Passeio a lugares de memória antifascista é realizado em Sorocaba

A iniciativa é do escritor e historiador Carlos Carvalho Cavalheiro em ação de contrapartida pelo recebimento do Prêmio Anual Sorocaba de Literatura de 2022, com o livro “O Legado de Pandora”

No dia 4 de fevereiro, sábado, realizou-se na cidade de Sorocaba um Passeio Cultural pelos lugares de memória do fascismo e antifascismo da década de 1930. A iniciativa é do escritor e historiador Carlos Carvalho Cavalheiro em ação de contrapartida pelo recebimento do Prêmio Anual Sorocaba de Literatura de 2022, com o livro “O Legado de Pandora”.
Escrito e publicado em 2021, a obra “O Legado de Pandora” é um romance ficcional que conta a vida do professor Claudio, um militante antifascista de Sorocaba na década de 1930. Permeada por fatos da época, a história equilibra história e ficção.
O livro foi contemplado com o Prêmio de Literatura o ano passado e a proposta do autor foi a de caminhar pelas ruas centrais de Sorocaba e apresentar um pouco dos cenários onde se desenrolou a trama. Passando por diversos lugares de memória – como a antiga sede do Centro Operário Católico, do Palacete Scarpa (onde esteve instalado o Partido Fascista Italiano), o prédio do Centro Republicano Hespanhol e o do Centro Cívico Pró-Democracia – Cavalheiro discorreu não somente sobre a história da cidade, mas, também, sobre o processo criativo que resultou no romance.


O final da caminhada ocorreu na Praça Frei Baraúna, em frente ao monumento Obelisco em memória da 2ª Guerra Mundial. Carlos Carvalho Cavalheiro lembrou que os soldados brasileiros lutaram contra o nazi-fascismo na Europa e terminou enaltecendo a tendência antifascista do povo brasileiro: “Embora tenhamos grupos fascistas e a despeito de parecerem ser muitos, a nossa inclinação como povo é o antifascismo. As forças armadas brasileiras, os pracinhas brasileiros foram para a Guerra lutar contra e não a favor do fascismo”, disse o historiador.




Passeio Cultural visitará lugares de memória do antifascismo em Sorocaba

No dia 4 de fevereiro, sábado, a partir das 9 horas da manhã, ocorrerá um Passeio Cultural evidenciando os lugares de memória do fascismo e do antifascismo em Sorocaba na década de 1930

No dia 4 de fevereiro, sábado, a partir das 9 horas da manhã, ocorrerá um Passeio Cultural evidenciando os lugares de memória do fascismo e do antifascismo em Sorocaba na década de 1930. A atividade será dirigida pelo escritor e historiador Carlos Carvalho Cavalheiro e é a contrapartida pelo recebimento do Prêmio Anual Sorocaba de Literatura de 2022. Carlos Cavalheiro foi um dos vencedores do Prêmio com o livro “O Legado de Pandora”.
Ambientado na década de 1930 em Sorocaba, o livro conta a história do professor Claudio, personagem ficcional que se engaja na luta contra o fascismo, representado naquela época por diversas vertentes como o Integralismo, o Franquismo e o próprio Fascismo Italiano.
O romance mescla fatos históricos com ficção. O auge da luta antifascista em Sorocaba ocorreu no dia 11 de julho de 1937, quando militantes antifascistas – de diversas correntes ideológicas – desmantelaram um comício integralista na Praça Coronel Fernando Prestes.
O livro foi publicado em 2021 pela Editora A. R. Publisher, do Paraná. A proprietária da editora, Ângela Ramalho, comentou sobre o livro: “Existem várias versões para o significado da expressão “abrir a caixa de Pandora”. Uma delas conta que Pandora foi mandada por Júpiter, com boa intenção, a fim de agradar ao homem. O rei dos deuses entregou-lhe, como presente de casamento, uma caixa, em que cada deus colocara um bem. Pandora abriu a caixa, e todos os bens escaparam, exceto a esperança. Penso eu que esta seja a versão ideal para a obra “O legado de Pandora”, segundo romance do historiador Carlos Carvalho Cavalheiro. O pano de fundo do romance é a luta antifascista ocorrida em Sorocaba na década de 1930. O livro aborda as angústias, as vitórias e as derrotas, os reveses, os sucessos e os percalços decorrentes desse embate. Discorre também sobre os amores, os temores e os horrores dos personagens envolvidos, mostrando o lado humano de quem luta pela defesa da liberdade para todos. Ao fim, desperta o sentimento de Esperança, aquele legado de Pandora secretamente guardado numa caixa que alguém um dia chamou de coração”.
O Passeio Cultural terá início e concentração na Praça Frank Speers (Largo do Líder), na Vila Santana. De lá, seguirá para a Rua Álvaro Soares, Rua Souza Pereira, Largo do Rosário, Rua Dr. Braguinha, Rua XV de Novembro, Rua da Penha, Praça Cel. Fernando Prestes e Praça Frei Baraúna.
Para participar, os interessados devem fazer suas inscrições gratuitas pelo e-mail amascarenhas@sorocaba.sp.gov.br contendo os seguintes dados pessoais no corpo da mensagem: RG, CPF, nome completo e idade. Será aceita somente uma inscrição por e-mail. São oferecidas 30 vagas. O evento é gratuito.

 

 

 

 




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Lugares de Memória dos Trabalhadores: Fábrica de Chapéus Souza Pereira, Sorocaba (SP)'

Carlos Cavalheiro

Lugares de Memória dos Trabalhadores: Fábrica de Chapéus Souza Pereira, Sorocaba (SP)

Crédito da imagem de capa: Fábrica de Chapéus, 1913. Imagem da internet. Disponível em: http://www.brasilbook.com.br/exibir.asp?imagem=6275

A partir das primeiras décadas do século XX, a cidade de Sorocaba passou a ser conhecida como a “Manchester Paulista”. Esse processo foi iniciado em 1882, quando a paisagem local ganhou um adereço até então inexistente: uma fábrica de tecidos de grande porte, com arquitetura inglesa, iniciando alterações que transformariam a antiga cidade rural em um dos mais importantes polos fabris do estado de São Paulo. Essa fábrica foi denominada de Nossa Senhora da Ponte (o nome da padroeira de Sorocaba), mas ficou também conhecida por Fábrica Fonseca, pois seu proprietário era o português Manoel José da Fonseca. Logo, a cidade se viu semeada por prédios do mesmo porte e estilo arquitetônico, com a fundação de novas fábricas têxtis, como as Fábricas Votorantim e Santa Rosália, fundadas em 1890, a Fábrica Santa Maria em 1896 e a Fábrica Santo Antônio em 1914.

Fachada da antiga Fábrica de Chapéus Souza Pereira, 2016. Foto: Carlos Carvalho Cavalheiro.

Embora de menor porte, a Fábrica de Chapéus Souza Pereira foi especialmente importante não apenas na construção do imaginário da “Manchester Paulista”, como na história do movimento operário de Sorocaba. Localizada defronte à Praça Arthur Fajardo, conhecida também como Praça dos Canhões, o edifício da antiga fábrica de chapéus foi construído pelo então proprietário, o inglês John Adams, em 1885. Em 1898, o português Francisco de Souza Pereira, associado ao empresário Coats Vilela adquiriu a empresa.

Além de ser um lugar de memória da indústria, a Fábrica de Chapéus Souza Pereira também guarda importantes lembranças das lutas operárias. Ainda no século XIX, em 21 de novembro de 1890, os operários dessa fábrica declararam greve por melhores condições de trabalho. Foi uma das primeiras mobilizações ocorridas entre o operariado sorocabano. Também foram os chapeleiros que constituíram a primeira associação anarquista de Sorocaba: a Liga de Resistência, fundada em 6 de abril de 1902. Os chapeleiros já haviam fundado uma das primeiras associações mutualistas da cidade, a Sociedade Beneficente Protetora dos Chapeleiros.

A classe operária que se formava em Sorocaba, assim como em outras regiões do país, era bastante diversificada em termos étnicos e de origens nacionais. Antônio Francisco Gaspar trabalhou na Fábrica de Chapéus entre 1905 e 1908 e em seu livro “Minhas Memórias” registrou muitos sobrenomes de origem portuguesa entre os operários o que pode indicar uma maioria de nacionais e lusitanos, além de sobrenomes de origem italiana. Gaspar relacionou apenas nomes de homens, provavelmente porque as atividades da fábrica eram separadas por gênero e o contato dele com as operárias talvez tenha sido limitado. Mas elas existiam: estão registradas em fotografias, como uma de 1908, numa reunião operária em comemoração ao 1º de Maio, além de notícias de jornais durante a greve de 1917.

As mulheres que trabalhavam na fábrica de chapéus eram, em sua maioria, costureiras. Já os homens realizam as demais tarefas inerentes à produção, dependendo da matéria-prima utilizada, como, nos casos de feltro e lã, a lavagem, a cardagem, o processo de enformação, esmursação, a fula. A fábrica contava com vasto e diversificado maquinário, o que indica a complexidade da produção de chapéus. Segundo o Almanach Illustrado de Sorocaba de 1914, a Fábrica Souza Pereira empregava  216 chapeleiros, responsáveis pela impressionante produção de 36 mil chapéus por mês.

Em Sorocaba, a greve iniciou-se na Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte e logo se espalhou para diversas categorias de trabalhadores. Os grevistas, no intuito de conseguir a adesão de seus companheiros chapeleiros, arrombaram os portões da Souza Pereira e negociaram a liberação dos trabalhadores junto à gerência do estabelecimento. Tanto as costureiras quanto os operários homens participaram ativamente do movimento. Ao todo, estima-se que entre 8 a 10 mil trabalhadores participaram da greve que durou três dias, conquistando muitas de suas reivindicações.

Em 1932, a Fábrica de Chapéus Souza  Pereira fechou as portas. Possivelmente ficou fechada por algum tempo, até que se iniciou a demolição interna, sobrando apenas a fachada. Em 1984 o interesse pela preservação da fachada da antiga fábrica já aparecia num Inventário dos Prédios Históricos da Área Central de Sorocaba, elaborado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Sorocaba (CONDEPHISO). No entanto, somente em 1998 abriu-se o processo de tombamento, ainda não concluído.   

A fachada de Fábrica de Chapéus é um caso interessante de lugar de memória oculto, um marco que ainda existe na paisagem, mas que tem a sua memória ocultada por obstáculos físicos ou pela falta de referências (por exemplo, uma placa indicativa). Se, de um lado, é um reminiscência do poder da burguesia local da “Manchester Paulista”, por outro, ela também representa a existência e a resistência da classe trabalhadora, a principal responsável pelo crescimento industrial de Sorocaba. A fachada da Fábrica de Chapéus Souza Pereira nos remete a uma outra memória que se contrapõe àquela produzida pelos grupos detentores do poder.

PARA SABER MAIS
  • ALMEIDA, Aluísio de. Sorocaba 3 séculos de História. Itu: Ottoni, 2002.
  • BONADIO, Geraldo. Sorocaba a cidade industrial. Sorocaba: LINC, 2004.
  • CARVALHO, Rogério Lopes Pinheiro de. Fisionomia da cidade – Cotidiano e transformações urbanas (1890 – 1943). São Paulo: Biblioteca 24 horas, 2010.
  • CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Memória Operária. Sorocaba: Crearte, 2009.
  • CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. “’Tá vendo aquele edifício, moço?”: Lugares de Memória, Produção de invisibilidade e processos educativos na cidade de Sorocaba. Maringá: A R Publisher Editora, 2018.

 

Carlos Carvalho cavalheiro

carlosccavalheiro@gmailcom