Autores fantásticos, leituras exigentes

Elaine dos Santos:

Artigo ‘Autores fantásticos, leituras exigentes’

Elaine dos Santos
Elaine dos Santos
Grande sertão: veredas
Grande sertão: veredas
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Quando trabalhava com turmas de ensino médio – exonerei-me da escola pública em 2009 -, os meses de outubro e novembro eram destinados a abordar três ‘monstros sagrados’ da Literatura brasileira: João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa e Clarice Lispector.

Dispunha para tais atividades de 16 ou 18 horas-aulas, de modo que o tempo precisava ser ‘milimetricamente organizado para que houvesse uma abordagem racional das obras mais significativas ou em voga.

Principiava com um trecho do seriado Morte e vida severina, de João Cabral, para que houvesse a contextualização: o território da seca e a dificuldade de sobrevivência naquele ambiente.

Analisava trechos do poema. Eu estava diante de alunos entre 16, 17, no máximo, 18 anos e refletir sobre “É de bom tamanho./ Nem largo nem fundo./ É a parte que te cabe./ Deste latifúndio./ Não é cova grande./ E cova medida./ E a terra que querias”, no trecho que apresenta o funeral do lavrador, costumava ser um exercício dolorido sobre posse da terra em um estado da federação em que as campinas verdejantes dão exatamente a sensação de propriedade, liberdade, amplidão.

Alguns alunos – raros, é bem verdade – faziam uma analogia, neste caso, com os escravos de ‘O navio negreiro‘, poema de Castro Alves: a opressão, a miséria física, a desesperança, como se fosse uma linha de continuidade que nos acompanha no tempo, na História, na sociedade.

De Guimarães Rosa, os alunos tinham uma experiência prévia com Contos gauchescos, de Simões Lopes Neto. Refiro-me à linguagem regionalista que marca a produção dos dois autores – ainda que Simões Lopes Neto seja gaúcho, os jovens já não dominam o vocabulário do homem rural.

Não havia possibilidade de analisar Grande sertão: veredas, por isso, trabalhava, em geral, dois contos, buscando características, ambientação, vocabulário. Evidentemente, que referia as obras romanescas, um autor da magnitude de Guimarães Rosa é ‘marcado’ por seus textos mais famosos.

E, finalmente, havia Clarice Lispector e sua introspecção.

Ela nasceu Chaya Pinkhasivna Lispector em 10 de dezembro de 1920 na Ucrânia e morreu Clarice Lispector em 09 de dezembro de 1977.

Naquele início do século XXI, a leitura exigida pelas universidades da região era A hora da estrela, a história da Macabea e a sua epifania à beira da morte. Analisava a obra, mas antes contextualizava uma parte da biografia da autora.

Como esposa do diplomata Maury Gurgel Valente, ela foi cidadã do mundo, colhendo experiência em outras culturas. O filho Pedro nasceu em Berna, na Suíça; o filho Paulo veio ao mundo em Washington D.C., Estados Unidos. Pedro era esquizofrênico, o que lhe exigiu muita atenção.

Bem antes do nascimento dos filhos, lançou um dos livros que mais furor causou na Literatura brasileira pela temática, pela forma de escrita foi Perto do coração selvagem, em 1942.

A crítica teceu inúmeros elogios comparando-o a escritores como James Joyce, Marcel Proust e Virgínia Woolf, o que teria irritado a autora, que afirmaria à época não ter lido os supostos influenciadores de sua obra.

Macabea era o fechamento das aulas naqueles já quentes dias do mês de novembro. Muitos alunos comparavam-na a Fabiano do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos. Dois infelizes.

Sob certo aspecto, essas comparações faziam-me satisfeita, estavam sendo estabelecidas interrelações entre o conhecimento adquirido e o novo saber, as novas informações. Também era frequente que eles afirmassem que Clarice Lispector e Machado de Assis, particularmente em Dom Casmurro, ‘dessem um nó’ ao longo de seus romances, exigindo concentração.

Para um professor de ensino médio, eu costumava dizer: se o aluno leu a obra, compete-me fazê-lo entender. Se ele não entendeu, cabe-me fazê-lo interessar-se por ela. Cidadãos críticos são formados justamente pela capacidade de estabelecer relações entre o que é lido, o que verificam na realidade e pelo ‘nó’ que lhes confere a realidade em que vivem: a indagação.

Elaine dos Santos

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