O leitor participa: Marcos Francisco Martins e Vinicius Benedito Martins: 'Macacada antifascista'

Foto extraída do artigo ‘Ato deste sábado mostrou que a Avenida Paulista é do povo!’, publicado pelo DCO – Diário Causa Operária, Edição nº 6039 – domingo – 14/06/2020

 Macacada antifascista

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Desde a decretação do afastamento social, em virtude da pandemia de coronavírus, as ruas de muitas cidades Brasil afora se esvaziaram. Contudo, em meio à aguda crise sanitária, apoiadores(as) de Bolsonaro e seguidores(as) do insano negacionismo científico que ele defende, acostumaram-se a tomar os logradouros para si, sem enfrentar nenhum obstáculo, protegido muitas vezes pela força policial.

Nas ruas, ultimamente com reduzidas manifestações, reacionários(as) de matizes diversas, estimulados(as) pelo “mito”, bradam livremente pautas neofascistas e inconstitucionais, que repercutem nas novas e velhas mídias. Isso porque atuam sem oposição político-ideológica ou represália jurídica dos poderes constituídos, que deveriam cuidar para que preceitos constitucionais do estado democrático de direito e da civilidade não fossem agredidos a cada manifestação bolsonarista.

Contudo, desde o último dia 9 de maio, algo novo surgiu: o enfrentamento ao bolsonarismo nas ruas. E ele emergiu de onde menos se esperava: as torcidas organizadas, largamente malvistas e entendidas, recorrentemente, como baderneiras e despolitizadas. Inicialmente, elas foram às ruas em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e depois se espalharam pelo território nacional. Ineditamente unidas entre si, assumiram a vanguarda ao tomar as ruas para entoar gritos em defesa da democracia e para dizer aos neofascistas: “Recua, fascista, recua! É o poder popular que está nas ruas”.

Vinícius Benedito Martins

O grito das torcidas por democracia espantou muitos(as) e acordou outros(as) tantos(as). Um dos resultados desse fenômeno surpreendente foi abrir debate amplo na sociedade sobre se seria o momento ou não de ir às ruas durante a pandemia de COVID-19 para enfrentar o pandemônio, que é o governo de Bolsonaro, acusado de racismo.
A brutal morte de George Floyd em 25 de maio, negro de Minneapolis (EUA), que teve o pescoço pressionado pelo joelho do policial branco Derek Chauvin, levou à agudização da discussão, porque gerou os maiores eventos antirracistas de multidão nos Estados Unidos desde a morte, em 1968, de Martin Luther King Jr., justamente no país que mais mortes registra na pandemia.

Em Campinas, esses fenômenos repercutiram no último dia 07 de junho, com a Macacada Antifascista engrossando o ato que realizado no Largo do Rosário contra o bolsonarismo e contra o racismo. Formada por integrantes da torcida da Ponte Preta, a Macacada Antifascista assumiu a história do time, marcada pela luta social em uma cidade famosa pela crueldade contra escravos(as) e nosso país, que tardou a abolir essa miséria humana.

A Ponte Preta nasceu 01/08/1900 e se orgulha de ser a primeira democracia racial do futebol nacional. A Macaca foi o primeiro time a escalar um jogador negro: Miguel do Carmo, citado em ata de agosto de 1900 como um dos jovens fundadores e atletas do clube, com 16 anos.

De lá para cá, muitos torcedores(as) e jogadores negros da Ponte foram ofendidos(as) racialmente. O xingamento utilizado para tanto era “Macacos”, mas a democracia racial do Clube e o orgulho negro de seus(suas) torcedores(as) os(as) fizeram se apropriar do apelido “Macaca” e, assim, enfrentam o racismo estrutural da sociedade brasileira. Mais recentemente, o enfrentamento ao racismo na Ponte Preta se expressa, também, na presidência do Clube, pois é ocupada por Tiãozinho, único presidente negro entre os clubes das séries A e B do campeonato brasileiro e que assume a negritude e a luta contra o preconceito, a discriminação e o racismo. Tanto assim que, ao assumir o posto, nomeou três negros e uma mulher para compor a diretoria executiva da Ponte.

Observar a Macacada Antifascista na luta contra os que querem retirar direitos do mais pobres e contra o racismo é apreciar a contínua tradição histórica da Ponte Preta, que se apresenta no Brasil como um dos ícones da luta social por um mundo em que sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e livres.

 

Marcos Francisco Martins
Professor da UFSCar campus Sorocaba e pesquisador do CNPq
E-mail: marcosfranciscomartins@gmail.com

Vinícius Benedito Martins
Estudante de História (Unicamp)
E-mail: vinibemartins@gmail.com

 

 

 

 

 

 




O leitor participa: Marcos Francisco Martins: 'Narrativa X Discurso'

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Narrativa X Discurso

A palavra narrativa tem presença nas ciências humanas e sociais. Pesquisadores tomam as narrativas como objeto de análise e recurso de coleta de dados em vários campos do saber. Mas este texto não trata desse significado do termo, pois aborda o sentido comum e o alcance que ele ganhou na fala de pessoas de variados níveis culturais no Brasil atualmente.

Na verdade, narrativa virou palavra da moda. É empregada para descrever o ato de um sujeito ao reportar um fato. Mas há outra palavra também utilizada com essa finalidade: discurso. Embora próximas na linguagem coloquial, narrativa e discurso têm diferenças importantes.

A narrativa tem espaço na literatura, sobretudo, na figura do narrador. Por isso, narrar é ato de criação, com liberdade de recorrer à ficção. Seu compromisso é persuadir o interlocutor e, para tanto, apela aos seus sentimentos e idiossincrasias conscientes e inconscientes, nem sempre tão nobres. Fundamenta-se em relatos particulares, que são universalizados e utilizados para validar atitudes ou determinada interpretação das coisas. É fácil fazer narrativas e muitos estão produzindo-as, sobretudo, empregando o meio propício para difundi-las: a Internet, com sua recorrência aos vídeos e áudios, com mensagens curtas.

Nas redes sociais da Internet circulam muitas fake news. Todavia, nem toda narrativa é uma fake news, mas toda fake news é a narrativa de alguém para lhe persuadir. A propósito, este termo, fake news, pode ser concebido como sinônimo de pós-verdade, palavra do ano de 2016 no Dicionário da Universidade de Oxford. Esse neologismo expressa a intenção de sujeitos em formar a opinião pública por meio de narrativas para as quais os fatos objetivos valem menos que os apelos às emoções e às crenças pessoais. E os disseminadores de fake news e/ou de pós verdade são ousados, teimam em difundir a máxima: ousem em não saber, justamente o contrário do lema latino sapere aude (ouse saber), que foi apropriado por Kant no texto “O que é o iluminismo” (1784). Sobre esse cenário, bem disse Umberto Ecco ao jornal La Stampa: “As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho… Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis.”.

Discurso, por sua vez, é palavra em desuso. Como expressão própria – ou deveria ser! – da ciência, da filosofia, da política e da ética, ele é prisioneiro da realidade e tem compromisso com a sustentação empírica e lógica sobre o que afirma, apelando sempre à razão. O discurso ampara-se em evidências oferecidas por estudos, pesquisas, dados coletados e analisados. Exige rigor, daí a dificuldade de se adaptar ao ambiente das redes sociais, pois requer demonstração sobre o que é relatado. Assim concebido, cabe ao discurso demolir fake news e narrativas de pós-verdade, o que não é nada fácil. Quem se propõe a fazer discursos está perdido, sem saber lidar com a nova realidade das narrativas nas redes sociais.

Quando se enfrenta a situação de confusão, olhar ao passado é procedimento interessante. Na Grécia Antiga, os sofistas foram os primeiros sujeitos considerados como professor. Apesar de importantes ao desenvolvimento da filosofia, no contexto da democracia grega antiga, eles vendiam o saber que tinham, ensinavam os cidadãos a persuadirem os demais nas assembleias que definiam os rumos das cidades (pólis); buscavam sucesso, sem compromisso moral com a verdade dos fatos. Foi por isso que Sócrates, considerado o pai da filosofia ocidental, os recriminou. E, assim, o sofisma é entendido até hoje como sinônimo de argumento ou raciocínio concebido com vistas a produzir a ilusão da verdade e o sofista como aquele que utiliza habilidade retórica para defender argumentos e raciocínios inconsistentes.

Considerando o passado sofista e as redes sociais digitais, pode-se dizer que hodiernamente todos estão imersos em um mar de narrativas de sofismas, que reverberam fake news e/ou pós-verdades. Urge, então, resgatar os discursos, ousar saber, e se se for para apelar às narrativas, que seja para o deleite que a literatura nos proporciona.

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins (17/04/2020)

Professor da UFSCar e pesquisador do CNPq – marcosfranciscomartins@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




O leitor participa: Marcos Francisco Martins: "'Idiota' é quem me diz!"

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Artigo: ‘Idiota’ é quem me diz!

Ao comentar as manifestações do dia 15/05/19 contra o contingenciamento de verbas para a educação, que envolveram milhões de pessoas nas ruas em mais de duzentas cidades Brasil afora, Bolsonaro, nos EUA (Dallas – Texas), as identificou como sendo protagonizadas por “idiotas”. Cabe, então, saber o que significa essa palavra, para corretamente empregá-la.

Parece que o presidente utilizou o termo “idiota” no sentido corrente, coloquial, qual seja para designar aquele ou aquela que carece de inteligência, de discernimento; o tolo, ignorante, estúpido, inculto. Sem entrar no mérito da própria palavra, essa fala, arrogante e desqualificadora da comunidade educacional, é lamentável se pronunciada por qualquer cidadão, sobretudo, pelo presidente da república, porque não é isso o que se espera do comportamento republicano do chefe de uma nação que se quer minimamente civilizada.

Todavia, cabe conhecer a etimologia (origem e evolução das palavras) de “idiota”, porquanto, ao fazê-lo, novas possibilidades se abrem para bem qualificar quem é e quem não é o “idiota” no contexto presente.

Historicamente, a palavra “idiota” reporta-se à realidade grega antiga, que marcou fortemente a cultura ocidental. Entre as heranças recebidas da Grécia antiga está, inegavelmente, a política e a democracia.

No contexto econômico, social, político e cultural grego antigo, as cidades (pólis) eram formações econômico-sociais com grande autonomia, isto é, a Grécia antiga não formava um país, uma nação, como modernamente concebemos. Era, de fato, um conjunto de cidades independentes umas das outras, localizadas na península balcânica e cada qual com um perfil muito próprio. Os habitantes das pólis gregas, isto é, das cidades, eram os chamados políticos, o que mais tarde encontrou na civilização romana a tradução de “cidadãos”, uma vez que em latim o termo empregado para se referir à cidade é “civitas”.

Uma das mais importantes cidades gregas antigas era Atenas, que se notabilizou pelo pujante desenvolvimento cultural durante o período clássico (508-322 a.C.). Nela, os políticos formavam um pequeno grupo de pessoas, já que dele se excluíam crianças, mulheres, estrangeiros e escravos. De maneira que cerca de apenas 3% a 4% da população gozavam da condição de ser político e, assim, intervir nos rumos da cidade, ajudar a gerenciá-la, o que era feito em praça pública, por meio do diálogo, isto é, democraticamente. Era, portanto, um tipo de democracia direta, pois os políticos não elegiam representantes como no Brasil atual, o que se faz pelo voto, embora fosse uma democracia restrita a um pequeno grupo de pessoas, sem voz e vez para a maioria social.

Mas havia um grupo de políticos que, mesmo gozando de condições econômicas (ser proprietário para dispor de tempo a dedicar à vida política), sociais e culturais de poder ajudar no gerenciamento da cidade, de participar de seu governo, negava-se a isso e se recolhida na pequenez da individualidade, evitando o diálogo público, vendo o outro como “agente de um desacato, a encarnação de um desaforo, um delinquente, que merece sofrer medidas policiais” (Leandro Konder – O “ídion” e o “idiotes”). A esse grupo de indivíduos os gregos chamavam de “idion”, do qual derivou, historicamente, a palavra “idiota” em português. Portanto, “idiota” é palavra que, para além do uso coloquial que dela se faz, reporta-se a alguém que se nega participar do exercício do governo, da dinâmica da vida política que define os rumos da vida de uma coletividade social.

Ocorre que, além de chamar de “idiotas” os estudantes e professores que estavam nas manifestações intervindo nos rumos da pólis brasileira hodierna, Bolsonaro, na posse do novo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, ocorrida em 09/04/19, disse que “Nós queremos uma garotada que comece a não se interessar por política”. Decorre entender dessa fala que ele despreza a arte da política.

Tendo como referência os dois sentidos da palavra “idiota” apresentados (coloquial e histórico), o leitor, especialmente os que participaram das manifestações contra o contingenciamento de verbas para a educação, tem condições de inferir por si mesmo quem são os idiotas atualmente, mas uma das conclusões só pode ser, se considerado o que foi dito, que idiota é quem me diz!

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Professor da UFSCar campus Sorocaba

e pesquisador do CNPq




Lançamento de livro que tem o objetivo de contar a história da greve geral de 1917 e as que se efetivaram em 2017

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

‘Lutas sociais em Sorocaba/SP ontem e hoje: Greve Geral de 1917, embate antifascista de 1937 e mobilizações atuais’ foi organizado pelo Prof. Dr. Marcos Francisco Martins, docente da UFSCar Campus Sorocaba

 

Lutas sociais em Sorocaba/SP ontem e hoje: Greve Geral de 1917, embate antifascista de 1937 e mobilizações atuais, é um livro organizado pelo Prof. Dr. Marcos Francisco Martins, docente da UFSCar Campus Sorocaba.

A obra tem o objetivo de contar a história da greve geral de 1917 e as que se efetivaram em 2017, particularmente retratando a repercussão que tiveram em Sorocaba/SP.

A estrutura textual está organizada em três partes, que procuram cobrir o interstício de lutas sociais no Brasil que vai de 1917 a 2017, especificamente as greves gerais e as lutas antifascistas de ontem e de hoje.

Os capítulos foram produzidos por historiadores com experiência no trato acadêmico-científico da questão investigada, bem como por pesquisadores(as) e militantes dedicados à tarefa de conhecer e articular lutas sociais.

Cabe destacar que alguns autores e autoras que contribuíram com o livro são reconhecidos pelas publicações que produziram, sejam as que versam sobre as lutas sociais no Brasil e fora dele, sejam as que retratam a realidade histórica da cidade de Sorocaba/SP, em seus diferentes aspectos.

lançamento ocorrerá no dia 31/10/2018, às 18hAuditório do Prédio ATLab(Rodovia João Leme dos Santos, Km 110 – Sorocaba, SP)

Maiores informações com o organizador do livro:

– marcosfranciscomartins@gmail.com

– (19) 9 9601 0390

Sumário

Prefácio – Lutas sociais: uma história a ser conhecida, contada e aprendida

Marcos Francisco Martins

Apresentação – Sorocaba não foge à luta: contra as oligarquias de ontem e de hoje

Francisco Foot Hardman

 

Parte I – A história da greve geral de 1917 e as repercussões em Sorocaba/SP

  1. Questões políticas e sociais na Primeira República e a greve geral de 1917

Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho

  1. Anarquismo, educação e vozes femininas no Jornal “O Operário” (1909-1913) de Sorocaba/SP

Fábio Alexandre Tardelli Filho e Keyla Priscilla Rosado Pereira

  1. Antes da tormenta: organização e formas de ação anarquista e operária

Clayton Peron Franco de Godoy e Eduardo Augusto Souza Cunha

  1. Greve geral de 1917 em Sorocaba: aspectos gerais

Carlos Carvalho Cavalheiro

  1. A greve geral de 1917 em Sorocaba e a participação de ferroviários e têxteis no movimento

operário local

Adalberto Coutinho Araújo Neto, Breno Augusto de O. Santos e Guilherme Cardoso de Sá

  1. A greve geral de 1917: parte de uma história negada

Antônio Carlos de Oliveira

  1. A greve geral de 1917 em Sorocaba: um passeio iconográfico

Carlos Carvalho Cavalheiro e Flávia Antunes Aguilera

  1. 100 anos da greve geral de 1917: a iconografia do movimento operário

Paulo Celso da Silva

Parte II – Sorocaba/SP na luta antifascista de 1937

  1. O contexto político e social da década de 1930

Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho

  1. Saída pela direita? Crise econômica e política e movimentos de extrema

direita em Sorocaba na década de 1930

Carlos Carvalho Cavalheiro

  1. A luta antifascista em Sorocaba: uma história de 80 anos

Carlos Carvalho Cavalheiro

  1. A luta antifascista: as contribuições dos socialistas tenentistas e dos ferroviários da E. F. Sorocabana

Adalberto Coutinho de Araújo Neto

Parte III – Educação, anarquismo, greve geral e antifascismo ontem e hoje

  1. Educação anarquista e movimento operário: da AIT à greve geral de 1917

Rodrigo Rosa da Silva

  1. Movimentos sociais regressivos e potencialidades fascistizantes no Brasil contemporâneo

Jeferson Rodrigues Barbosa

  1. 100 anos depois: aprendizados das greves gerais de 2017

Marcos Francisco Martins




O leitor participa: Marcos Francisco Martins: 'É justa a Justiça?'

“Não sou advogado, mas sempre me perguntei: é justa a Justiça? Desde junho de 2013, contudo, refletir sobre essa questão se tornou lugar comum.”

 

Não sou advogado, mas sempre me perguntei: é justa a Justiça? Desde junho de 2013, contudo, refletir sobre essa questão se tornou lugar comum. E o principal caso a motivar a reflexão é a Operação Lava-Jato e o caso Lula, que tem Moro como um dos protagonistas.

Consciente de que estou em um Estado Democrático de Direito (Constituição, Art. 1º), utilizando-me da liberdade de manifestação do pensamento (Art. 5º – IV) e do espaço ao contraditório aberto pelo Correio Popular, valho-me deste texto para enunciar dúvidas que me surgem ao refletir sobre o contexto do processo do “triplex” contra Lula:

  1. a) É permitido ao juiz Moro manter relações estreitas com adversários do réu, ex-presidente, inclusive participando de eventos dos que lhe são adversários?
  2. b) É permitido decretar prisões baseadas em delações sem teor comprobatório?
  3. c) Pode alguém ser acusado de um crime e condenado por outro? Moro disse na página 6 do despacho dos embargos de declaração: “Esse juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”. Não seria isso razão para anular o processo, pois Lula foi acusado exatamente de ter vantagens com contratos da Petrobrás?
  4. d) O foro de um julgamento não deve ser o local onde o objeto do processo se originou e se desenvolveu? Se for assim, por que o processo do “triplex” do Guarujá foi para Curitiba?
  5. e) Impedir ações da defesa de Lula em relação à perícia no “triplex” é permitido? (“Triplex”? O que as fotos do MTST revelaram é que o apartamento do Guarujá se assemelha mais a três unidades do “Minha Casa Minha Vida” sobrepostos, com uma reforma precaríssima, se é que ocorreu, e uma cozinha bufa, se considerados os valores divulgados sobre ela);
  6. f) grampear advogados de quem se julga não é proibido pela Art. 7º – II, da Lei 8.906/1994?
  7. g) Não seria caso de lawfare (uma guerra jurídica, em que a lei é empregada como arma no conflito) o juiz, a quem cabe julgar, atuar como promotor, cuja atribuição é a de acusar?
  8. h) O ônus da prova não cabe a quem acusa e não a quem é acusado, conforme o Art. 156 do Código de Proc. Penal?
  9. i) O mesmo argumento (não identificação pela Lava Jato dos recursos desviados) pode ser utilizado para decidir pela absolvição da mulher de Cunha e pela condenação de Lula?
  10. j) A exposição de Moro à mídia, em cujos holofotes comentou o processo, não é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35, 14/03/1979), Art. 36 – III?
  11. k) Expedir a prisão antes dos trâmites previstos não caracteriza alguma ilegalidade, já que contraria a Lei 4898/1965?
  12. l) Grampear conversa em que está a Presidente é lícito? Seria aceito nos EUA, por exemplo?
  13. m) Deixar vazar conversas da Presidente à mídia não viola a Constituição e a Lei 9296/1996?
  14. n) É justo ficar parado o processo contra Moro por dois anos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para apurar se houve eventual crime com os vazamentos? A justiça que tarda, falha?
  15. o) É lícita a apropriação do auxílio moradia a quem tem residência oficial na cidade onde trabalha? A Lei Orgânica da Magistratura, Art. 65 – II, não proíbe isso?

O caso do “triplex” enseja perguntas também ao TRF 4, para saber se a Justiça é justa:

  1. a) Podem desembargadores antecipar decisão à imprensa, falando fora dos autos?
  2. b) Podem desembargadores passar um processo na frente de outros 200? Qual a justificativa?
  3. c) É comum três desembargadores chegarem a dosimetria única, com todos imputando a mesma pena aumentada a Lula, condenando-o e evitando embargos infringentes?

Questões como essas são levantadas dentro e fora do País, deixando a Justiça em situação delicada. Se é essa a Justiça que alguns brasileiros exigem, entendo que não se amparam na ordem legal. Apesar dos pesares, tenho apreço pelo vigente ordenamento jurídico e penso que agir à revelia dele atualmente é temerário ao mínimo de democracia construída.

Em relação ao “triplex”, considero que Moro não agiu como recomenda o referido ordenamento e o TRF 4 confirmou, sinalizando que não parece ser jurídico o processo contra Lula, mas político, o que está em desacordo com a constitucional institucionalidade da tripartição dos poderes (Art. 2º). Se alguém Judiciário ou do Ministério Público quiser “fazer política” parlamentar ou executiva, que se candidate, pois se eleito será legítimo e justo!

 

Marcos Francisco Martins

Professor da UFSCar e pesquisador do CNPq