Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Entre as Lendas, a Negação e a História'

Carlos Cavalheiro

Entre as Lendas, a Negação e a História

Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo (Walter Benjamin).

A História é permeada de contradições, de diferentes abordagens e versões, carregada de ideologia. Mas, não existe Povo sem História. O uso que se faz da interpretação das ações humanas ao longo do tempo, se é para questionar ou para justificar um estado de coisas, não anula a necessidade que os seres humanos têm em contar os seus feitos e suas tragédias, de preferência com alguma aura de verdade.

Aqui aparece outro problema: o que é a verdade? A lua tem uma face escura ou iluminada? Parece que a resposta depende de quem a está olhando e por qual ângulo exercita a sua visão. O mesmo se dá com os fatos históricos, apesar de termos a tendência a perscrutar as minúcias a fim de extrair delas o que de mais crítico nos possam revelar. A criticidade faz parte do trabalho do bom historiador. Por isso, nos alerta Walter Benjamin acerca da necessidade de se dar à tarefe de “escovar a história a contrapelo”, ou seja, encontrar as contradições e aquilo que – ainda – não está aparente.

A história chamada “oficial” muitas vezes se apropria de lendas e de informações pouco plausíveis para criar o seu próprio alicerce, sustentando-se, dessa maneira, em bases que, ainda que bem concatenadas e estruturadas, são frágeis à investigação rigorosa. No entanto, vivemos em tempos estranhos. O historiador, que de acordo com Eric Hobsbawn tem a função de “lembrar aquilo que os outros esquecem, ou querem esquecer”, hoje em dia se vê questionado em sua produção por quem não tem a mesma formação. Infelizmente, falar do passado converteu-se em chancela de “autenticidade” e de autoridade em História para qualquer um. Desse modo, aparecem os revisionistas e negacionistas, que apresentam suas “teses” sem que discuta ao menos as questões de heurísticas envolvidas nas supostas “pesquisas”.

Daí, surgirem afirmações como a de que a escravidão dos africanos foi mais benéfica do que maléfica, ou a de que se os europeus não tivessem tomado posse da América, já não teríamos mais uma árvore sequer em pé, dado o desmatamento promovido pelas inúmeras tribos aqui existentes!

Entre a História “oficial” – e com isso eu quero dizer acrítica – e essa nova onda de pseudo-história produzida por falastrões (que convencem, infelizmente, por seu discurso aparentemente descompromissado com qualquer ideologia, o que seria um absurdo), tem que se recuperar o trabalho de pesquisa sério e crítico que nos aponte uma saída no meio da profunda crise que vivemos. Crise essa que atinge vários âmbitos da vida humana, incluindo aí a produção intelectual. E nesse momento recorremos novamente a Benjamin: “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”.

E é essa a importância do trabalho de Ademir Barros dos Santos e Nuno Rebocho em “Entre Lendas, Mitos e Verdades”, que traz uma abordagem profunda sobre as consequências da fundação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão no Brasil e em Cabo Verde, mas também passeia por tantos outros assuntos, todos eles amarrados, de certa forma, à tragédia que foi a história da escravidão. Seja como consequência ou como efeito colateral, os assuntos abordados neste livro procuram esmiuçar algumas histórias relacionadas com a diáspora africana na busca de peneirar o que foi construído como informação inverídica e o que poderia estar por detrás dos mesmos dados.

É interessante, por exemplo, a articulação dos efeitos ocasionados tanto no Brasil quanto em Cabo Verde com a constituição da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Muitas vezes não percebemos – ou nos esquecemos disso – de que a escravidão estava ligada à lógica mercantilista e, portanto, ao Pacto Colonial, de maneira que qualquer acção ocorrida numa das pontas (seja na África, na América ou na Europa) reflectiria consequentemente nas outras. A criação de uma Companhia de Comércio, ainda que dentro do contexto de despotismo esclarecido de Pombal, não transcendia a lógica do mercantilismo e, portanto, servia para o reforço do monopólio ou exclusivismo comercial que garantia a riqueza da metrópole em detrimento da exploração da colônia.

Nesse sentido, se percebe que Cabo Verde, por exemplo, estava mais ligada ao Brasil do que se enxergou até então. Como salientam os autores, as ilhas de Cabo Verde ficaram praticamente vinte anos sob o controle da Companhia de Comércio, modificando toda a dinâmica econômica, política e social do lugar.

Em outra parte do livro, os autores continuam a trazer à lume as relações entre as colônias, no caso a articulação entre o Brasil, Argentina e Cabo Verde na consolidação do misticismo religioso desenvolvido em torno da devoção a Nossa Senhora de Luján e a beatificação de Negrito Manuel, zelador da imagem mariana. Ocorre que, como explicam os autores, a imagem de Nossa Senhora de Luján, que se tornou padroeira da Argentina, foi encomendada no Brasil (talvez, venha daí a semelhança com a imagem de Nossa Senhora Aparecida) e que teve por cuidador Manuel Costa de Los Rios, conhecido por Negrito Manuel, escravizado que esteve em Cabo Verde, Brasil e Argentina.

A par das estratégias utilizadas por Negrito Manuel, para permanecer como zelador da imagem e garantindo, assim, condição melhor dentro do sistema de escravidão, ressalte-se o longo caminho percorrido por esse personagem em sua diáspora. Esse aspecto evidencia mais uma das violências da escravidão: a ausência da liberdade de escolha.

O texto ainda desvenda a história pouco divulgada do império Mali e do imperador Sundiata Keita, o Leão do Mali. Aqui eu reservo o direito de discordar da abordagem dada ao mito como oposto a “verdade”, no momento em que os autores dizem “é preciso esmiuçar um tanto mais esta estória para tentar segregar, dela, o que é verdade e o que é mito”. Isso porque aprendi com Joseph Campbell que “mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos” e que “são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana”. Desse modo, entendo o mito como a linguagem metafórica de verdades indizíveis por outros meios. O mito é a poesia contando História.

Porém, de maneira alguma essa discordância macula a obra ou os achados dos autores. Passando pela história da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Cabo Verde e, depois, pela vida de Araminta Ross, o livro é coroado por um mosaico de peças que representam múltiplos aspectos decorrentes da diáspora africana.

Com isso, podemos perceber de maneira mais objetiva, o quanto a presença africana na América modificou os rumos e a História desse continente, mas, também influenciando Europa e África, uma vez que interligados estavam por um triângulo comercial, político e econômico.

O livro “Entre Lendas, Mitos e Verdades” de Ademir Barros dos Santos e Nuno Rebocho contribui sobremaneira para o entendimento dessas relações, auxiliando, também na compreensão da História lida a contrapelo. Nesses tempos em que vivemos, serve de importante contraponto ao negacionismo e ao revisionismo, o que, por isso, já cumpre um hercúleo trabalho.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

 

 

 

 

 




Artigo de Simone Valio: 'A lenda de Eva Leite'

Foto closeSimone Válio – Viva Eva! Eva Vive!

“É na carreira do a,

Ai lai, lai, lai

Vou falar pra quem me ouve

Que o folclore é coisa séria

Como no mundo não há…”

(Trecho de um Cururu paulista)

Já se tornou um clichê mais que surrado, mas o dito popular “Quem conta um ponto aumenta um ponto”, além de verdadeiro, é uma afirmação que expressa a essência do que muitos chamam de “folclore”, pois, embora muitas vezes seja “antiquado”, está permanentemente agregando elementos novos e mantendo-se, portanto, sempre vivo, mutante, moderno até. Aliás, o folclore é um fato, ou fenômeno, difícil de definir, como mostram as diversas, insuficientes e/ou polêmicas tentativas de conceituação que dele se fizeram.

Comemorado em agosto, mais especificamente no dia 22 − data em que foi publicada (mas há duzentos anos!) a carta na qual o britânico William John Thoms criou a palavra “folclore” (“folklore”: fusão das palavras inglesas “folk”, povo, e “lore”, sabedoria”), como nos informa Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti[ii] −, o “fato folclórico” recebeu, e recebe até hoje, as mais diversas definições. Na opinião de alguns, por exemplo, é tudo o que o homem do povo realiza e reproduz como tradição. Na de outros, engloba apenas uma pequena porção das tradições populares. Há também quem acredite que o âmbito do “folclore” é tão vasto quanto o da cultura. E ainda existem aqueles para quem, por essa mesma razão, o “folclore” não existe, sendo melhor denominar “cultura” ou “cultura popular” o que tantos chamam de “folclore”.

Como se não bastasse, para algumas pessoas essas palavras têm o mesmo significado e podem “conviver” com harmonia em um mesmo parágrafo… O nosso mais célebre folclorista, Luís da Câmara Cascudo, sabiamente preferiu fundir os conceitos de folclore e cultura popular. Para ele, folclore é “a cultura do popular tornada normativa pela tradição”. Por sua vez, um documento importante, a Carta de Folclore Brasileiro, de 1951, fruto do I Congresso Brasileiro do Folclore, estabeleceu claramente o que seria o fenômeno de que estamos falando: “Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica”.

O curioso é que aqueles que produzem o que tantos chamam (ou não) de “folclore” ou “cultura popular” pouco usam a primeira palavra e mal conhecem a última expressão. Quando muito, preferem adaptar a seu uso o vocábulo “folclore”, visto quase como um elemento alienígena, conforme observou o estudioso do assunto Carlos Rodrigues Brandão[iii], cujo livro nos forneceu os principais elementos para esta breve apresentação acerca do fenômeno a que chamam “folclore”. Quanto a nós, preferimos o pensamento de Maria de Loudes Borges Ribeiro, que diz: “O povo, aceitando o fato, toma-o para si, considerando-o como seu, e o modifica e o transforma, dando origem a inúmeras variantes. Assim, uma estória é contada de várias maneiras, uma cantiga tem trechos diferentes na melodia, os acontecimentos são alterados e o próprio povo diz: ‘quem conta um conto, acrescenta um ponto’.”

Nossa intenção, neste breve texto, no entanto, não é dizer “o que é folclore”, mas acrescentar mais um “ponto” à “lenda” de Eva Leite (ou seja, preservar a essência do que se denomina “folclore”). Essa lenda, como tantas outras histórias ditas “folclóricas”, vem sendo passada de geração a geração por itapetininganos, alambarinhenses e habitantes vizinhos. Alguns “pontos” foram somados à legendária história por João Batista da Costa a Maria Nunes da Costa Menk e Luciane Camargo, autoras do livro Lendas de Itapetininga e Região: revivendo a riqueza da literatura oral do interior paulista.[iv]

Incluída no mencionado livro como uma lenda de Alambari (antigo distrito de Itapetininga), a história de Eva Leite, tal como é contada por Seu João Batista, provavelmente deve ter inúmeras versões, como todo fato folclórico − embora a personagem principal tenha realmente existido, conforme revela ninguém menos que… minha mãe, Dona Aparecida Silva Válio.

Assim principia Dona Cida, como é conhecida a angatubense que morou em Itapetininga desde meados da década de 1940 até 1991: “Eva Leite era muito uma moça muito bonita e serviçal, que gostava de ajudar sempre que podia, ajudando a cuidar de pessoas doentes ou rezando uma novena pelas falecidas”. Dona Cida conta que deveria ter uns quatro anos quando conheceu Eva, que nessa época morava em Angatuba e ia com certa frequência ao bar onde trabalhava minha saudosa avozinha, muito ocupada com a feitura de doces para venda…

Segundo Mamãe, Eva Leite tinha pele clara e cabelos negros (muito semelhante à ilustração que dela fez Magno de Almeida Cunha para o livro de Maria Nunes Menk e Luciane Camargo!). Possuía, além disso, um corpo muito bem feito, que o costume de usar roupas justas e de cor preta salientava.

Diz Dona Cida que as roupas de Eva pareciam mais antigas do que as trajadas na época (início dos anos 1940) e que a moça usava, no dedo do meio, um anel com uma enorme pedra transparente, aparentemente um cristal, que muito atraía o olhar da balbuciante mas atenta criança que era, então, Mamãe… Quantos “pontos”, portanto, acrescenta Dona Cida ao depoimento já rico de Seu João Batista! Este descreve Eva como uma moça “meiga” e de “beleza celestial”; Mamãe relata que, apesar de já ser naturalmente bonita, Eva era muito vaidosa e gostava de usar saltos altos (os quais acentuavam sua estatura já elevada), de passar batom vermelho nos lábios e de usar uma espécie de “rolo” de cabelos naturais ou artificiais, como uma tiara, sobre os cabelos pretos, levemente encaracolados e de comprimento médio.

As peculiaridades da moça que virou lenda não paravam aí, de acordo com o relato de Dona Cida. Eva gostava de celebrar seu aniversário e fazia questão de levar aos que não haviam comparecido à festa, uma bandeja com copinhos cheios de licor de folhas de figo (o qual, diga-se de passagem, Mamãe, embora criança, experimentou, aprovou e aprendeu a fazer tempos depois!).

Ainda moradora de Angatuba, Eva também tinha o costume de vestir-se, nas palavras de Dona Cida, de “bandeira do Brasil”, para participar das romarias que se dirigiam a Aparecida do Norte (SP), cidade onde hoje se localiza a basílica da santa de que era devota. Usava sobre a saia babados verdes, amarelos, azuis e brancos, feitos de papel crepom, que um dia se molharam devido a uma chuva e mancharam o restante da roupa da moça, assim como suas pernas e sapatos…

Eva acabou mudando-se de Angatuba e, depois disso, as informações que Mamãe teve da jovem chegaram-lhe por meio de outras pessoas. Mas, antes disso, revela Dona Cida que Eva namorou um médico chamado Ulisses – o único homem, portanto, a ocupar parte do coração que em Alambari a moça entregou totalmente ao moço com quem havia “de viver de um amor intenso”, conforme o relato de Seu João Batista.

O nome do felizardo que veio a conquistar o coração da curiosamente bela moça não chegou ao conhecimento de Dona Cida, o que é explicável, pois Eva havia se mudado para Alambari, e o contato tornara-se mais difícil. No entanto, disse minha avó a minha mãe que se tratava de um moço muito bonito… Seu João Batista fornece esse “ponto” importante: Eva “conheceu um jovem chamado Domingos Quendera, por quem se apaixonou”. Aqui lanço eu meu “ponto” devaneante: quão profético era o sobrenome do amor da vida de Eva: Quendera, “Quem dera”!… De fato, relata Seu João Batista:

“[…] O amor dos dois era de dar inveja a qualquer um.

Depois de alguns meses de namoro, ficaram noivos e logo marcaram a data do casamento. Ambas as famílias, tanto do lado da moça como do lado do moço, estavam empenhadas nos preparativos para a linda festa do enlace matrimonial do jovem casal.

A noiva estava radiante, mas a pobrezinha não imaginava o que iria acontecer no seu futuro…

Chegou o dia que ficou marcado na vida de Eva. Dia infeliz que o destino havia reservado para aquela noiva, uma desagradável surpresa. Estava chegando a data do casamento, era a véspera do grande dia, e logo veio a súbita notícia da morte de Domingos, o noivo, separando os dois apaixonados para sempre.”

Dona Cida conta que, segundo lhe chegou aos ouvidos, o namorado de Eva Leite adoeceu gravemente, ficou acamado durante muito tempo, até que… até que… certo dia um padre realizou o casamento de Eva e seu amado no leito de morte deste último. Eva estaria vestida de noiva, não se sabe se com o traje nupcial que usaria quando o moço se restabelecesse ou se com um vestido “provisório”, apropriado apenas para aquele enlace terreno transitório…

Mamãe e Seu João Batista são unânimes ao contar que Eva ficou arrasada com a morte de seu noivo e foi à casa dele buscar os pertences do moço. Seu João afirma que a viúva os pendurou na sala de sua casa, mas minha mãe conta que Eva os guardou, junto com um vestido de noiva, num baú ou numa mala. E que, daí em diante, a moça nunca mais se interessou por ninguém. Eva, apesar de precocemente viúva, fazia questão de dizer a todos que havia se casado com o noivo em seu leito de morte e que, portanto, era uma mulher casada… Seu João Batista tem sua versão desse fato:

“No sofrimento de seu coração, Eva chorou muito, durante muito tempo. A tragédia lhe causou uma profunda desilusão. Triste e desolada, Eva foi à casa do falecido, juntou seus pertences, levou para sua casa e deixou-os pendurados na sala.

O comportamento de Eva mudou muito depois da perda de seu amado. Quando alguém chegava à sua casa e perguntava:

− A senhora é casada?

Ela respondia:

− Sou.

E a pessoa acrescentava:

− E cadê seu marido?

Eva dizia:

− Está trabalhando.

Às vezes ela falava:

− Está viajando.”

Em seguida à reprodução desse diálogo, Seu João Batista relata que Eva ia todo ano a Iguape (SP), com os romeiros de Alambari. “O que os romeiros estranhavam”, acrescenta ele, “é que ela ia vestida de noiva, na cabina do caminhão que levava os religiosos”. Ele não menciona a informação, mas, pela progressão de seu relato, dá a entender que o curioso comportamento da jovem viúva começou a partir da morte de Domingos Quendera. Mamãe diz desconhecer o fato, mas acredita que bem pode ter sido verdadeiro; afinal, vestir-se com as cores da Bandeira Nacional, como dantes, deve ter passado a não mais refletir o estado de espírito daquela antiga e desditosa conhecida da família, que emagrecera, empalidecera e passara a usar óculos de aros escuros… Dona Cida afirma que realmente Eva sonhava casar-se vestida de branco, conforme a tradição, a qual exigia também, dada a moral rígida da época, que as noivas fossem virgens. A virgindade de Eva, a propósito, é um ponto comum a todas as versões da história infeliz da moça. Diz Mamãe que todos achavam que Eva era uma viúva “intocada” e que parecia ansiar pela noite de núpcias, a qual consumaria o amor e a felicidade do casal de noivos… A história de Eva contada por Seu João Batista, de acordo com as palavras com que foi registrada no livro de Menk e Camargo – sob o título de “A Viúva Virgem” −, além de proporcionar um detalhe desconhecido por minha mãe, parece confirmar o anseio de Eva:

“Outro momento estranho na vida de Eva acontecia todo ano na véspera do dia de finados. Ela pernoitava no cemitério junto ao túmulo do noivo e sempre com algum item que usaria no dia do seu casamento, como o vestido de noiva.”

A respeito da mudança de comportamento da “viúva virgem”, Mamãe afirma que pouco lhe chegou a seu conhecimento (tirante o uso dos óculos, a palidez e o emagrecimento da moça). Dona Cida já se mudara para Itapetininga e soube por outras pessoas da morte de Eva, a qual, segundo Seu João Batista, se deu muitos anos após a morte de Domingos Quendera. Assim reza a lenda, conforme a variante de Seu João:

“Eva viveu por muitos anos, mas nunca mais teve nenhum outro namorado. Vivia em sua humilde casa, que passou a ser chamada pelo povo do lugar de ‘Rancho do Sossego e Paz’. Ali ela rezava muito. Só saía de casa para fins religiosos e, quando morria alguém, ela ia à casa do falecido e rezava uma novena.

Passaram-se anos e Eva veio a falecer. Foi sepultada junto ao túmulo do noivo, sobre o qual construíram uma capelinha. Sobre o túmulo colocaram alguns pertences de Eva, sendo o principal seu lindo vestido de noiva.”

Dona Cida diz que, realmente, Eva foi enterrada junto a seu noivo e que na capelinha erguida sobre seu túmulo está exposto um vestido de noiva, o qual, entretanto, pode tanto ser o que a moça usou em seu casamento ao pé do leito de morte do amado, quanto um outro (a ser usado na eternidade, em seu encontro com o finado noivo?). Seja como for, de acordo com Mamãe, as pessoas diziam que Eva sempre expressava a vontade de ser sepultada vestida de noiva, para finalmente rever seu amado da maneira que ela queria, e que esse desejo lhe foi concedido.

Como inúmeras lendas folclóricas, o desfecho da história contada por Seu João Batista tem um toque fantástico, assustador mesmo, pelo menos para as pessoas que temem o “sobrenatural”. Arremata ele:

“Muitos moradores afirmam ver uma noiva perambulando pelo cemitério à noite. Contam ainda que Eva tornou-se um mito no município de Alambari, tanto é que seu túmulo é o mais visitado pela população daquele lugarejo.”

O pormenor fantasmagórico da lenda de Eva Leite também é mencionado por Dona Cida, embora ela não acrescente mais “pontos” a esse costumeiro desfecho das lendas de nosso folclore. Embora seja uma exímia contadora de “história de fantasmas”, Mamãe parece se lembrar de Eva mais como uma pessoa “festeira”, prestativa, bela e alegre – viva, como o folclore que a cerca…

***

Imaginamos que a lenda contada nas linhas anteriores deva ter intrigado e fascinado seus leitores. Mas não só isso. Quem leu a história de Eva Leite pode estar perguntando-se, conforme indagou o próprio estudioso de folclore Carlos Brandão já no início de seu livro sobre o assunto: “Por que as pessoas contam e recontam as histórias das avós e entre si” as repetem? A nosso ver, o comentário feito por um búlgaro que assistia a uma festa folclórica em Goiás, na qual Brandão e seu interlocutor estrangeiro estavam presentes, responde com surpreendente exatidão a essa pergunta: “As pessoas parece que estão se divertindo […] mas elas fazem isso para não esquecer quem são”. A precisão da resposta avulta ainda mais nestes tempos de memórias substituídas pelo Google; de despersonalização; de identidades substituídas por perfis em redes sociais; de fascínio pelas inovações tecnológicas e de desprezo pelas “coisas antigas” − evidente na demolição dos belos casarões antigos de Itapetininga e prédios históricos de outras cidades deste enorme Brasil, entre outras atitudes desconsoladoras. Por outro lado, a agudeza da resposta destaca-se também por aludir aos esforços dos poucos mas persistentes apreciadores da cultura passada ou atual, popular ou de elite; sejam eles eruditos ou não – como as autoras e o ilustrador do livro sobre o folclore de Itapetininga e região; os membros do IHGGI (Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga), do (MIS-I) Museu da Imagem e do Som de Itapetininga e de outros órgãos dedicados à preservação da história e da cultura locais e nacional. Todos esses bravos “nadadores” que bracejam contra a corrente da massificação e do esquecimento desempenham o que pode ser considerado o principal propósito do folclore: resistir ao esquecimento e à expropriação dos valores culturais pelos mais diversos poderes adversários do conhecimento e do povo; não permitir que esqueçamos quem somos, nem que para isso seja preciso incorporar ao chamado folclore elementos modernos e suprimir alguns dos antigos, mas de forma a manter-se sempre mutável ou, em uma palavra, VIVO!

Simone Válio

Itapetingana ‘da gema’, Simne Válio atualmente está morando na cidade de Assis/SP, mas numa esqueceu de sua terra natal (Helio Rubens, editor)

[i] Membro correspondente do IHGGI (Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga) em Assis (SP); mestre e doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

[ii] CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Entendendo o folclore e a cultura popular. Governo Federal; Ministério da Cultura; IPHAN: Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. O portal afirma que seu objetivo é constituir-se em um espaço de comunicação, dinâmico e atualizado, prestando serviços para todos os interessados no campo do folclore e da cultura popular brasileira  Disponível em: <http://www.cnfcp.gov.br/pdf/entendendo_o_folclore_e_a_cultura_popular.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2016.

[iii] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Princípios, 60). Os itálicos que aparecem nos trechos citados são nossos.

[iv] MENK, Maria Nunes da Costa; CAMARGO, Luciane. Lendas de Itapetininga e Região: revivendo a riqueza da literatura oral do interior paulista. Ilustração Magno Almeida Cunha. Itapetininga, SP: Gráfica Regional, 2014.Foto close




Artigo de Simone Valio: 'A lenda de Eva Leite' (uma homenagem ao mês do Folclore)

Foto closeSimone Válio – Viva Eva! Eva Vive!

 

“É na carreira do a,

Ai lai, lai, lai

Vou falar pra quem me ouve

Que o folclore é coisa séria

Como no mundo não há…”

(Trecho de um Cururu paulista)

 

Já se tornou um clichê mais que surrado, mas o dito popular “Quem conta um ponto aumenta um ponto”, além de verdadeiro, é uma afirmação que expressa a essência do que muitos chamam de “folclore”, pois, embora muitas vezes seja “antiquado”, está permanentemente agregando elementos novos e mantendo-se, portanto, sempre vivo, mutante, moderno até. Aliás, o folclore é um fato, ou fenômeno, difícil de definir, como mostram as diversas, insuficientes e/ou polêmicas tentativas de conceituação que dele se fizeram.

Comemorado em agosto, mais especificamente no dia 22 − data em que foi publicada (mas há duzentos anos!) a carta na qual o britânico William John Thoms criou a palavra “folclore” (“folklore”: fusão das palavras inglesas “folk”, povo, e “lore”, sabedoria”), como nos informa Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti[ii] −, o “fato folclórico” recebeu, e recebe até hoje, as mais diversas definições. Na opinião de alguns, por exemplo, é tudo o que o homem do povo realiza e reproduz como tradição. Na de outros, engloba apenas uma pequena porção das tradições populares. Há também quem acredite que o âmbito do “folclore” é tão vasto quanto o da cultura. E ainda existem aqueles para quem, por essa mesma razão, o “folclore” não existe, sendo melhor denominar “cultura” ou “cultura popular” o que tantos chamam de “folclore”.

Como se não bastasse, para algumas pessoas essas palavras têm o mesmo significado e podem “conviver” com harmonia em um mesmo parágrafo… O nosso mais célebre folclorista, Luís da Câmara Cascudo, sabiamente preferiu fundir os conceitos de folclore e cultura popular. Para ele, folclore é “a cultura do popular tornada normativa pela tradição”. Por sua vez, um documento importante, a Carta de Folclore Brasileiro, de 1951, fruto do I Congresso Brasileiro do Folclore, estabeleceu claramente o que seria o fenômeno de que estamos falando: “Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica”.

O curioso é que aqueles que produzem o que tantos chamam (ou não) de “folclore” ou “cultura popular” pouco usam a primeira palavra e mal conhecem a última expressão. Quando muito, preferem adaptar a seu uso o vocábulo “folclore”, visto quase como um elemento alienígena, conforme observou o estudioso do assunto Carlos Rodrigues Brandão[iii], cujo livro nos forneceu os principais elementos para esta breve apresentação acerca do fenômeno a que chamam “folclore”. Quanto a nós, preferimos o pensamento de Maria de Loudes Borges Ribeiro, que diz: “O povo, aceitando o fato, toma-o para si, considerando-o como seu, e o modifica e o transforma, dando origem a inúmeras variantes. Assim, uma estória é contada de várias maneiras, uma cantiga tem trechos diferentes na melodia, os acontecimentos são alterados e o próprio povo diz: ‘quem conta um conto, acrescenta um ponto’.”

Nossa intenção, neste breve texto, no entanto, não é dizer “o que é folclore”, mas acrescentar mais um “ponto” à “lenda” de Eva Leite (ou seja, preservar a essência do que se denomina “folclore”). Essa lenda, como tantas outras histórias ditas “folclóricas”, vem sendo passada de geração a geração por itapetininganos, alambarinhenses e habitantes vizinhos. Alguns “pontos” foram somados à legendária história por João Batista da Costa a Maria Nunes da Costa Menk e Luciane Camargo, autoras do livro Lendas de Itapetininga e Região: revivendo a riqueza da literatura oral do interior paulista.[iv]

Incluída no mencionado livro como uma lenda de Alambari (antigo distrito de Itapetininga), a história de Eva Leite, tal como é contada por Seu João Batista, provavelmente deve ter inúmeras versões, como todo fato folclórico − embora a personagem principal tenha realmente existido, conforme revela ninguém menos que… minha mãe, Dona Aparecida Silva Válio.

Assim principia Dona Cida, como é conhecida a angatubense que morou em Itapetininga desde meados da década de 1940 até 1991: “Eva Leite era muito uma moça muito bonita e serviçal, que gostava de ajudar sempre que podia, ajudando a cuidar de pessoas doentes ou rezando uma novena pelas falecidas”. Dona Cida conta que deveria ter uns quatro anos quando conheceu Eva, que nessa época morava em Angatuba e ia com certa frequência ao bar onde trabalhava minha saudosa avozinha, muito ocupada com a feitura de doces para venda…

Segundo Mamãe, Eva Leite tinha pele clara e cabelos negros (muito semelhante à ilustração que dela fez Magno de Almeida Cunha para o livro de Maria Nunes Menk e Luciane Camargo!). Possuía, além disso, um corpo muito bem feito, que o costume de usar roupas justas e de cor preta salientava.

Diz Dona Cida que as roupas de Eva pareciam mais antigas do que as trajadas na época (início dos anos 1940) e que a moça usava, no dedo do meio, um anel com uma enorme pedra transparente, aparentemente um cristal, que muito atraía o olhar da balbuciante mas atenta criança que era, então, Mamãe… Quantos “pontos”, portanto, acrescenta Dona Cida ao depoimento já rico de Seu João Batista! Este descreve Eva como uma moça “meiga” e de “beleza celestial”; Mamãe relata que, apesar de já ser naturalmente bonita, Eva era muito vaidosa e gostava de usar saltos altos (os quais acentuavam sua estatura já elevada), de passar batom vermelho nos lábios e de usar uma espécie de “rolo” de cabelos naturais ou artificiais, como uma tiara, sobre os cabelos pretos, levemente encaracolados e de comprimento médio.

As peculiaridades da moça que virou lenda não paravam aí, de acordo com o relato de Dona Cida. Eva gostava de celebrar seu aniversário e fazia questão de levar aos que não haviam comparecido à festa, uma bandeja com copinhos cheios de licor de folhas de figo (o qual, diga-se de passagem, Mamãe, embora criança, experimentou, aprovou e aprendeu a fazer tempos depois!).

Ainda moradora de Angatuba, Eva também tinha o costume de vestir-se, nas palavras de Dona Cida, de “bandeira do Brasil”, para participar das romarias que se dirigiam a Aparecida do Norte (SP), cidade onde hoje se localiza a basílica da santa de que era devota. Usava sobre a saia babados verdes, amarelos, azuis e brancos, feitos de papel crepom, que um dia se molharam devido a uma chuva e mancharam o restante da roupa da moça, assim como suas pernas e sapatos…

Eva acabou mudando-se de Angatuba e, depois disso, as informações que Mamãe teve da jovem chegaram-lhe por meio de outras pessoas. Mas, antes disso, revela Dona Cida que Eva namorou um médico chamado Ulisses – o único homem, portanto, a ocupar parte do coração que em Alambari a moça entregou totalmente ao moço com quem havia “de viver de um amor intenso”, conforme o relato de Seu João Batista.

O nome do felizardo que veio a conquistar o coração da curiosamente bela moça não chegou ao conhecimento de Dona Cida, o que é explicável, pois Eva havia se mudado para Alambari, e o contato tornara-se mais difícil. No entanto, disse minha avó a minha mãe que se tratava de um moço muito bonito… Seu João Batista fornece esse “ponto” importante: Eva “conheceu um jovem chamado Domingos Quendera, por quem se apaixonou”. Aqui lanço eu meu “ponto” devaneante: quão profético era o sobrenome do amor da vida de Eva: Quendera, “Quem dera”!… De fato, relata Seu João Batista:

“[…] O amor dos dois era de dar inveja a qualquer um.

Depois de alguns meses de namoro, ficaram noivos e logo marcaram a data do casamento. Ambas as famílias, tanto do lado da moça como do lado do moço, estavam empenhadas nos preparativos para a linda festa do enlace matrimonial do jovem casal.

A noiva estava radiante, mas a pobrezinha não imaginava o que iria acontecer no seu futuro…

Chegou o dia que ficou marcado na vida de Eva. Dia infeliz que o destino havia reservado para aquela noiva, uma desagradável surpresa. Estava chegando a data do casamento, era a véspera do grande dia, e logo veio a súbita notícia da morte de Domingos, o noivo, separando os dois apaixonados para sempre.”

Dona Cida conta que, segundo lhe chegou aos ouvidos, o namorado de Eva Leite adoeceu gravemente, ficou acamado durante muito tempo, até que… até que… certo dia um padre realizou o casamento de Eva e seu amado no leito de morte deste último. Eva estaria vestida de noiva, não se sabe se com o traje nupcial que usaria quando o moço se restabelecesse ou se com um vestido “provisório”, apropriado apenas para aquele enlace terreno transitório…

Mamãe e Seu João Batista são unânimes ao contar que Eva ficou arrasada com a morte de seu noivo e foi à casa dele buscar os pertences do moço. Seu João afirma que a viúva os pendurou na sala de sua casa, mas minha mãe conta que Eva os guardou, junto com um vestido de noiva, num baú ou numa mala. E que, daí em diante, a moça nunca mais se interessou por ninguém. Eva, apesar de precocemente viúva, fazia questão de dizer a todos que havia se casado com o noivo em seu leito de morte e que, portanto, era uma mulher casada… Seu João Batista tem sua versão desse fato:

“No sofrimento de seu coração, Eva chorou muito, durante muito tempo. A tragédia lhe causou uma profunda desilusão. Triste e desolada, Eva foi à casa do falecido, juntou seus pertences, levou para sua casa e deixou-os pendurados na sala.

O comportamento de Eva mudou muito depois da perda de seu amado. Quando alguém chegava à sua casa e perguntava:

− A senhora é casada?

Ela respondia:

− Sou.

E a pessoa acrescentava:

− E cadê seu marido?

Eva dizia:

− Está trabalhando.

Às vezes ela falava:

− Está viajando.”

Em seguida à reprodução desse diálogo, Seu João Batista relata que Eva ia todo ano a Iguape (SP), com os romeiros de Alambari. “O que os romeiros estranhavam”, acrescenta ele, “é que ela ia vestida de noiva, na cabina do caminhão que levava os religiosos”. Ele não menciona a informação, mas, pela progressão de seu relato, dá a entender que o curioso comportamento da jovem viúva começou a partir da morte de Domingos Quendera. Mamãe diz desconhecer o fato, mas acredita que bem pode ter sido verdadeiro; afinal, vestir-se com as cores da Bandeira Nacional, como dantes, deve ter passado a não mais refletir o estado de espírito daquela antiga e desditosa conhecida da família, que emagrecera, empalidecera e passara a usar óculos de aros escuros… Dona Cida afirma que realmente Eva sonhava casar-se vestida de branco, conforme a tradição, a qual exigia também, dada a moral rígida da época, que as noivas fossem virgens. A virgindade de Eva, a propósito, é um ponto comum a todas as versões da história infeliz da moça. Diz Mamãe que todos achavam que Eva era uma viúva “intocada” e que parecia ansiar pela noite de núpcias, a qual consumaria o amor e a felicidade do casal de noivos… A história de Eva contada por Seu João Batista, de acordo com as palavras com que foi registrada no livro de Menk e Camargo – sob o título de “A Viúva Virgem” −, além de proporcionar um detalhe desconhecido por minha mãe, parece confirmar o anseio de Eva:

“Outro momento estranho na vida de Eva acontecia todo ano na véspera do dia de finados. Ela pernoitava no cemitério junto ao túmulo do noivo e sempre com algum item que usaria no dia do seu casamento, como o vestido de noiva.”

A respeito da mudança de comportamento da “viúva virgem”, Mamãe afirma que pouco lhe chegou a seu conhecimento (tirante o uso dos óculos, a palidez e o emagrecimento da moça). Dona Cida já se mudara para Itapetininga e soube por outras pessoas da morte de Eva, a qual, segundo Seu João Batista, se deu muitos anos após a morte de Domingos Quendera. Assim reza a lenda, conforme a variante de Seu João:

“Eva viveu por muitos anos, mas nunca mais teve nenhum outro namorado. Vivia em sua humilde casa, que passou a ser chamada pelo povo do lugar de ‘Rancho do Sossego e Paz’. Ali ela rezava muito. Só saía de casa para fins religiosos e, quando morria alguém, ela ia à casa do falecido e rezava uma novena.

Passaram-se anos e Eva veio a falecer. Foi sepultada junto ao túmulo do noivo, sobre o qual construíram uma capelinha. Sobre o túmulo colocaram alguns pertences de Eva, sendo o principal seu lindo vestido de noiva.”

Dona Cida diz que, realmente, Eva foi enterrada junto a seu noivo e que na capelinha erguida sobre seu túmulo está exposto um vestido de noiva, o qual, entretanto, pode tanto ser o que a moça usou em seu casamento ao pé do leito de morte do amado, quanto um outro (a ser usado na eternidade, em seu encontro com o finado noivo?). Seja como for, de acordo com Mamãe, as pessoas diziam que Eva sempre expressava a vontade de ser sepultada vestida de noiva, para finalmente rever seu amado da maneira que ela queria, e que esse desejo lhe foi concedido.

Como inúmeras lendas folclóricas, o desfecho da história contada por Seu João Batista tem um toque fantástico, assustador mesmo, pelo menos para as pessoas que temem o “sobrenatural”. Arremata ele:

“Muitos moradores afirmam ver uma noiva perambulando pelo cemitério à noite. Contam ainda que Eva tornou-se um mito no município de Alambari, tanto é que seu túmulo é o mais visitado pela população daquele lugarejo.”

O pormenor fantasmagórico da lenda de Eva Leite também é mencionado por Dona Cida, embora ela não acrescente mais “pontos” a esse costumeiro desfecho das lendas de nosso folclore. Embora seja uma exímia contadora de “história de fantasmas”, Mamãe parece se lembrar de Eva mais como uma pessoa “festeira”, prestativa, bela e alegre – viva, como o folclore que a cerca…

 

***

Imaginamos que a lenda contada nas linhas anteriores deva ter intrigado e fascinado seus leitores. Mas não só isso. Quem leu a história de Eva Leite pode estar perguntando-se, conforme indagou o próprio estudioso de folclore Carlos Brandão já no início de seu livro sobre o assunto: “Por que as pessoas contam e recontam as histórias das avós e entre si” as repetem? A nosso ver, o comentário feito por um búlgaro que assistia a uma festa folclórica em Goiás, na qual Brandão e seu interlocutor estrangeiro estavam presentes, responde com surpreendente exatidão a essa pergunta: “As pessoas parece que estão se divertindo […] mas elas fazem isso para não esquecer quem são”. A precisão da resposta avulta ainda mais nestes tempos de memórias substituídas pelo Google; de despersonalização; de identidades substituídas por perfis em redes sociais; de fascínio pelas inovações tecnológicas e de desprezo pelas “coisas antigas” − evidente na demolição dos belos casarões antigos de Itapetininga e prédios históricos de outras cidades deste enorme Brasil, entre outras atitudes desconsoladoras. Por outro lado, a agudeza da resposta destaca-se também por aludir aos esforços dos poucos mas persistentes apreciadores da cultura passada ou atual, popular ou de elite; sejam eles eruditos ou não – como as autoras e o ilustrador do livro sobre o folclore de Itapetininga e região; os membros do IHGGI (Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga), do (MIS-I) Museu da Imagem e do Som de Itapetininga e de outros órgãos dedicados à preservação da história e da cultura locais e nacional. Todos esses bravos “nadadores” que bracejam contra a corrente da massificação e do esquecimento desempenham o que pode ser considerado o principal propósito do folclore: resistir ao esquecimento e à expropriação dos valores culturais pelos mais diversos poderes adversários do conhecimento e do povo; não permitir que esqueçamos quem somos, nem que para isso seja preciso incorporar ao chamado folclore elementos modernos e suprimir alguns dos antigos, mas de forma a manter-se sempre mutável ou, em uma palavra, VIVO!

 

Simone Válio

Itapetingana ‘da gema’, Simne Válio atualmente está morando na cidade de Assis/SP, mas numa esqueceu de sua terra natal (Helio Rubens, editor)

[i] Membro correspondente do IHGGI (Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga) em Assis (SP); mestre e doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

[ii] CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Entendendo o folclore e a cultura popular. Governo Federal; Ministério da Cultura; IPHAN: Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. O portal afirma que seu objetivo é constituir-se em um espaço de comunicação, dinâmico e atualizado, prestando serviços para todos os interessados no campo do folclore e da cultura popular brasileira  Disponível em: <http://www.cnfcp.gov.br/pdf/entendendo_o_folclore_e_a_cultura_popular.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2016.

[iii] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Princípios, 60). Os itálicos que aparecem nos trechos citados são nossos.

[iv] MENK, Maria Nunes da Costa; CAMARGO, Luciane. Lendas de Itapetininga e Região: revivendo a riqueza da literatura oral do interior paulista. Ilustração Magno Almeida Cunha. Itapetininga, SP: Gráfica Regional, 2014.




Dia do Folclore comemorado em Itapetininga

Neste dia 23 a prefeitura de Itapetininga comemorou no Centro Cultural o Dia do Folclore, com brincadeiras e prêmio às melhores fantasia das crianças

LendasO Largo dos Amores foi  palco de ‘contação’ de histórias, brincadeiras com personagens folclóricos, premiação para melhor fantasia do folclore e muito mais.

Houve o lançamento da segunda edição do livro ‘Lendas de Itapetininga e Região’, com exposição de personagens, artigos folclóricos e autógrafos das autoras.

As autoras Luciane Camargo e Maria Nunes da Costa Menk (foto)organizaram a ‘Terça Cultural do Folclore de Itapetininga’, juntamente com a Secretaria de Cultura e Turismo de Itapetininga. Crianças vestidas com roupas dos personagens do livro se apresentaram em bonito evento cultural.

 

Sobre as autoras:

Maria Nunes da Costa Menk

Maria Nunes da Costa Menk nasceu em Tatuí, Estado de São Paulo, em 1949. Cresceu na cidade vizinha de Itapetininga, onde vive até hoje. Licenciada em Português, Inglês, Pedagogia e Supervisão Escolar pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itapetininga, estreou na literatura com a publicação do livro Lendas de Itapetininga (2002). Alguns anos depois, escreveu o livro Eleição, Momento Sublime da Democracia (2004) e Lendas de Itapetininga e Região (2014), em parceria com Luciane Camargo, dando continuidade ao trabalho literário cultural que começou ainda como professora. Atuou durante vinte e cinco anos na Rede Municipal de Itapetininga e seis anos na Rede Estadual. Filha de Benedito Nunes da Costa, ex-combatente, e de Odila de Oliveira Costa.

Luciane Camargo

Luciane Camargo nasceu em Itapetininga, Estado de São Paulo, em 1985. Cresceu na mesma cidade e se mudou para São Paulo quando ingressou na Faculdade de Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu o curso de Tradução e Interpretação pela Associação Alumni e pós-graduação em Interpretação de Conferência pela Universidade Gama Filho (UGF), atual Estácio. Morou nos Estados Unidos de 2006 a 2007, onde teve a oportunidade de estudar na Universidade de Harvard, e, durante alguns meses, morou na Itália no ano de 2011. Em 2014, de volta à Itapetininga, lançou o livro Lendas de Itapetininga e Região em parceria com Maria Nunes da Costa Menk. Além de trabalhar ativamente como tradutora, está engajada em projetos culturais da cidade que envolvem o Folclore.

Saiba mais sobre o Projeto Lendas de Itapetininga e Região

Dando seguimento ao trabalho desenvolvido em parceria no livro Lendas de Itapetininga e Região (2014), Maria Nunes da Costa Menk e Luciane Camargo se uniram mais uma vez para publicar novamente o livro Lendas de Itapetininga, inicialmente escrito em 2002 e agora reescrito pelas duas autoras e com novas ilustrações desenvolvidas por Magno Almeida Cunha. O livro traz 38 lendas e contos de Itapetininga ilustrados para colorir e despertar ainda mais o interesse em crianças e adultos.




Itapetininga terá evento em homenagem ao Folclore

Folclore e Literatura

Reescrita e novas ilustrações dão novos ares a livro de 2002

Para comemorar o Dia do Folclore as autoras Maria Nunes da Costa Menk e Luciane Camargo estão organizando a ‘Terça Cultural’ do Folclore de Itapetininga, juntamente com a Secretaria de Cultura e Turismo de Itapetininga. Durante o dia as autoras estão contando lendas e conversando com os alunos que farão visitas ao Centro Cultural.

O evento contará também com a presença de Milene França, da Biblioteca Municipal de Itapetininga, contando histórias sobre o Folclore para as crianças.

Depois, a partir das 18h, haveráo evento aberto ao público do lançamento do Livro ‘Lendas de Itapetininga – 2ª Edição’, também no Centro Cultural, no Largo dos Amores, com diversas brincadeiras para as crianças interagirem umas com as outras das 18h às 20h. Entre as brincadeiras, o ‘Acerte a Barrica’ e o ‘Coloque os Olhos no Raimundão’, criadas pelas autoras. Essas brincadeiras remetem as crianças a alguma lenda contada no livro, fazendo assim com que as crianças aprendam brincando.

Em seguida haverá exposição dos personagens folclóricos e suas respectivas lendas, música e comidinhas típicas, espaço para autógrafos dos livros com as autoras, e duas atrações principais: uma peça de teatro sobre o ‘Raimundão’, pelo grupo Tapanaraca e o concurso ‘Melhor Fantasia de Folclore’.

Raimundão, Saci, Mulher de Branco, Loira do Banheiro, todos esses estarão concorrendo ao prêmio que será: O TESOURO DO RAIMUNDÃO!

Haverá a venda dos livros pelas autoras e quem adquirir o livro ganhará um brinde artesanal.

O evento será encerrado às 21h.

 

Sobre as autoras

Maria Nunes da Costa Menk

Maria Nunes da Costa Menk nasceu em Tatuí, Estado de São Paulo, em 1949. Cresceu na cidade vizinha de Itapetininga, onde vive até hoje. Licenciada em Português, Inglês, Pedagogia e Supervisão Escolar pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itapetininga, estreou na literatura com a publicação do livro Lendas de Itapetininga (2002). Alguns anos depois, escreveu o livro Eleição, Momento Sublime da Democracia (2004) e Lendas de Itapetininga e Região (2014), em parceria com Luciane Camargo, dando continuidade ao trabalho literário cultural que começou ainda como professora. Atuou durante vinte e cinco anos na Rede Municipal de Itapetininga e seis anos na Rede Estadual. Filha de Benedito Nunes da Costa, ex-combatente, e de Odila de Oliveira Costa.

Luciane Camargo

Luciane Camargo nasceu em Itapetininga, Estado de São Paulo, em 1985. Cresceu na mesma cidade e se mudou para São Paulo quando ingressou na Faculdade de Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu o curso de Tradução e Interpretação pela Associação Alumni e pós-graduação em Interpretação de Conferência pela Universidade Gama Filho (UGF), atual Estácio. Morou nos Estados Unidos de 2006 a 2007, onde teve a oportunidade de estudar na Universidade de Harvard, e, durante alguns meses, morou na Itália no ano de 2011. Em 2014, de volta à Itapetininga, lançou o livro Lendas de Itapetininga e Região em parceria com Maria Nunes da Costa Menk. Além de trabalhar ativamente como tradutora, está engajada em projetos culturais da cidade que envolvem o Folclore.

 

Saiba mais sobre o Projeto Lendas de Itapetininga e Região

Dando seguimento ao trabalho desenvolvido em parceria no livro Lendas de Itapetininga e Região (2014), Maria Nunes da Costa Menk e Luciane Camargo se uniram mais uma vez para publicar novamente o livro Lendas de Itapetininga, inicialmente escrito em 2002 e agora reescrito pelas duas autoras e com novas ilustrações desenvolvidas por Magno Almeida Cunha.

“Despertar o interesse em uma criança com histórias do passado, diante de um mundo tão tecnológico, futurista e globalizado, é um grande desafio. Alcançar esse desafio, é uma grande vitória!

Nós, do livro Lendas de Itapetininga e Lendas de Itapetininga e Região, ficamos muito felizes e emocionadas ao ver nosso trabalho trazer esse sentimento de encanto e curiosidade nas crianças e nos adultos, passando a tradição oral da nossa cidade de geração a geração, através das Lendas imortalizadas nos livros que escrevemos.

A segunda edição deste livro traz, não apenas novas ilustrações para cada lenda, como também uma reescrita para enriquecer ainda mais as Lendas contadas tantos anos atrás pelos moradores da cidade.

Esse resgate cultural é de grande valor para todos que se relacionam com a cidade de Itapetininga, refletido como um dos bens mais preciosos da humanidade: o conhecimento. Conhecer as nossas raízes, a nossa história, é conhecer melhor a nossa própria identidade. E a identidade do interior tem toda a sua riqueza para ser passada, registrada, lida e repassada.”

O livro traz 38 lendas e contos de Itapetininga ilustrados para colorir e despertar ainda mais o interesse em crianças e adultos.

Aqueles que gostam de seguir as novidades relacionadas ao livro virtualmente, podem curtir a página do Facebook – Lendas de Itapetininga e Região <https://www.facebook.com/pages/Lendas-de-Itapetininga-e-Regi%C3%A3o/350177531786360> – e também o canal do YouTube Lendas de Itapetininga e Região <https://www.youtube.com/channel/UCo1nHB9mU-YvihcBIMY9yGg>, onde estão gravados alguns vídeos em que uma das autoras conta as lendas em pontos estratégicos da cidade de Itapetininga onde elas ocorreram.

O livro estará disponível nas bibliotecas da cidade e poderá ser adquirido nas livrarias e papelarias da cidade, bem como on-line por meio da página do Facebook – Lendas de Itapetininga e Região – ou pelo e-mail  lucianecamargo@hotmail.com.

 




Lendas da cultura brasileira reunidas em livros

Saci e Mitos Urbanos, da Editora Mundo Mirim, são ótimas sugestões de leitura para a garotada neste mês de outubro

Esqueça as fazendas, florestas ou casas mal assombradas que sempre serviram de cenário para histórias assustadoras ou contos sobre criaturas lendárias.

Neste 31 de outubro, Dia do Saci, a Editora Mundo Mirim traz duas sugestões que poderão arrepiar e divertir durante a leitura.

Em Mitos Urbanos, eventos estranhos acontecem em diversos lugares de uma cidade grande, como em uma estação de metrô.

Coincidência ou não, o Saci, famoso personagem do Folclore brasileiro, deixa de perambular pelo Sítio do Pica-pau Amarelo, último lugar em que foi visto, e agora pode estar mais próximo do que se imagina. E pode confiar nesta informação! O organizador do livro, Mouzar Benedito é bem entendido da criaturinha, pois é sócio-fundador da Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci), com sede em São Luiz do Paraitinga (SP), lugar onde, segundo ele, não falta saci. Além disso, ele convida o leitor a entrar no sítio eletrônico www.sosaci.com.br e deixar um depoimento, caso já tenha visto algum saci perambulando por aí.
Saci

Engana-se quem pensa que saci aparece só na roça! Você já ouviu falar do saci japonês? E do saci enfeitado de miçanga?

Este livro reúne relatos de pessoas que garantem que já viram sacis nos lugares mais inusitados: em centros urbanos, em jardins e até dentro de casa. Pelas histórias das aparições, o leitor pode descobrir as várias facetas desse personagem, símbolo da cultura brasileira.
Ilustradores: Lézio Júnior, Tiago Hoisel, Fraga, Rômulo Coutinho, Alberto R. Palmieri, Paffaro, Baptistão.
Autores: Marcia Camargos, Robson Moreira, Rudá K. Andrade, Dilair Aguiar, Flávio Paiva, Paulo Pepe, Luís Manetti
Organizador: Mouzar Benedito
Formato: 21x28cm
Indicação: Leitor fluente (a partir de 11 anos)
Número de Páginas: 40 págs
Preço: 34,90

Mitos Urbanos

Esta obra reúne cinco contos do imaginário popular, ambientados em grandes centros urbanos e transmitidos oralmente. Chamados de mitos urbanos, essas histórias vão adquirindo aspectos e detalhes de cada lugar em que são recontadas. Neste livro, autores de diferentes estados brasileiros contam uma versão dos seus próprios medos urbanos.
Autores: Alessandra Roscoe, Rosana Rios, Sandra Pina, Adriano Messias, Celso Sisto.
Ilustrador: Alexandre Santos

Indicação: Leitor fluente (a partir de 11 anos)
Número de Páginas: 48 págs
Preço: 32,90

Sobre a Editora:

A Mundo Mirim é uma editora voltada ao público infantil e juvenil cujas publicações para crianças e adolescentes têm o intuito de estimular o prazer de ler, fazer um apelo à imaginação e trazer à tona as grandes ideias que uma boa leitura desperta. Além disso, como a infância é uma fase de constante aprendizado, alguns livros também permitem abordagens didático-pedagógicas, um diferencial que amplia as possibilidades de aproveitamento das obras.
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