O leitor participa: Marcos Francisco Martins: 'É justa a Justiça?'

“Não sou advogado, mas sempre me perguntei: é justa a Justiça? Desde junho de 2013, contudo, refletir sobre essa questão se tornou lugar comum.”

 

Não sou advogado, mas sempre me perguntei: é justa a Justiça? Desde junho de 2013, contudo, refletir sobre essa questão se tornou lugar comum. E o principal caso a motivar a reflexão é a Operação Lava-Jato e o caso Lula, que tem Moro como um dos protagonistas.

Consciente de que estou em um Estado Democrático de Direito (Constituição, Art. 1º), utilizando-me da liberdade de manifestação do pensamento (Art. 5º – IV) e do espaço ao contraditório aberto pelo Correio Popular, valho-me deste texto para enunciar dúvidas que me surgem ao refletir sobre o contexto do processo do “triplex” contra Lula:

  1. a) É permitido ao juiz Moro manter relações estreitas com adversários do réu, ex-presidente, inclusive participando de eventos dos que lhe são adversários?
  2. b) É permitido decretar prisões baseadas em delações sem teor comprobatório?
  3. c) Pode alguém ser acusado de um crime e condenado por outro? Moro disse na página 6 do despacho dos embargos de declaração: “Esse juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”. Não seria isso razão para anular o processo, pois Lula foi acusado exatamente de ter vantagens com contratos da Petrobrás?
  4. d) O foro de um julgamento não deve ser o local onde o objeto do processo se originou e se desenvolveu? Se for assim, por que o processo do “triplex” do Guarujá foi para Curitiba?
  5. e) Impedir ações da defesa de Lula em relação à perícia no “triplex” é permitido? (“Triplex”? O que as fotos do MTST revelaram é que o apartamento do Guarujá se assemelha mais a três unidades do “Minha Casa Minha Vida” sobrepostos, com uma reforma precaríssima, se é que ocorreu, e uma cozinha bufa, se considerados os valores divulgados sobre ela);
  6. f) grampear advogados de quem se julga não é proibido pela Art. 7º – II, da Lei 8.906/1994?
  7. g) Não seria caso de lawfare (uma guerra jurídica, em que a lei é empregada como arma no conflito) o juiz, a quem cabe julgar, atuar como promotor, cuja atribuição é a de acusar?
  8. h) O ônus da prova não cabe a quem acusa e não a quem é acusado, conforme o Art. 156 do Código de Proc. Penal?
  9. i) O mesmo argumento (não identificação pela Lava Jato dos recursos desviados) pode ser utilizado para decidir pela absolvição da mulher de Cunha e pela condenação de Lula?
  10. j) A exposição de Moro à mídia, em cujos holofotes comentou o processo, não é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35, 14/03/1979), Art. 36 – III?
  11. k) Expedir a prisão antes dos trâmites previstos não caracteriza alguma ilegalidade, já que contraria a Lei 4898/1965?
  12. l) Grampear conversa em que está a Presidente é lícito? Seria aceito nos EUA, por exemplo?
  13. m) Deixar vazar conversas da Presidente à mídia não viola a Constituição e a Lei 9296/1996?
  14. n) É justo ficar parado o processo contra Moro por dois anos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para apurar se houve eventual crime com os vazamentos? A justiça que tarda, falha?
  15. o) É lícita a apropriação do auxílio moradia a quem tem residência oficial na cidade onde trabalha? A Lei Orgânica da Magistratura, Art. 65 – II, não proíbe isso?

O caso do “triplex” enseja perguntas também ao TRF 4, para saber se a Justiça é justa:

  1. a) Podem desembargadores antecipar decisão à imprensa, falando fora dos autos?
  2. b) Podem desembargadores passar um processo na frente de outros 200? Qual a justificativa?
  3. c) É comum três desembargadores chegarem a dosimetria única, com todos imputando a mesma pena aumentada a Lula, condenando-o e evitando embargos infringentes?

Questões como essas são levantadas dentro e fora do País, deixando a Justiça em situação delicada. Se é essa a Justiça que alguns brasileiros exigem, entendo que não se amparam na ordem legal. Apesar dos pesares, tenho apreço pelo vigente ordenamento jurídico e penso que agir à revelia dele atualmente é temerário ao mínimo de democracia construída.

Em relação ao “triplex”, considero que Moro não agiu como recomenda o referido ordenamento e o TRF 4 confirmou, sinalizando que não parece ser jurídico o processo contra Lula, mas político, o que está em desacordo com a constitucional institucionalidade da tripartição dos poderes (Art. 2º). Se alguém Judiciário ou do Ministério Público quiser “fazer política” parlamentar ou executiva, que se candidate, pois se eleito será legítimo e justo!

 

Marcos Francisco Martins

Professor da UFSCar e pesquisador do CNPq

 

 

 




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'O Escândalo do Petróleo” e a Petrobrás

“Por uma infelicidade o povo brasileiro acostumou-se a ouvir notícias de corrupção na empresa estatal Petrobras, detentora do monopólio da extração e do refino de petróleo no Brasil. A operação “Lava Jato” deu visibilidade a essa empresa, que foi vista como a grande vilã e a responsável pela corrupção de todo o Estado brasileiro.

 

Por uma infelicidade o povo brasileiro acostumou-se a ouvir notícias de corrupção na empresa estatal Petrobras, detentora do monopólio da extração e do refino de petróleo no Brasil. A operação “Lava Jato” deu visibilidade a essa empresa, que foi vista como a grande vilã e a responsável pela corrupção de todo o Estado brasileiro.

De fato, ouvimos falar demasiadamente no nome Petrobras como a empresa que sustentou todo o esquema ilícito de desvios de verbas e que enriqueceu – a custa de dinheiro público – um sem fim de políticos e empresários. Por isso, não é raro escutar pelas ruas a opinião de pessoas que se dizem favoráveis à privatização da Petrobras, como se fosse essa a solução para a corrupção no Brasil.

É preciso entender, no entanto, que se a Petrobras é utilizada para desvio de recursos (ou dos lucros auferidos pela empresa), de outro a corrupção não se restringe à essa empresa e, em grande medida, abarca empresas privadas como as Construtoras Odebrecht e OAS e mesmo indústrias de alimentos como a JBF. “Pelo menos, se houver corrupção nessas empresas o prejuízo é dos empresários e não dos cofres públicos”. Já se ouve tal argumento para incentivar a privatização da Petrobras. No entanto, essa afirmativa não é verdadeira. As empresas particulares citadas – e tantas outras – beneficiaram-se da corrupção usurpando o dinheiro público. Em suma, não houve prejuízo para os empresários, mas tão somente para os cofres públicos.

Por outro lado, existem outras tantas empresas públicas (estatais) e dificilmente essas não seriam alvo de corrupção. Numa pesquisa rápida na internet, uma lista enorme de empresas estatais brasileiras se apresenta. A primeira empresa que não está ligada à Petrobras ou ao Ministério de Minas e Energia é a AMAZUL – Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A., ligada ao Ministério da Defesa e dependente do Tesouro nacional.  Ao buscar o nome AMAZUL e “corrupção” no buscador da internet aparece de imediato a notícia de esquema de corrupção bilionário envolvendo a Odebrecht na construção de um submarino. O esquema foi investigado na 35ª fase da Lava Jato. A segunda empresa estatal que não está ligada à Petrobras e que aparece na lista é o Brasilian American Merchant Bank, subsidiária do Banco do Brasil nas Ilhas Cayman, paraíso fiscal e que foi um dos possíveis destinos de operações financeiras ilícitas realizadas por Nicolas Leoz que teria desviado dinheiro da Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL). Mas, por que somente a Petrobras recebe tamanha exposição?

Não é de se duvidar que exista um interesse na campanha de desmoralização da Petrobras. Com isso, não se quer aqui dizer que não exista esquemas de corrupção nessa estatal ou que a Operação Lava Jato estaria articulando um plano maquiavélico de destruição do Brasil. Isso é bobagem. No entanto, estranha-se que se existem outras empresas estatais envolvidas em corrupção – algumas até investigadas pela Lava Jato – por que somente a Petrobras tem exposição nos meios de comunicação?

No final da década de 1930, portanto bem antes da existência da Petrobras, o escritor Monteiro Lobato iniciou uma campanha de exploração do petróleo no Brasil porquanto acreditava que a independência econômica e o desenvolvimento do país passavam pela emancipação energética. Preso por encontrar petróleo no Brasil, Lobato denunciou em seu livro “O Escândalo do Petróleo” que o governo brasileiro à época promovia uma política, insuflada pelas grandes corporações como a Standard Oil, de não permitir a exploração desse óleo natural que nos daria a liberdade econômica, segundo a crença do iminente escritor.

Porém, Lobato foi muito mais contundente em suas denúncias e provou que os trusts do petróleo como a Standard Oil e Royal Ductch & Shell adquiriram terras brasileiras como reservas petrolíferas afim de explorá-las futuramente quando os seus campos no estrangeiro se esgotassem (pág. 12). Isso na década de 1930. Porém, chegada a década de 1950, o mesmo Getúlio Vargas que impediu a exploração de petróleo e prendeu Monteiro Lobato, encampa a ideia da criação da Petrobras. Com isso, somente essa empresa estatal tem o monopólio da exploração no Brasil.

Enquanto perdurar esse monopólio estatal, as grandes corporações não podem explorar as jazidas que adquiriram desde a década de 1930. Lobato denuncia também que o ex-geólogo da Standard Oil Harry Koller confessou a existência do “programa dos trusts, nossos abastecedores de petróleo, de manter o Brasil em estado de escravidão petrolífera. Confessa a campanha de organização e contratos para o acaparamento das boas estruturas com o fim de impedir que os nacionais as explorem. Confessa a intensidade com que estudam nossa geologia e adquirem terras” (pág. 106). De acordo com Monteiro Lobato, por essas confissões, Harry Koller “teve” de suicidar-se: semanas depois do aparecimento do livro “O escândalo do petróleo”, o geólogo “foi encontrado morto em um quarto de hotel em Buenos Aires. Suicidado…” (pág. 105).

Monteiro Lobato descreve também a saga dos brasileiros que ousaram sonhar que no subsolo brasileiro havia petróleo. Diz do caso de São Pedro de Piracicaba, provavelmente a hoje cidade de Águas de São Pedro. Coincidentemente, há alguns dias visitei a única torre preservada em solo paulista que testemunha a época em que se buscava a extração de petróleo no Brasil. Trata-se da Torre Balloni, que levou o nome do engenheiro que a construiu, Ângelo Balloni.

Essa testemunha do período em que havia brasileiros que acreditavam no potencial do seu país nos leva à reflexão sobre os interesses de privatização que ainda hoje rondam a Petrobras.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

31.10.2017




Guaçu Piteri: 'Dá para acreditar?'

Guaçu Piteri

Guaçu Piteri: ‘Dá para acreditar?’

Dá para acreditar?

A Odebrecht e suas parceiras do famigerado Clube das  Empreiteiras prometem, agora, implantar “…as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade.”

Que assim seja, mas não vamos nos iludir.

A fiscalização  da roubalheira sistêmica instalada no país exige rigoroso acompanhamento das ações de empresas denunciadas por desvios de conduta e, já se sabe, que a única punição que as preocupa é a suspensão da prerrogativa de participar de licitações governamentais.

A propósito, há países em que empresas são arroladas em bancos de dados pela prática de delitos administrativos e econômicos. (v. no livro Blog do Guaçu Piteri – 5 anos sem fronteiras; Ontem no blog, hoje na Folha de S. Paulo; Edifieo – p. 76).

Mal comparando, como há o político “ficha suja”  que é temporariamente impedido de participar da vida pública, por que não se adota critério análogo com pessoas jurídicas? Por que não se ataca a corrupção  pelas duas pontas, a dos corruptores e a dos corruptos?

Não vai faltar quem questione essa proposta sob as alegações de que não é possível; não é justo; não é democrático; vai estagnar a economia e aumentar o desempego.

Esses argumentos, transformados em tabus a serviço dos interesses dos maus empresários e em prejuízo dos bons, perderam a validade no Brasil.

A Lava Jato se encarregou de desmitificá-los demonstrando que é possível; é necessário; é democrático e é economicamente vantajoso combater o crime praticado pelos gigantes da economia, tanto públicas como privadas.

Mais do que isso, provou, também, que tudo pode ser realizado dentro dos limites da lei, da transparência e de amplo direito à defesa.

Elio Gaspari compara: “Entre 1968 e 1979, com cerca de duzentos funcionários, inclusive dois generais, (a ditadura) investigou 25 mil pessoas, abriu 1.153 processos e confiscou os bens de 41 pessoas apurando uma mixaria. (Os grandes tubarões ficaram de fora.) Em apenas três anos, respeitando as regras do direito, a Operação Lava Jato condenou 130 pessoas a penas que somam 1.377 anos, recuperou R$ 10 bilhões e bloqueou outros R$ 3,2 bilhões.” (Ditadura? Folha de S. P. Poder; 2/04/2017).

Ademais dos resultados práticos alcançados, os brasileiros já têm robustos motivos para acreditar  que o combate à corrupção pode e deve ser realizado na plenitude do Estado Democrático de Direito.

Os políticos que pregam o retrocesso à ditadura, dos times de Maluf, Bolsonaro e seus genéricos, foram desmascarados pela performance da Operação Lava Jato, que está passando o Brasil a limpo, dentro da lei e com maciço apoio popular.