Pedro Israel Novaes de Almeida: LAMA IDEOLÓGICA
A tragédia de Mariana ocupou e ainda ocupa manchetes em todo o mundo.
Biólogos e engenheiros cuidaram de explicar as causas objetivas da tragédia, discutindo a extensão temporal e geográfica dos danos. Outros profissionais demonstraram o lado social das perdas, com grande número de vítimas, sobreviventes ou não.
Como sempre, a questão ideológica acabou polarizando a discussão, com seus sabores e dissabores, raciocínios lógicos ou meros chavões. Empresários menosprezaram os riscos da atividade, não precavendo eventuais desastres, e o conjunto de órgãos oficiais, incumbido constitucionalmente do dever de precaução, acompanhamento e fiscalização, foi solenemente omisso e imprevidente.
Não foi o capitalismo selvagem quem causou a tragédia, até pelo fato dos governos estarem dotados de poderes suficientes à normatização das atividades produtivas, retirando o aspecto selvagem do já ancestral e remoto capitalismo que fazia de suor e sangue lucro.
Em casos da espécie, pode ocorrer o encontro de empresários selvagens com governos corruptos ou omissos, perfazendo um cenário de tragédias. Em tal contexto, mesmo que a empresa persistisse estatal, jamais privatizada, o desastre persistiria possível, pois os governos corruptos e omissos tampouco fiscalizam a si próprios.
Os erros e omissões oficiais surgem, por inteiro, quando de tragédias como a da boate Kiss, que ceifou centenas de vidas. Na ocasião, juras e desculpas inauguraram uma caça às bruxas, em estabelecimentos do gênero. Alguém, por mais insano que pareça, pode afiançar que todos os estabelecimentos noturnos, que reúnem multidões, tornaram-se seguros ?
Foi iniciada uma corrida pela aplicação de multas à Samarco, e iniciados os sempre morosos processos de responsabilização pessoal dos dirigentes da empresa. Que caminho começou a ser trilhado, no sentido de responsabilizar gestores e funcionários públicos, que por ação ou omissão colaboraram para a tragédia ?
Mais uma vez, o legislativo brasileiro foi flagrado discursando e negociando, enquanto uma bomba era montada, na região de Mariana. Que capilaridade social possuem partidos incapazes de perceber, e sindicar, laudos e posicionamentos alertadores, do Ministério Público, lideranças sem mandatos e naturalistas ?
Os empresários não constituem clones, e a maioria é incapaz de submeter a vida alheia a riscos, pelo simples motivo do lucro. A ganância tem limites, impostos pela integridade pessoal e ação cogente de normas.
Erram os empresários, restando-lhes prejuízos e vítimas. Erram os governos, restando-nos a todos os prejuízos, como vítimas de sempre.
Outras Marianas virão, alimentando discursos e promessas jamais cumpridas, enquanto processos seculares seguirão seu rumo. Não será, ainda, desta vez, que ostentaremos a bandeira da civilidade.
pedroinovaes@uol.com.br
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.