Leila Alves: 'Minha casa'

Leila Alves

Minha casa

Minha casa mora em mim
Como a canção inevitável
Dos meus versos.
Ora arpejo, ora disritmia.

Minha casa tem pressa de
Falar
Quando borbulha palavras
Pelos poros.

Na minha casa tem alpendre
De saudade,
Há canteiros desassistidos
Beirando o quintal.

Na minha casa a alegria é
Efêmera,
Vem na aurora, no ocaso
Ela se vai.

 

Leila Alves




Leila Alves: 'Amizade de matuto'

Leila Alves

Amizade de matuto

Amizade de matuto é diferente, tem
igual não. Pra ele todo amigo é seu
irmão. Matuto não finge, matuto é
rochedo. É cabra da peste.

Ou gosta ou não gosta, e se precisar
dele, Ave Maria… tem como ele não,
tira até a roupa do couro pra quem
necessitar.

Matuto não trai, é fiel, é gente de uma
palavras só.
Tomar mulher de amigo, ou mesmo
enganar a sua, vixi, isso ele não faz não.

Quer ser seu amigo, não mexa com ele
não.
Bom dia de matuto é um abraço
arrochado, tipo estou aqui pra servir.

Matuto não faz questão de besteira nem
dar rasteira.
Com matuto, tem “pantinho” safado não.,
ou é, ou não é.

Com ele não tem esse negócio de vou
pensar. Ou vai ou racha.
O cabra é destemido, decidido, corajoso
e determinado.

Amizade de matuto vale ouro. Se for à
casa de um, saiba que será bem recebido,
porque hospitaleiro pode ter a certeza que
isto ele é.

Sem falar no aconchego da boa prosa
sentado no espinhaço de um tamborete.
e se esticar a conversa, não vai dar pano
pras mangas não.

Sem falar também nas suas consideranças.
E pra encurtar a história, vos digo uma coisa:
amizade de matuto, não é pra todo mundo
não.

 

Leila Alves

leila.alvesmc@gmail.com

 




Leila Alves: 'Vaso de esquecimento'

Leila Alves

Vaso de esquecimento

Boa parte da minha vida, vivi um tanto de situações que até então não tivera parado para refletir sobre o sentido que elas faziam para mim e, aí fui passando por entraves, sem ao menos tentar compreender ou examiná-los cuidadosamente, como fazem, digamos assim, as pessoas sensatas.

O que quisera na verdade, era ignorá-las ou evitar enxergá-las, porque o inverso não me seria cômodo, me causaria uma série, ou até mesmo uma boa dose de inquietação e desconforto.

Aí o tempo foi passando. Fui procurando aproveitar ao máximo as coisas que me traziam alegria e satisfação e, o resto colocava no vaso de esquecimento.
Fui tocando meu barco pra frente, achando que tudo estava em perfeita harmonia, engano, as situações por mim ignoradas, estavam todas lá, no vaso de esquecimento. Não me dei conta de que no fundo do vaso, havia areia boa e, consequentemente as situações lá plantadas cresciam e se transformavam em pé de espinhos, e que hoje as colho sangrando, obviamente.

Se tivesse prestado atenção a elas, (as situações) não as teria plantado, embora que inconscientemente. As plantei e, hoje pago um bom preço por isto, preço este, por ter me deixado levar à inconsequente ilusão, esta que nos mostra um bem-estar enganador.

Vejo que temos obrigação de examinar cada situação a qual possamos estar envolvidos, tirar o máximo de proveito das lições que elas nos apresentam, do contrário, estamos sujeitos a sofrer um tanto de consequências desagradáveis, como as decepções causadas pelas verdades que não queremos enxergar e/ou pelas ilusões que em determinados momentos da vida nos são apresentadas como in(verdades).

Saber conviver com situações difíceis é uma arte; elas são degraus para a elevação e desenvolvimento espiritual, elas nos apontam o caminho certo para o acerto, nos amadurece, nos prepara para uma vida em equilíbrio(dentro do entendimento), pode nos levar à serenidade e a compreensão.

Se as colocamos no vaso do esquecimento, no vaso do esquecimento estaremos, nos transformando em pés de espinhos, dando frutos de espinhos, não desmerecendo os espinhos, na verdade os espinhos nos indicam os perigos, sobretudo, nos mostram a capacidade que temos de nos ferir e ferir o outro, serve-nos também como alerta. O espinho é um paradoxo, diga-se de passagem.

Saber conviver com situações difíceis é sobretudo, ser mestre de si mesmo; é como retirar as traças do armário, limpar o interior da nossa casa, fazer uma faxina completa, sem ter que jogar o lixo pra debaixo do tapete, ou ter que plantar determinadas situações no vaso do esquecimento, achando assim que estamos tapando o sol com a peneira e, que assim seremos felizes.

Ser feliz na verdade é saber lidar com as situações difíceis, sabendo direcioná-las no sentido certo e, aproveitar seus ensinamentos, é não ignorar esta aprendizagem, embarcando numa ilusão, achando que os pássaros pousam todos os dias à nossa janela, afinal de contas, eles tem mais o que fazer, como construírem os seus próprios ninhos, por exemplo.
Vivamos a vida com sabedoria, vigiando sempre, não deixando o tesouro do entendimento fugir à nossa compreensão.

 

Leila Alves

 




Leila Alves: "Ri-te'

Leila Alves

Ri-te

(Ode ao poema “O Teu Riso”
de Pablo Neruda )

Foi no riso que me pediste,
Que tão logo me cativaste.
Ri-te do nosso amor que
Singelamente, acampaste.

Ri- te pois da felicidade que
Nos cerca, ri- te, ri-te de mim,
De nós, meu grande amor,
Nos afaga.

Ri-te pois dessa mulher que
Te ama.
Ri-te sim, de ti e de mim, que
Vivem loucos, apaixonados.

Só não ri-te da dor, que é ver
Nós dois separados.
Ri- te Neruda, ri-te muito do
Nosso amor escancarado.

 

Leila Alves

leila.alvesmlc@gmail.com

 




Leila Alves: 'Mulher'

Leila Alves

Mulher

Sou mulher, com erros e acertos,
com
defeitos e qualidades. Sexo frágil?
não mesmo.

Sou mulher, dona dos meus atos,
do
meu corpo, e das minhas
entranhas.

Meu útero, eu governo, assim como
a minha fertilidade.
Sim, eu sangro, eu gero, eu procrio.

Sou mulher, assim como a Lua, ora
minguante,
ora crescente, cheia nova. Sou
cíclica.

Portanto, não venha me redimir,
tampouco me machucar.
Sou mulher, sou rosa, sou choque.
Sou eclípse lunar.

 

Leila Alves

leila.alvesmlc@gmail.com

 




Leila Alves: 'A menina que quebrou o nariz'

Leila Alves

A menina que quebrou o nariz

A menina brincando de roda, no batente da calçada quase morreu. Foi tanto alvoroço no mundo, sangue do
do seu nariz escorreu.
Foi um Deus nos acuda! Corria gente pra cá, corria gente pra lá… bateu-lhe uma febre que nada fazia baixar.
Foi tanta agonia, que até o vigário veio rezar.

A casa se encheu de gente para assistir a menina morrer.
Chamaram o médico, que às pressas indagou mesmo assim: – Vou aplicar-lhe esta injeção…se a febre baixar, podem festejar, porque a menina vai se curar!
Demorou muito não, logo a menina mexeu as pestanas e sorriu. Eita que a alegria foi grande demais!

Foi tanta gente rindo e chorando ao mesmo tempo, que não deu nem pra acreditar…pois a menina pequena e franzina sobreviveu. Desta feita, toda a cidade numa só voz amanheceu:

– A menina viveu! A menina viveu!

Agora era só festejar, como bem indagou médico: – Foi um milagre o que aconteceu!
Pois bem, de uma simples brincadeira de criança, a menina, de fato, quase morreu.
E pra encurtar a história, esta menina valente sou eu.

Leila Alves

 

 

 

 

 

 




Leila Alves: 'Ode às Ruas de Recife'

Leila Alves

Ode às Ruas de Recife

Ruas sombrias, estreitas,
largas
ou nuas, são
ruas.

Ruas por dentro das ruas,
dobrando esquinas,
saindo dos becos, dando
voltas, as ruas.

Ruas rudimentares, de
marquises e fachadas.
Ruas oníricas, solitárias
aglomeradas, vazias.

Ruas caducas, dos
sobrados, mosaicos e
fendas. Ruas Oblíquas,
enigmáticas, fecundas.

Ruas literárias, boêmias.
Ruas das luas, do antigo
Recife.

Ruas são odes que
minh’alma arredia
canta.

 

Leila Alves

leila.alvesmlc@gmail.com