Marcus Hemerly: 'Cinema em tela: Guilty or not guilty? Os suspenses de tribunal'
“Houve um crime, houve uma vítima, e há… uma punição” (Harrison Ford, em Acima de Qualquer Suspeita – Presumed Innocent, 1990)
Dando sequência aos diálogos sobre cinema, em tom informal, ‘passeando’” pelos períodos e influências na pop culture ao dissertar sobre algumas tendências, atores, história, e, não raro, ofertando boas dicas de títulos. Tratemos neste espaço sobre uma vertente bastante popular da literatura e cinema de suspense. Para muitos, John Grisham é considerado o pai dos romancistas contemporâneos do subgênero ‘suspense de tribunal’, ou thriller jurídico, por vezes denominado. No entanto, é justo dizer que um dos romances praticamente inaugurais de tal formatação em seus moldes atuais seria o título ‘Acima de Qualquer Suspeita’ de Scott Turrow, autor igualmente talentoso, todavia, com menos adaptações para o cinema e TV.
O livro, publicado em 1987, deu origem a filme homônimo que retrata a história de Rusty Sabich, interpretado por Harrison Ford, promotor público acusado de ter assassinado sua colega. No decorrer da trama, inúmeras evidências apontam para o protagonista, incluindo suas impressões digitais, (lembremo-nos de que se tratam dos anos 80, nos quais o exame de DNA não era uma realidade). Ao revés, a história se findaria em alguns capítulos/sequências.
Até os últimos minutos, a tensão sustentada pela impressionante atuação de Ford, capaz de transmitir inúmeros sentimentos e matizes de dubiedade com o olhar, sobresta a revelação acerca da culpabilidade ou inocência do personagem. De outro giro, na década seguinte, a popularidade dos livros de John Grisham resultaria numa gama de adaptações, algumas de muito sucesso, tais como, A Firma, (1993), O Dossiê Pelicano, (1993) O Cliente, (1994) Tempo de Matar, (1996), O Segredo, (1996), O Homem que Fazia Chover, (1997), A Armação, (1998), O Júri, (2003). Em tom de pilhéria, poder-se-ia dizer que Grisham é o Stephen King das aventuras jurídicas, em referência ao mestre do horror e autor com mais histórias transpostas à sétima arte.
De maneira diversa do modelo jurídico brasileiro, pelo qual apenas os casos de crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, por força do texto Constitucional – Art. 5º, XXXVIII – o sistema da Common Law norte-americano submete, inclusive, as ações cíveis ao julgamento pelo corpo de jurados, com a formatação do ato sentencial a cargo do Magistrado. No entanto, não apenas de investigações criminais e o mergulho na mente dos transgressores violentos sobrevive o cinema de tribunal.
Reviravoltas, provas descobertas no cerrar das cortinas ou pouco antes do ressoar do veredito, são também retratados nos enredos das ações civilistas. Dramas humanos, personagens sedutores ou mesmo baseados em casos reais, também são atrativos às tramas, como nos excelentes filmes, ‘A Qualquer Preço (1998)’, título original ‘Uma Ação Cível’, ‘O júri’, ou na produção ‘O Juiz’, de 2014, que conta com as intensas atuações de Robert Downey Jr., Robert Duvall e Billy Bob Thornton.
Evidentemente, não se trata de uma roupagem inédita nos gêneros literário e cinematográfico; cenas ambientadas em tribunais sempre permearam histórias marcantes que abrilhantam clássicos recorrentemente lembrados com afeto e saudosismo. Repise-se, pela qualidade da trama jurídico investigativa, em cotejo ao drama e nuances humanos, amalgamando em um mesmo roteiro ou personagem, as feições do anti-herói num viés de film noir. Corrupção, romances ilícitos, erotismo, crises existenciais e de consciência gravitam perifericamente às belas e sagazes cenas de inquirição de testemunhas e a ansiedade que antecipa a decisão dos jurados.
Nessa vereda, impossível deixar de enumerar: Testemunha de Acusação, (1957), baseado na obra de Agatha Christie, 12 Homens e uma Sentença, (1957), Anatomia de um Crime (1959), E o Vento Será Tua Herança, (1960), O Julgamento de Nuremberg, (1961), O Sol é Para Todos, (1962), Justiça para Todos, (1979), O Veredito, (1982).
Provavelmente, dentre os filmes mais comumente recomendados pelos professores nos cursos de Direito, entre outros, dadas as particulares temáticas das grades curriculares, estão “As Duas Faces de Um Crime, (1997)”, “O Júri, (2003)” e “Um Crime de Mestre, (2007)”, os quais se concentram nas habilidades e estratégias argumentativas e de oratória quando da apresentação de um caso, além da persuasão aplicada às testemunhas e aos destinatários da prova.
Nesse passo, reitere-se que os suspenses/dramas de tribunal não são uma derivação recente, mas nos últimos trinta anos, sua apresentação na literatura com uma nova safra de autores, e posterior reflexo no cinema, desencadeou uma redescoberta da temática que marcou de forma proeminente as produções dos anos trinta, quarenta e cinquenta. Em tom de crítica ao sistema jurídico ou social, contempla-se a aposta de uma boa sessão de cinema; divertida, e ao mesmo tempo, instrutiva.
Sejam roteiros originais ou adaptados, produções recentes ou clássicas, cada título aqui citado poderia ser objeto principal de um artigo ou estudo, tratam-se películas associadas a nomes como Sidney Lumet, David Mamet, Marlene Dietrich, Tyrone Power, Billy Wilder, Gregory Peck, Robert Mulligan, Allan J. Pakula, Gene Hackman, Paul Newman, entre outras figuras — em sede de direção, atuação e roteirização — que desenharam as linhas da sétima arte no século XX e XXI. Por isso, escolha alguns deles e divirta-se.
Marcus Hemerly
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