Mari Moraes: 'Carta ao Papai Noel'

Mari Moraes

Carta ao Papai Noel

Olá, Papai Noel! Hoje não vim lhe pedir presentes; apenas quero lhe fazer uma pergunta: ‘Você realmente existe?’.

Esses dias eu te vi numa loja; você estava tirando fotos e distribuindo doces. Ao seu redor haviam várias crianças… Pensei seriamente em entrar, mas logo em seguida, desisti. Todas as vezes que entro numa loja, o pessoal de lá começa a me olhar estranho, comentam umas coisas e às vezes até me perseguem disfarçadamente durante o meu percurso. Sei lá, será que é pelo meu chinelo furado ou pelo meu jeans rasgado? Mamãe sempre diz que é porque eles me acham importante. Eu prefiro acreditar na mamãe, afinal, ela é minha mãe; ela sabe de tudo.

Outro dia na escola, a professora nos passou um filme relacionado ao Natal, e novamente lhe vi, Papai Noel; mas desta vez na TV. Você estava entregando os presentes de Natal e as casas das crianças que recebiam os presentes eram tão bonitas que pareciam ser mágicas. Bem diferente das que vejo em meu bairro; na verdade, bem diferente da minha.

Em casa, perguntei a mamãe porquê você não vinha aqui em casa; ela então me respondeu que é porque não temos chaminé para você descer. Eu concordei com ela, afinal ela é minha mãe; mas pensei comigo mesmo:  ‘Se fosse por esse motivo, por que então os meus amigos recebem presentes no Natal? Que eu saiba, nenhum deles têm casa com chaminé…’.

Quando converso com meus amigos, a maioria diz que recebeu presentes do Papai Noel; eles ainda enfatizaram que mereceram ganhar, pois foram bonzinhos o ano todo. Eu fiquei pensando: ‘Devo ser um menino ruim, afinal, jamais ganhei um presente de Natal.’. Então lembrei-me de que meu amigo Joãozinho não é um menino bom, porque ele vive a atormentar os colegas da classe e a professora e mesmo assim ganhou um carrinho de presente.  Será que o problema é comigo, Papai Noel?

Resolvi então conversar com o meu pai. Perguntei-lhe o motivo do Papai Noel não vir me visitar e trazer presente; percebi então que meu pai se entristeceu e uma lágrima caiu de seus olhos; ele calou-se. Eu então o abracei e disse que estava tudo bem, que eu finalmente havia entendido que o Papai Noel não existe e que meus amigos inventavam tudo aquilo, assim como nos filmes que passavam na televisão. Meu pai simplesmente levantou a cabeça e respondeu que a nossa realidade era diferente, mas que um dia o Papai Noel apareceria para mim. Eu apenas concordei e disse que precisava dormir, porque já era tarde e eu estava com sono; a verdade é que eu percebi que ele estava triste, então precisaria repousar.

Sabe, Papai Noel? Outro dia vi no jornal da TV que você estava passeando de trenzinho pelos bairros da cidade. Vi crianças alvoroçadas ao seu redor e você todo feliz a cantar e a entregar presentes junto com seus ajudantes. O trenzinho era lindo, cheio de luzinhas coloridas. Eu queria estar lá. Mas sabe, Papai Noel? Pela primeira vez terei que discordar da minha própria palavra dita ao meu pai ontem, porque você realmente existe sim;  nos bairros que tem os padrões de casas parecidas com as que eu vi na TV; você só atende às criancinhas que entram arrumadinhas nas lojas e você só entrega presentes para as crianças cujos pais podem comprá-los.  Então, Papai Noel; você existe sim. Você só não existe para mim.

(Carta de Lucas, escrita pela mamãe Rose.)

 

Mari Moraes

 

 




Mari Moraes: "Cansei de ser 'sexy'''

Mari Moraes

Cansei de ser ‘sexy’

Cansei de ser vista como um objeto de consumo,

Como um alguém que só chama a atenção pela beleza,

Um alguém que atrai olhares para todo o seu corpo,

Um símbolo sexual para muitos homens,

Mas que ninguém se importa com o seu interior,

Com o que realmente é por dentro;

Uma mulher com um rosto fascinante e um corpo deslumbrante,

Mas ninguém sabe amá-la pelo que ela é de verdade,

Uma mulher sensual, porém romântica,

Mas ninguém vê isso…

Só me vêem como uma mulher bonita, atraente, sensual,

Não se importam com o que realmente penso, o que realmente quero,

Atrás desse rosto e desse corpo, vive uma mulher…

Uma mulher que também tem sonhos,

Que sonha com um amor verdadeiro,

Mas ninguém vê isso…

Só querem me mostrar por aí como se eu fosse um troféu,

Um alguém que ele conseguiu ter nas mãos,

Uma mulher bonita, atraente, sexy…

Por isso cansei de ser vista dessa maneira,

Cansei de chamar a atenção só pela minha beleza,

Quero ser uma pessoa autêntica,

Uma pessoa de opinião!

Cansei de ser sexy…

Vou mostrar como sou interiormente,

Quero ser atraente, no meu modo de pensar,

Bonita nos sentimentos e sexy na inteligência!

Cansei de ser sexy…

 

Mari Moraes

 




Mari Moraes: 'Coronavírus'

Mari Moraes

Coronavírus

Oi,

Talvez você não me conheça,

Mas eu farei parte da sua vida por um longo tempo,

Seja diretamente ou indiretamente.

Sou aquele que chega como um rio avassalador,

Que entra nos lares mesmo com as portas fechadas,

Que viaja por vários países sem precisar de passaporte,

Que entra na vida das pessoas sem ser convidado

E permanece por um longo período,

Muitas vezes até eternamente.

Eu não faço distinção de pessoas,

Gosto de todos gêneros, cores e idades,

Mas tem um grupo que eu gosto mais,

Um grupo que a sociedade chama de “alto risco”,

Esse me fascina, me domina e me faz sentir mais potente,

Porque eu entro neles e consigo obter um controle maior,

Deixando-os mais debilitados e mais propensos ao seu fim.

No entanto, tem um grupo denominado de “assintomáticos”,

Pelo qual eu participo de uma forma mais tímida, mais escondida…

E eu gosto disso, pois posso passear por vários lugares sem ser identificado,

Inclusive tendo uma chance maior de disseminação.

O único problema dessa categoria é que a maioria consegue se livrar de mim.

Eu gosto de chegar causando na vida das pessoas,

Mexer com o interior delas, mudar seu humor, sua rotina,

Sua maneira de respirar, de se concentrar e até de se movimentar,

Porque nada melhor que uma cama né? Principalmente se for de hospital,

Daí eu me fascino!

Todavia, preciso desabafar que tem uma coisa que me deixa irritado,

O chamado “isolamento social”… Esse eu detesto,

Porque não me permite andar livremente por aí e conhecer mais pessoas

Esse negócio me proíbe de continuar vivendo

E pode até acabar comigo por definitivo.

Ainda bem que tem bastante pessoas que não cumprem,

Assim eu posso continuar sobrevivendo por aí,

Conhecer mais pessoas e até sofrer mutações ao longo da vida,

O que me permite ficar cada vez mais forte e sem remédio contra mim.

Por falar nisso, tem uma classe chamada de médicos e cientistas,

Que querem descobrir uma morte para mim, a chamada “cura”

Eles ficam estudando para tentar acabar comigo,

Achar medicamentos e vacinas para pôr um fim a mim

E isso não é legal… Por que senão como conseguirei continuar vivo?

Como conhecerei mais países?

Como levarei mais pessoas ao sofrimento e até mesmo ao seu fim eterno?

Quero continuar vivendo livremente por aí

E continuar afetando as pessoas na saúde, no trabalho, na educação e no financeiro.

Mas e então?… Já sabem quem sou eu?

Eu possuo vários nomes, como Coronavírus  ou Sars-Cov-2,

Pode me chamar do que quiser, do que preferir,

Só me deixe continuar vivo e quem sabe até te conhecer pessoalmente,

Fazer um contato mais íntimo com seu interior

Conhecer familiares, amigos e até desconhecidos.

Continue a brigar pelo fim da ciência, da medicina

E faça uso da aglomeração, pois quanto mais fizer, melhor será pra mim.

Com carinho,

Coronavírus

 

Mari Moraes

 

 

 

 

 

 

 




No ROL, mais uma colaboração de Primeira Grandeza: a poetisa Mari Moraes!

A poetisa e professora sorocabana Mari Moraes é pós-graduada em Literatura Infantil e ludopedagogia e graduada em Letras Português/Inglês e Pedagogia

A Família ROLiana continua crescendo! Em quantidade e, sobretudo, sensibilidade!

Mari Moraes é pós-graduada em Literatura Infantil e ludopedagogia e graduada em Letras Português/Inglês e Pedagogia. Atualmente atua na área da educação como professora de ensino básico I na rede municipal de Tatuí.

Participante de saraus literários e eventos culturais envolvendo a arte, a educação e a literatura com poesias de sua autoria e seu livro autoral acadêmico com ênfase na literatura infantojuvenil e nas temáticas adolescentes como a bulimia, a homossexualidade e a separação dos pais na adolescência, intitulado “Análise temática da série juvenil Pretty Little Liars – Aproximação e Ensino” (2018).

É, também, participante de banca examinadora de trabalhos de conclusão de curso da Universidade de Sorocaba (Uniso) e foi palestrante da 32° Semana de Letras da referida universidade devido ao lançamento do seu livro acadêmico.

Atualmente está com projeto de pesquisa relacionado ao gênero na literatura infantojuvenil.

Mari Moraes inaugura sua colaboração no ROL com um poema atualíssimo e altamente reflexivo: ‘Bala Perdida‘!

BALA PERDIDA

Bala perdida no meu peito,
Feriu meu coração,
Ruas da cidade,
Bares, lanchonetes e mercados,
Favelas, morros e bairros luxuosos,
Ninguém está livre da violência,
Ninguém está livre do mundo que construímos.
O que será de nossas crianças amanhã?
Será que elas ainda existirão?
Será que nós ainda existiremos?
Bala perdida em minha cabeça,
Feriu a minha mente,
Fazendo-me pensar num mundo totalmente mudado;
Violência na própria escola,
No próprio trabalho, no próprio lar em que vivemos.
Desemprego aumentando,
A fome apertando,
O dinheiro acabando,
Onde  estão as nossas famílias?
Onde está a nossa paz? A nossa alegria?
Bala perdida em minhas mãos,
Feriram meus dedos,
Eu vi meu trabalho e tudo que conquistei,
Acabar naquele momento, em minhas mãos
Ensanguentadas com o sangue de minhas veias,
Tudo que suei, tudo que lutei para conseguir,
Toda a vida digna que dei a minha família,
Todo amor e carinho que construí,
Toda a minha história feita com amor,
Tiraram de mim a minha vida…
Bala perdida no meu coração,
Feriram meus sentimentos,
Crianças sem um lar, sem uma família,
Pedindo esmolas nas ruas,
Enrolando-se em folhas de jornal e as fazendo de cobertor,
Necessitando de carinho, de atenção,
De um gesto de amor, de compreensão,
Idosos que nunca mais tiveram um lar,
Abandonados pela sua própria família,
Pessoas sem  tempo, nem para dar um último suspiro…
Bala perdida no mundo,
Feriram todos nós,
Trouxeram a guerra,  a violência,
A mortalidade infantil e muitas outras dores,
Uma brutalidade sem igual nos próprios corações,
Uma vida sem destino, sem rumo.
Perdidos estamos,  neste mundo,
Sem paz, sem abrigo, sem luz!
Com medo, vivendo uma terrível realidade,
Aceitando tudo e se calando para o mundo.
Bala perdida no ser humano…
Até onde mais iremos chegar?!…