Água Vermelha”, de autoria de Carlos Cavalheiro e que será publicada pela A. R. Publisher Editora. João de Camargo faleceu em 28 de setembro de 1942 e seu enterro foi acompanhado por milhares de devotos.

               O maestro Romário Antonio Barbosa nasceu em 29 de maio de 1913 em Capivari. Filho de Luiz Antonio Barbosa e de Benedita Rosalina de Melo Barbosa, Romário tornou-se um dos mais respeitados músicos da cidade, emprestando o seu nome para a Escola Municipal de Música. Pertenceu à Banda Bandeirantes e foi um dos mais atuantes professores de música da cidade. Foi casado com Lucila Alves de Oliveira, de cujo consórcio nasceram três filhos. Faleceu aos 85 anos de idade no dia 18 de fevereiro de 1999. Em sua homenagem, na cidade de Porto Feliz foi criada a Semana Romário Antonio Barbosa.

Processo de inclusão das personalidades

               Apesar da boa recepção das indicações, Polianna Silva argumenta que existe todo um processo para que os nomes sejam incluídos no jogo.  O primeiro passo é obter autorização de possíveis herdeiros ou detentores de direitos.  “Apesar do jogo ser doado ele também é comercializado, pode dar problemas com direitos de imagem”, esclarece a criadora do jogo. Esse processo foi observado em todos as personalidades que constam no jogo. “Algumas das personalidades do jogo foram inclusas após autorização de seus herdeiros”, diz Polianna.

               Outro requisito é ter informações consistentes sobre a biografia da personalidade. “É preciso ter fotografia, datas de nascimento e morte e alguma biografia mais aprofundada. Tudo isso facilitaria a inclusão dele no jogo impresso se houvessem registros mais precisos”.

               No caso das personalidades indicadas, apenas o Preto Pio ainda tem pouca informação sobre sua vida, além de não existir nenhuma imagem conhecida dele. “O que se utilizou como imagem para o Preto Pio foram representações, assim como ocorreu com Zumbi. O fato de ele ser um escravizado reduz demasiadamente a possibilidade de se ter uma fotografia ou algo assim. Consta que foi realizada uma autópsia do seu corpo. Se esse documento for encontrado, talvez até possa existir alguma imagem. O que também é difícil de afirmar, pois parece que os exames cadavéricos da época não eram instruídos com fotografias”, declara o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro.

               Com relação a João de Camargo e Romário Antonio Barbosa, as biografias já são mais consistentes, restando apenas a verificação de autorização de possíveis detentores de direitos de imagem.

               “Seria muito importante a inclusão dessas personalidades num jogo de projeção nacional. Afinal, a luta empreendida por essas pessoas, seja na busca pela liberdade e igualdade, seja pela superação das discriminações ou mesmo pela inserção social e elevação cultural, essas lutas precisam ser conhecidas e valorizadas porque se constituem em alicerce para uma sociedade justa que iremos construir um dia”, finaliza o historiador.