Cláudia Lundgren: 'Óculos escuros'

Claudia Lundgren

Óculos escuros

  Uso óculos escuros, porque desejo ir ao sol. Porque meus olhos sensíveis não suportam bem a claridade. A luminosidade da tv, os faróis, tudo isso faz minhas vistas avermelharem-se. Evito as notícias, e a vertigem que me invade com a mescla das luzes noturnas nas avenidas movimentadas.
Uso óculos escuros porque choro, e desejo esconder o inchaço de mim. Para quê mostrar aos outros o meu pranto? Enquanto oculto meu úmidos olhos, abro um largo sorriso. Assim me faço camaleoa, mudo a pele. O inchaço das injustiças, desigualdades, do viver em um mundo cão. O inchaço que explode e se transforma em um rio de lágrimas no vai e vem silencioso e camuflado das lentes.
Uso óculos escuros porque tenho negras olheiras. Porque tenho bolsas e marcas do tempo. As paixões desenfreadas, as crises de ansiedade, o filho que não chega, a prova da faculdade, a revisão do livro, a inspiração tardia, a despensa vazia, a luz cortada. O sim, o não, o talvez. A insônia, por tudo isso, me deixou marcas, quase da cor das minhas lentes escuras, com elas, felizmente, confundindo-se.
Uso óculos escuros porque é charmoso. Porque confere ao rosto um status misterioso e enigmático.
Uso óculos escuros porque sim. Porque quero, sem dar maiores explicações.
E por favor, não julgue o ser humano que vai por trás das lentes. Não deseje saber os motivos pelos quais alguém as usa em dias nublados. Não inveje o “Ray-ban” de ninguém. Mas, se porventura você quiser os meus, lhe empresto!

Claudia Lundgren

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