Soldado Wandalika Imagem criada por IA do Bing – 30 de maio de 2025, às 17:56 PM
O som dos talheres reluzia os corações em casa Todos andavam com fé, comiam o que tinham da vida Nos tempos idos em Luanda a ‘Dibuabua’ a todos salvava
Pão mesmo que fosse burro sem descriminação Tirava o povo do poço e trazia a salvação Em Luanda 90, naqueles anos brancos e pretos Mas a rotina dos dias tinha bastantes cores Colhia-se o amor nos olhares
As tardes eram eufóricas nas ruas Adolescentes jogavam a bola de saco Kotas eram referência no bairro A ‘Dibuabua’ comida de todas as manhãs Salvação de todos os lares.
Luanda a preto e branco Ruas lisas, sorrisos esbranquiçados Crianças descalças correndo ingenuamente na calçada Cúbicos semelhantes imbuídos num sentimento profundo Ar respirando em cada canto Gatinhos dançando suas rimas no telhado Tudo era pleno e belo Parecia uma felicidade infinita Dibuabua salvou a Luanda!
Dibuabua: termo usado nos anos noventa em Luanda para designar comida como: arroz branco com café e pão, (pequeno almoço). Cubico: gíria angolana para designar casa, residência, habitação. Matabicho: pequeno almoço, na linguagem popular angolana.
Soldado Wandalika Imagem crfiada por IA do Bing – 20 de maio de 2025, às 15:17 PM
Os dias aceleram os batimentos dos cérebros Entre os olhares de esperança! Esperam dias de glórias De mãos dadas com incerto destino Reinventam o clima para que a respiração flua na ação das vidas nas vias diárias! O futuro assobia os ares que sustentam os peitos
Luanda Terra do cidadão impaciente Do Privilegiado imigrante Do mais velho que olha distante Das Crianças que crescem prematuramente Do Moto Boy desordeiro Do Profeta que tem extorquido o dinheiro Única capital de Angola, centro de tudo Acolhedora por excesso, terra de negro
Luanda diversa Socialmente desequilibrada Uns dormem com fome Outros por preguiça não come É Luanda dos gueros na vertical Cidade escolhida para vencer na vida Onde os seus correm atrás da vida mesmo sem nenhum pedaço de vida.
Ontem, tarde de julho, fria e triste, esperava por uma amiga no supermercado Max, de Kakuaku-Vidrul, quando fui abordado por um miúdo que, atrevidamente, veio ter comigo. Eu, traumatizado com essas coisas de assaltos que vão acontecendo em Luanda, fugi às pressas e com o coração batendo descompassadamente, tremendo de medo. Julguei que fosse um desses meninos armados em bandidos. Mas, insistentemente, o menor, que estava vestido com uma bermuda rota, chinelos remendados com pregos, uma camisola já meio gasta, seguia-me.
Poxa! ganhei coragem, minhas pernas ficaram bambas, coração acelerado que nem uma prova de Fórmula 1. Parei de medo e comecei a chocar com a minha personalidade. Afinal, sou professor. “Corro mais, ou paro?” – era o conflito. Vindo até perto de mim, ofereceu-me uma calorosa e humilde saudação.
Não se tratava nada de um mau rapaz. Era o Miguel, que aparentemente sofria da mesma semelhança com outros seus conterrâneos: fugiu de Benguela para Luanda tentar a vida. Depois da saudação e pequena apresentação sobre quem era, Miguel pediu que eu lhe desse emprestado o meu telefone para ligar para sua mãe, que era vítima da tragédia no Lobito.
Segundo o menor, de 17 anos de idade, desde que saiu de Benguela, em 2013, não tem mantido contato com a mãe porque o seu humilde trabalho de roboteiro ocupa-lhe muito tempo. Mas nunca se esqueceu das suas origens e, apesar das dificuldades, procurou guardar o número telefónico da mãe num pequeno pedaço de papel. Por isso, de quando em vez liga para saber da saúde dela que não andava lá tão boa. Fora diagnosticada com diabete.
Fomos numa esquina fazer a chamada; a conversa, que demorou mais de 15 minutos, não era com a mãe de Miguel. Era sua avó, que contava sobre uma tragédia em que conseguiu sair ilesa, porque no dia das quedas torrenciais estava numa outra zona de Benguela. A mesma sorte não teve a irmã de Miguel, neta da velha e dois bisnetos que foram arrastados com a chuva naquele dia. O corpo dos menores apareceram, mas o da mãe e o da irmã até ao momento continuam desaparecido.
Durante a conversa, a velha se desesperava e chorava amargamente em umbundu, sua língua materna. Contou também que a chuva matou um amicíssimo do Miguel e destruiu a casa onde o próprio vivia antes de emigrar para Luanda.
De repente, fez-se silêncio no outro lado da linha. Miguel pensou ser falha da rede telefônica, e pôs-se a gritar insistentemente, e, com os olhos a marejar, coçava a cabeça. Alló! Alló! Alló mamã, e não havia retorno. O saldo de 200 kwanzas que disponha 24 minutos terminou e, com ele, agravando a preocupação e agitação de Miguel. Eu, em particular, fiquei em choque vê-lo naquele estado. Passamos alguns minutinhos juntos, perto da cabine onde havíamos nos acomodado. Não tardando, o telefone tocou, atendi e já era outra voz em linha, o tio do Miguel, a pedir que ligássemos mais tarde, porque a pressão arterial da velha subia de mais, o que levou-lhe a uma crise.
O clima era tenso de preocupação. Pedi ao Miguel que sentasse um pouco a fim de se acalmar. Apesar da resistência, sentou-se. Enquanto isso, íamos ligando sempre, mas ninguém atendia o telefone.
Olhando nos olhos do Miguel, percebi que tentava ser forte, mas a dor era crucial e não poupava-lhe. Não resistiu, e, em seguida, meteu-se aos choros. Passamos mais de uma hora juntos. Consolei o miúdo e, momentos depois, conversamos mais sobre ele e sua família.
Ele contou-me que um dos principais objetivos que lhe trouxe à cidade de Luanda era trabalhar e conseguir dinheiro para construir uma casa digna para sua mãe. Falou também que havia prometido bicicletas para os sobrinhos que agora em feliz memória.
– E agora? -perguntei ao Miguel. Simplesmente, ele respondeu-me que ainda hoje vai fazer as malas e partir para Benguela. Despedimo-nos e cada um ao seu destino foi. Só não sei se, até o momento, está cá! O que na verdade sei, é que estive a sonhar. Tomei noção quando o meu irmão menor tossiu diante da cabeceira da cama onde estive a dormir. E ao despertar do profundo sono, me vi envolvido num cobertor de xixi, e o frio ressecava minha pele. Envergonhado e gemendo, percebi que estive diante de um sonho bem real.