Inutilidade dos trabalhos de fim de curso

Orlando Ukuakukula: Artigo ‘Inutilidade dos trabalhos de fim de curso’

Orlando Ukuakukula

Afirmamos, categoricamente, que este texto é nossa produção pessoal. Nossa reflexão, que a trazemos para partilhar.

Concebemos a educação como sendo o meio através da qual o homem é transformado e, consequentemente, transformador. Aliás, este é o fim último dela: a transformação. Nesta ordem de ideia, já sabendo que a educação transforma o indivíduo, as questões que se levantam são as seguintes: o indivíduo, depois de transformado, transforma o quê? Com o quê ou como?

As respostas, no fundo, ficam evidentes. O indivíduo deve ser, durante a sua formação, um ser pensante; aquele que toma decisões e age por conta própria, aquele que produz, embora, às vezes, sob direcção do seu orientador, o professor, que se considera ter, pelo menos, mais experiência que ele.

Assim, “findo” o processo de formação, neste particular, de nível superior, é-lhe colocado à prova sobre o que pensa e como pensa, avaliado por pessoas idôneas, no que a ciência diz respeito, sobre o problema que o estudante viu e que pretende resolver, no seu TFC, como contributo digno de um cidadão.

É aqui em que a educação deve(ria) se enriquecer, pois, os TFC’s são propostas de solução dos problemas educacionais, e não só, de qualquer outra esfera da sociedade. Logo, percebemos que o indivíduo pode transformar, com o seu pensamento, partilhado nestes trabalhos, a sua comunidade, município, província e, pela dimensão do trabalho, o país no geral. É neste entretanto que a negação da aplicabilidade destes trabalhos resulta, também, na instabilidade da própria educação e, concomitantemente, na continuidade dos problemas sociais, pelo que se carimba, nestes termos, a inutilidade destes trabalhos.

Um TFC, ao nível em que abordamos, é um desafio para o governo, no geral, e para o ministério de tutela, no particular. Desafio na medida em que chama à atenção para se partir à uma avaliação e acção. A ausência desta aplicabilidade desencadeia um retrocesso ou mesmice no país, em geral.

Este retrocesso e mesmice é evidente em Angola, o que nos fez acreditar que exista a falta de interesse a quem de direito, e o que nos levou a confirmar que existe uma certa inutilidade dos TFCs, ou seja, os TFCs não prestam para nada em Angola, senão para enfeitarem as prateleiras das faculdades desta circunscrição e empoeirarem ali. Um país em que na educação não existe uma comitiva de fiscalização para acertos de aplicabilidade dos TFCs para solução de determinados problemas sociais é, deveras, um país doente.

Isso expõe a percentagem de importância que se dá neste sector, bem como expõe a desvalorização do indivíduo-académico. A título de exemplo, reclama-se, e até já ouvido pelo próprio presidente da república, João Manuel Gonçalves Lourenço, sobre a incapacidade de produção textual por parte dos estudantes, e a isso acrescenta-se o caso da leitura.

Embora seja escasso, mas a pergunta é: quantos trabalhos, a nível da licenciatura, mestrado ou doutoramento abordam sobre soluções desses problemas? Que interesse já houve na sua aplicabilidade? Que discussão se teve em relação aos trabalhos com solução dessa natureza? Queremos crer: as soluções estão aí, à vista, mas o interesse está à falta. Repetimos: os TFCs são inúteis, pelo menos no nosso contexto.

Há pouco interesse em discutir sobre isso e, portanto, Angola, neste aspecto, que é pilar principal de qualquer país, se considerarmos que o desenvolvimento de um país depende do contributo dos seus cidadãos, continuará a andar de patas para o ar e cabeça para baixo. E, deste jeito, a ciência nunca será disputada, e os trabalhos do fim do curso continuarão sendo apenas um requisito de obtenção de títulos, já que nunca são valorizados como deviam.

A nível do doutoramento, temos a obra-tese de Panzo, publicado em 2019, referimo-nos ao “Português Língua Segunda em Angola”, uma proposta metodológica do ensino do português neste território, que, fruto da leitura que dela fizemos, tendência, com as estratégias, ali, apresentadas, resolver o problema da escrita e da leitura.

Temos, ainda, a obra de Undolo “A Norma do Português em Angola”, uma obra-tese em que se traz a discussão da variedade do Português em Angola, na perspectiva de passarmos já a olhar com outros olhos a peculiaridade do português neste território, pois, a cegueira a isso, se traduzirá no insucesso escolar, no que a Língua Portuguesa, enquanto disciplina e meio de ensino – como atesta a Constituição da República – diz respeito; “Umbundismos Lexicais no Português de Angola: Proposta de um dicionário de Umbundismos”, de Costa.

A nível da licenciatura, embora sejam recentes, mas já podemos avançar, temos, ainda, trabalhos como “Vocabulário de Especialidade da Medicina Tradicional em Angola”, de Ukuakukula e Bilhete, “Léxico de Especialidade da Política Angolana”, de Ângelo, Balduíno e Muacaputo, “A Ressignificação da História por meio do Conto”, de Marcelo e Mártir, só para citar.

As discussões desses ofícios ou, pelo menos, o interesse de aplicabilidade desses trabalhos (os já antigos) onde ficaram? Que estratégia o estado usa para tornar úteis esses trabalhos? Até ao ponto em que estamos, fruto da ausência de práticas destes trabalhos, podemos dizer que andamos mal, ou melhor, muito mal.

Talvez nos perguntariam: como sabemos que não estão a ser aplicados? Temos uma resposta acima: a prática fala mais que a teoria. Os problemas continuam os mesmos, mesmo com o número de formados existentes. A título de exemplo, na educação, no que os programas de língua portuguesa diz respeito, não há modificação significativa.

Para terminar, as negligências com o fim último da educação fotografam o tipo de país que temos e, invertido o quadro, fotografariam o tipo de país que pretendemos ter. Portanto, mais uma vez, fica exposta a falta de vontade política, a desvalorização dos TFC’s e, consequentemente,  desrespeito pelos académicos.

As utopias continuam a se afirmar, e sonhos se vão sonhando em perpetuação. Mais do que meros trabalhos, teriam outros olhos: os TFC’s são discussões de pessoas comprometidas com o país.

Orlando Ukuakukula

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Orlando Ukuakukula: "Dialogismo de Intervenção Social entre ‘povo no poder’, de Azagaia e ‘Noites de Vigília’, de Boaventura Cardoso"

Orlando Ukuakukula

Dialogismo de Intervenção Social entre ‘povo no poder’, de Azagaia e ‘Noites de Vigília’, de Boaventura Cardoso

Este texto está voltado a uma análise de enunciados que se verificam na música “Povo no Poder”, de Azagaia e na obra literária “Noites de Vigília”, de Boaventura Cardoso, que consideramos enunciados de intervenção social, por isso, constituindo o corpus de estudo do texto. Os textos dos autores em causa dialogam, na medida em que, enquanto músico, do estilo RAP, acrónimo de Ritmo Arte e Poesia, Azagaia canta Áfrika, numa vertente de intervenção social e, Cardoso, enquanto escritor de obras literárias, cita-se “Noites de Vigília”, intervém, com suas produções, nos problemas da sociedade. Aliás, para nada serviria uma obra literária se não se assentasse e acentuasse na sociedade.  O diálogo das duas artes parte do título de cada uma. Cardoso propõe que o povo faça vigília, como forma de reivindicação dos direitos. Senão, vejamos: “é inadmissível que depois de termos dado o corpo ao manifesto, ninguém nos ligue nenhuma” (Cardoso, 2013 p.30). Azagaia, no mesmo compasso, propõe manifestação: “Já não caimos na velha história, saímos pra combater a escolha. Ladrões, fora! Corruptos, fora! Gritem comigo pra essa gente ir embora” (Azagaia). Daí  o título “povo no Poder”. Dois exemplos de dialogismo de intervenção social nos respectivos enunciados dos artistas.

Azagaia, pseudônimo de Edson da Luz (que Deus o tenha), “é” um músico de nacionalidade moçambicana, propriamente da província de Maputo; ao passo que Boaventura Cardoso é um escritor angolano. A ousadia de uni-los neste texto para um estudo dos seus enunciados-discursos, justifica-se pelo facto de considerarmos, em primeiro lugar, dois africanos, que pressupõe um casamento de ideologias e, em segundo lugar, mais forte ainda, por Moçambique apresentar quase as mesmas características de estilo de vida que Angola, ou seja, os dois países, tornados independentes na mesma época (1975) apresentam um sistema de governação alavancados pela Frelimo, naquele, e MPLA, neste, caótico, como é verificável tal afirmação nas intervenções reivindicativas do músico e do escritor.

A simbiose da análise, juntando a literatura e a música, justifica-se em Furtado:

“A relação entre a música e a literatura é tão antiga quanto essas duas formas de expressão artística. Desde a Antiguidade o texto literário adapta-se à música, bem como a música adapta-se ao texto literário, mais precisamente, à poesia. A poesia mélica (musical, harmoniosa) ou lírica era acompanhada por instrumentos musicais diversos (lira, cítara e flauta) e cantada por uma só pessoa (lírica monódica) ou por um coro (lírica coral)” (Furtado, 2010 p. 7).

Na sua música, Azagaia poetiza os seguintes versos:

Sobe o preço do transporte/ sobe o preço do pão

Deixam o povo sem norte/ deixam o povo sem chão

Esse governo não se emenda mesmo, não

Ao passo que, na sua narrativa, através do narrador, Cardoso diz:

Quinito olhava vagarosamente para as mercadorias expostas. Lata de leite em pó, de conservas, de refrigerantes e cervejas, garrafas de vinho, de uísque, detergentes de várias marcas, comparava os preços e concluia rapidamente que o dinheiro que tinha era um nada que não dava para nonadinha (Cardoso, 2013 p. 7).

O diálogo, nos dois textos, é denunciado na insuficiência financeira do povo, até para adquirir bens alimentares, ou seja, o custo de vida das duas realidades é posto em evidência.

“A língua tem propriedade de ser dialógica e os enunciados são proferidos por vozes, pois o discurso de alguém se encontra com o discurso de outrem, participando, assim, de uma interação viva. Portanto, o dialogismo não se resgtringe ao diálogo face a face, mas a todo enunciado no processo de comunicação manifestados em diferentes dimensões” (Backhtin).

Azagaia depois de, durante a música, se expressar sobre a nessecidade de grupos para a manifestação, e propor o povo tomar o poder, alarga a ideia e continua:

Aviso-vos, senhores, que terão pela próxima

O Norte, o centro, o Sul, Moçambique

Isso dialoga com a outra passagem da narrativa de Cardoso:

Temos que fazer qualquer coisa em defesa de nós mesmos e das nossas famílias. Se não formos nós a lutar pelos nossos interesses quem há de lutar (…)? (p. 18)

Agora, o diálogo consiste na ideia de uma manifestação em massa, uma forma de intervenção social, para exigir do(s) governo(s) aquilo que é do direito do povo.

Continua Azagaia:

Povo, exijam os vossos direitos

Não se deixem maltratar nos chapas.

Chapeiros, vocês são povo também

O povo paga impostos para ter direito a transporte

Chega de tanto luxo, tanto dinheiro gastos à viagens, hoteis, mercedes, palácios

Avança Cardoso:

Os ricos estão cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais miseráveis (ibidem).

Enfim, a luta continua e, portanto, das várias formas de manifestação:

“A literatura e a música são das manifestações artísticas mais expressivas para a assertividade cultural de qualquer povo. A música em toda a parte está presente e, talvez com argumentos antropológicos mais agudizados nos arquipélagos torna-se uma vivência, diria, omnidisciplinar e, por conseguinte, fonte inevitável de consulta disciplinar. (Furtado, p. 4).

E, citando Hamilton (1999) “uma obra  literária de qualquer sociedade e de qualquer época ou apoia ou contesta o regime vigente”.

Orlando Ukuakukula

 

 

 

 

 




Orlando Rafael Ukuakukula: "O questionamento dos ganhos da independência de Angola na narrativa ‘Noites de Vigília’, de Boaventura Cardoso"

Orlando Ukuakukula

O questionamento dos ganhos da independência de Angola na narrativa ‘Noites de Vigília’, de Boaventura Cardoso

Noites de Vigília é, felizmente, a obra que, até nesta data, mais me cria prazer de sobre ela abordar. Sinto-me condenado a fazê-lo. Tem sido prova, por me despertar em relação às várias situações do país, do adágio segundo o qual “quem lê um livro não é a mesma pessoa”. Cardoso transformou minha forma de ver Angola pela brilhante realidade ficcionada do imaginário que cria na sua obra. Desta vez, a condenação da minha análise estará voltada nas marcas que demonstram uma INDEPENDÊNCIA FALHADA, a começar a análise nos paratextos que, com todo conjunto textual, justificam o título da obra.

Considero, em relação à literatura, mais especificamente obras literárias, que nela tudo merece atenção, inclusive um simples risco que possa aparecer na capa. E é exatamente na capa da obra Noites de Vigília que começaremos a nossa análise, como sinônimo de respeito, pedir licença antes de entrar (no texto).

“A etmologia da palavra «paratexto» remete-nos para aquilo que acompanha o texto (para = junto a); ou seja, assinala a direção, intenção e objectivo de atingir um destinatário: o texto” (Matos, 2012).

O paratexto é, então, todo elemento que vai aparecer antes do próprio texto da narrativa. Assim, a capa, a lombada e a contracapa são locais, por excelência, onde se encontram os paratextos, aqui, vamos nos focar na capa.

Três cores, essencialmente, se destacam na capa de “Noites de Vigília”: vermelho, amarelo e preto. Não é mera coincidência que isso represente a bandeira de Angola ou, se quisermos, como nos confundem, a bandeira do MPLA, o que implica que, com isso, o autor nos situa, como espaço, o país onde decorreu todo o evento da narrativa e sobre o que narra, bem como ajuda a entender a razão de eu ter delimitado, como o nome “Angola”, no título que ofereci a esta análise. Além disso, o paratexto icónico (imagem), exibido na capa, é de três indivíduos, representando o povo, com as mãos ao ar e pedra, formando o punho, representando uma reivindicação. Aliás, o próprio título da obra é convidativo. “Noite”, indicando trevas ou escuridão e “Vigília” indicando insónia, ou seja, privação do sono durante a noite. Quão é bom e suave dormir quando há sossego! quando a noite chega! Por que não pode o povo dormir depois de alcançar a independência? Significa que, no meu entender, o autor nos chama a despertar, a questionar, a reivindicar o que costumam, em vários corredores, a chamar de independência. Isso é confirmado, agora entrando no texto, nas falas das personagens  e do próprio narrador.

“Quinito olhava vagarosamente para as mercadorias expostas, latas de leite em pó, de conservas, de refrigerantes e cerveja, garrafas de vinho, de uísque, detergentes de várias marcas, comparava os preços e concluía rapidamente que o dinheiro que tinha era um nada que não dava para nonadinha” (Cardoso, 2013).

O parágrafo acima perde lógica se não explicarmos que Quinito, na narrativa, era um antigo combatente, mutilado por causa disso, que lutou para a libertação e independência de Angola, que derramou sangue e que, aliás, lutou no lado do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), actualmente, o governo no poder. Quinito não conseguia comprar nem leite em pó, mesmo depois da independência, que na narrativa, reza o autor, nessa altura, já ter passado vinte e sete anos, desde 1975 a 2003, como confirma o tempo da narrativa.

– um pouco mais animados, passaram então em revista o que a ambos acontecera durante os cerca de vinte e sete anos em que tinham deixado de se ver. Na corrente do tempo, passava o ano de 2003 (pág10).

Independência significa liberdade, autonomia. Carácter de pessoa independente (Tavares at al, 347).

É assim que, no meu ponto de vista, independência traz, consigo, uma nova forma de pensar e ver o país; o desenvolvimento. Traz um “homem novo”, como está marcado no hino nacional. Significa que desde a data que se proclama, todos, independentemente da origem étnica, raça, cor, tribo ou, até mesmo, grupos partidários, começam a sair beneficiados. Todavia, é diferente do que se constata nas falas das personagens em Noites de Vigília, uma narrativa atemporal, histórica, que se diga.

– (…) arrependido, mil vezes arrependido de me ter metido numa luta sem glória (pág 17).

Ou seja, aquele povo do paratexto, na capa, a ser representado por Quinito e Siundo, no texto, porém uma metonimia do todo, arrepende-se, mil vezes, de ter lutado para a libertação e independência: uma consequência. Pois, quem se arrependeria duma luta com ganho? Quem se arrependeria depois de estar livre? Ou será que exite um grupo dos beneficiados e outro dos não beneficiados? O nosso objecto de análise, que  é a obra, responde por ela mesma:

– Quinito, lá perto de Viana onde que morava, vivia numa barraca de papelão que ele próprio tinha construído (pág 19).

– (…) os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis (pág 18)

Volvidos 46 anos de independência de Angola, quase meio século, os problemas que Quinito e Saiundo enfrentam continuam, daí metonimicamente representarem todo povo sofredor que, culpa das lutas político-partidárias, orgulho, egoísmo, falta de amor ao próximo, sede e centralização do poder, desunião, rivalidade, continuam a sofrer.

– (…) o nosso sofrimento não tem cor partidária. O que nos une neste momento é o facto de nos sentirmos excluídos da sociedade (pág 30).

Portanto, Noites de Vigília, através das falas das personagens e do próprio narrador, questiona os ganhos da independência, na medida em que relata, depois de consegui-la, ainda assim, o sofre de um povo que se vê distante de usufruir dos sonhos preconizados, quando confirmado, outra vez, na fala de Quinito:

– “se pressentia que a mudança estava para acontecer, que os sonhos que tínhamos sonhado um dia iam se transformar em realidade, que a canção da liberdade ia ser cantada de mãos dadas por todos nós, os filhos desta terra” (pág 24). A obra nos ajuda a perceber que não há ganho algum com a Angola independente, mas que se há, só alguns usufruem disso. É por isso que, e não menos importante:

– A sociedade tem deveres para connosco. É inadimissível que depois de termos dado o corpo ao manifesto, ninguém nos ligue nenhuma. TEMOS, POIS, DE NOS ORGANIZAR PARA QUE POSSAMOS, JUNTO DO GOVERNO, AGIR EM BUSCA DE SOLUÇÕES CONCRETAS PARA O NOSSO CASO (pág 30). E isso tem liança, diriamos intertextualidade, com que Ukuakukula, na sua obra “Dias de Expiação” através de Costa, expõe: “NINGUÉM FALA POR NÓS. NOSSO PROBLEMA É DO TAMANHO DO NOSSO MEDO; SUA SOLUÇÃO É DO TAMANHO DA NOSSA CORAGEM(…)” (Pag 36).

Orlando Ukuakukula

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cardoso, B. (2013). Noites de Vigília. Luanda: Texto editores.

Matos, J. C. (2012). Gramática Moderna da Língua Portuguesa. Lisboa: Escolar Editora.

Tavares, A. C. (s.d.). o nosso dicionário. Luanda: Plátono Editora.

Ukuakukula, Orlando (2022) Dias de Expiação. Crearte Editora. Sorocaba, São Paulo-Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




Orlando Rafael Ukuakukula: 'O grande desafio'

Orlando R. Ukuakukula

O grande desafio

Duas equipas como aquelas, só em Angola! Magia do Pé Liso Arrasado vs União Interior de Talatona. São as melhores em campo. A primeira, é a equipa do kota Zé, que mesmo deixando de jogar, ainda continua na boca da população. Dizem que ele é quem trouxe as fintas que hoje todos eles usam; só que, infelizmente, por serem as mesmas, já muitos sabem como atacar. As fintas, vêm-se no campo. Todos respeitam os toques que aqueles dão. Kota Jó, um grande ponta de lance, tomou o lugar de capitão em 2017. Hoje, é ele quem orienta a equipa. Dizem ser rigoroso. Desde que chegou, passou o tempo todo a trocar as posições dos seus colegas e colocava mesmo fora das partidas alguns, quer dizer, era o capitão, era o treinador e era tudo, sozinho. Mas as trocas que fazia na sua equipa, todos sabiam que era para baralhar os apoiantes do futebool e tornar ameaça à equipa adversária. A segunda equipa é liderada, hoje em dia, pelo kota Costinha, como é chamado na banda, que mesmo com craques de bola, nunca ganharam nenhum campeonato nacional. Desde mil nove centos e alguma coisa que vêm perdendo, ou melhor, que muitos dos seus golos nunca foram validados. Aparecem pouco, porém, todos sabem que há craques ali, até os da equipa do kota Zé, hoje do kota Jó, sabem. Semanas de feriados prolongados, graças as pontes, era para demonstrar as grandes disputas. Em tudo que era canto de Angola se ouvia falar dessas grandes partidas de futebool, aliás, o mundo à fora apreciava à distância.

Num campo que não é de ninguém, portanto de todos, viam-se as grandes partidas. E porque eram manchetes dos jornais, ficavam ali jornalistas, radialistas e outros istas, que cumpriam um papel de açucarar os jogos, favorecendo uma equipa e desfavorecendo a outra, como sempre, era a do kota Costinha. RNA, TPA, TV-ZIMBO e outros meios de comunicação, nas pessoas dos jornalistas, que afinal eram clacke do kota Jó, por obrigação, para manter o pão das crianças, criavam matérias que sujavam a equipa coitada. Agora que estavam quase na fase do campeonato nacional, os insultos intensificavam. Cada um vinha em televisão e falava um seu mal contra Costinha e o seu elenco, que também só queriam contribuir com o seu talento na bola. Dizia Costinha, nos bastidores, que era ameaçado, perseguido, aliás, que nessa fase mesmo, já tinha sido quase morto de perseguição.

– Mas o campo é de todos. Todos capinamos quando era mata. Todos trouxemos enchadas, pás, vassouras e catanas, inclusivemente. Ou seja, todos fizemos alguma coisa pra que as cobras fugissem e isso ficasse limpo. Hoje só vocês é que podem jogar porque a bola é vossa, ou seja, porque a bola está do vosso lado? – reclamava ele. – já conhecemos os vossos truques e as vossas fintas desde os anos mortos. Já não pegam aqui. Não entra mais golo na nossa balisa! – continuava. – a população, hoje, vai saber que aquelas vossas fintas, que lhes agrada, mas a mata aos poucos, é fruto da imitação do grupo que evacuamos daqui. É uma assombração. Mas não tem makas. Vem aí o grande dia. Tudo vai depender da decisão deles. Como sabemos, vão usar as vossas fintas. Mas já sabemos como vos atacar. E desafio: O campeonato deve ser municipal e os golos devem ser contados ali mesmo.

Nenhuma resposta. Mas o campo já é visto à cor dos equipamentos. Uma grande partida vai começar. Um grande desafio. Talvez jamais vistos.

Orlando Ukuakukula

NOTA:

Kota > da Língua Nacional Kimbundu, “dikota”, que significa “mais velho”. Termo popular. Usado para manter uma relação de intimidade entre um menor e um mais velho.

Baralhar > verbo usado popularmente para significar atrapalhar, estorquir, mentir ou enganar.

Ponte >  no contexto, indica o feriado prolongado, quando este calha numa Terça ou Quinta-feira, acrescentando mais dias de repouso.

Açucarar > verbo usado por parte da população, originado de “fazer ficar doce”, ou seja, usado com pendor pejorativo: “tornar a coisa mais interessante”, que chame atenção. Exagerar.

RNA > Rádio Nacional de Angola

TPA > Televisão Pública de Angola

TV-ZIMBO > Televisão Zimbo

 

Autor: Orlando Ukuakukula

 

 

 

 

 

 

 

 




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Escritor angolano recebe apoio de empresas brasileiras'

Carlos Cavalheiro

“… algumas histórias resultam em uma rede de solidariedade e de colaboração convertendo-se em verdadeiras metáforas dos contos fabulosos”.

Publicar um livro nunca foi tarefa fácil. Especialmente para os escritores iniciantes que, em geral, não costumam receber apoios e nem mesmo a atenção das grandes editoras. Nesse sentido, o autor independente busca alternativas para que a sua criação seja divulgada e conhecida, objetivo maior de uma produção cultural.

No entanto, algumas histórias resultam em uma rede de solidariedade e de colaboração convertendo-se em verdadeiras metáforas dos contos fabulosos. Esse é o caso do escritor angolano Orlando Rafael Ukuakukula, nascido em Luanda, e que recentemente publicou seu primeiro romance “Dias de Expiação”. O inusitado de toda essa história é que o escritor, nascido e residente em Angola, conseguiu esse feito publicando seu livro em uma editora brasileira e recebendo apoios de empresas e de agentes culturais do Brasil.

Essa extraordinária história mantém viva a chama da esperança de que a solidariedade ainda é um dos valores prezados pela humanidade.

O início de tudo           

Orlando Rafael Ukuakukula começou a publicar seus textos no Jornal Cultural ROL, uma iniciativa inovadora surgida na década de 1990 já com a pretensão de se tornar uma referência como portal de cultura na internet (num momento histórico em que esse instrumento estava praticamente surgindo e se consolidando no Brasil). A ideia partiu do jornalista Hélio Rubens de Arruda e Miranda que, como visionário, previu que a internet seria uma potência inestimável de divulgação de informações.

Alguns escritores angolanos começaram a entrar em contato com o jornal ROL nos últimos tempos, especialmente porquanto colaboradores desse veículo de informação também colaboravam com a imprensa angolana, como é o caso do escritor e historiador sorocabano Carlos Carvalho Cavalheiro que escreve para o Portal Marimba Selutu.

Em contato com o editor do Jornal ROL, Sergio Diniz da Costa, o escritor Orlando Ukuakula comentou que seu sonho era a publicação de um livro. Esse foi o primeiro passo para que Sergio Diniz estreitasse os laços de Orlando com a editora Crearte, localizada na cidade de Sorocaba, estado de São Paulo. A Editora Crearte, ao receber essa informação, se dispôs a auxiliar na concretização desse sonho. Nesse sentido, a proprietária da Editora, Míriam do Carmo Rangel compartilhou com os escritores Élcio Mário Pinto e Adriana da Rocha Leite que imediatamente se predispuseram, por meio da empresa Lexmediare, em apoiar a publicação de cem exemplares do livro de Orlando Ukuakula.

O sonho do escritor angolano estava a se consolidar amiúde. O romance “Dias de Expiação” recebeu ainda a cuidadosa revisão do casal de escritores Élcio Mário Pinto e Adriana da Rocha Leite.

“A Crearte Editora vibra nesse momento por fazer parte da realização do sonho de Orlando Ukuakukula (primeiro livro do escritor, primeira publicação da Crearte além-fronteira, como ele o diz), por saber que esse tipo de sonho (a escrita), movimenta forças que são bem maiores do que nós e que, juntos, sempre podemos fazer mais e melhor. O que desejo deixar aqui é a palavra Ubuntu (Eu existo porque tu existes), ou seja, todos somos um”, resume a proprietária da Editora, Míriam Rangel.

Uma pedra enorme no caminho 

            Mas essa era apenas uma parte da realização do sonho. Impresso o livro, teria de atravessar o Oceano Atlântico para que pudesse chegar às mãos do autor. O sentimento inenarrável do prazer que todo autor tem ao ver pela primeira vez em suas mãos o livro impresso ainda teria de esperar o seu momento.

Ocorre que o custo do transporte desses exemplares para Angola é infinitamente mais caro que a própria impressão do livro! Chegou-se a esse impasse, que beirou à frustração. Parafraseando o poema de Carlos Drummond de Andrade, havia uma pedra no caminho.

Mas a insistência e a força dessa rede de solidariedade não deixariam o sonho morrer assim, depois que ele ganhou carne. Não. Fazer esses livros chegarem às mãos de Orlando era o objetivo que não seria abandonado.

Por intermédio da Editora foram feitos contatos com diversas empresas de transportes. A maioria surtiu em negativas, até que Thalyta Alvim, da empresa DHL Express trouxe a boa nova: os livros seriam transportados para Angola!

Sensível à história de Orlando Ukuakukula, o rapaz que tinha o sonho de publicar seu primeiro livro, e dentro de um espírito imbuído de consciência de seu papel social, a empresa DHL Express apoiou o projeto, possibilitando o transporte dos livros até o seu autor.

Nas palavras da a vice-presidente da DHL Express, Patricia Starling,  “Ficamos muito felizes e satisfeitos em poder ajudar. Com a doação do frete esperamos incentivar a leitura que é tão importante para a vida e formação cultural de qualquer indivíduo”.

Orlando Ukuakukula resume sua epopeia – e teria algum termo que melhor se ajustasse a essa história? – “é uma reticência falar da realização do meu sonho pela Crearte Editora, na pessoa de Miriam Rangel, e através dos professores e escritores Élcio Mario Pinto e Adriana da Rocha e, seguir seguindo, Marcelo Corrêa, Gabriela Lopes e Sergio Diniz, e, finalmente, a embaixadora Thalyta Alvim (que fez os livros voarem). São essas as pessoas que participaram activamente no todo processo da efectivação da obra até chegar às minhas mãos, portanto, a realização completa do sonho”.

Como disse um poeta brasileiro do século XIX, Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia livros à mão cheia. E manda o povo pensar!”.

Carlos Carvalho Cavalheiro

08.05.2022

 

 

 

 

 

 




'Dias de Expiação' é o primeiro romance do escritor angolano Orlando Ukuakukula

Com o apoio cultural da Lexmediare – Câmara de Mediação e Estudos Ltda. e da Crearte Editora, Angola e Brasil se unem num encontro literário

Dois colunistas do Jornal Cultural ROL e uma editora de Sorocaba/SP promovem um encontro literário entre Angola e Brasil.

Desse encontro, a edição do romance DIAS DE EXPIAÇÃO, de autoria do escritor angolano Orlando Ukuakukula, com o apoio cultural da Lexmediare – Câmara de Mediação e Estudos Ltda. (Sorocaba/São Paulo), sob a presidência da Adriana Rocha e da Crearte Editora (Sorocaba/SP), de Míriam Rangel.

A OBRA

Conflitos e esperanças, dores, sonhos e descobertas. Das dramáticas condições de sobrevivência para uma possível existência digna, eis o que conduz uma família na árdua luta do cotidiano para resistir, em sentimentos e necessidades, frente às hostis condições materiais de exclusão. Se o mínimo lhes é negado, então, lançar-se para outros cantos buscando por ajuda faz-se condição única para uma vida, minimamente, melhor. Conhecer as intrincadas relações desta persistência nos fará superar o que está por vir, ainda que terrível seja. Nada pode ser  ser pior do que nenhum vislumbre da energia vital que nos identifica. É por isso que a coragem, a união de capacidades compartilhadas e a força para ultrapassar tenebrosos obstáculos forjam a identidade daquele grupo familiar, mesmo que a possibilidade de fracasso total seja uma das condições. Nenhuma tirania sobreviverá à energia que nos moldou em dor, sofrimento e resiliência. Venceremos, não porque suportamos, mas porque resistimos e enfrentamos. Então, como identidade de família e povo, plantaremos dias novos de festa!

Élcio Mário Pinto, escritor.

Sorocaba – São Paulo – Brasil – 12/03/2022

O AUTOR

Orlando Rafael Ukuakukula é natural de Luanda, é formado em Ensino da Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Modernas, pela Escola Superior Pedagógica do Bengo (ESPB), em Angola. É membro do projecto de investigação científica da Variedade do Português em Angola (VAPA); membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola (BJLA) e delegado do município de Cacuaco; colunista do Jornal ROL-Brasil; membro da Academia Intercontinental de Artistas e Petas (AIAP)-Brasil

Profissionalmente, é professor e, nas artes, é escritor, cronista, contista, romancista, poeta e declamador.

Participou, com mérito, do I Concurso Internacional Poético Cultive-2021, realizado em Genebra-Suíça; co-autor da Revue Suisse D’art et Literature Cultive, com o poema ‘pedaços de Nós’.

UM COMENTÁRIO

Sobre o autor e o romance, Filipe Sopite Cambundile, amigo do autor, gravou um depoimento marcado pela emoção: Filipe Sopite Cambundile.

LANÇAMENTO

O romance será lançado nos dias 26, 27 e 30 de maio, das 10h às 12h, na Escola Superior Pedagógica do Bengo (ESPB), Instituto Superior Politécnico Nelson Mandela (ISPNM) e no Marco Histórico de Cacuaco.

Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com o autor, por meio dos números  934 66 53 51 / 952 45 55 71.

Em relação ao Brasil, prevê-se lançar a segunda edição, devendo os interessados contatar a Crearte Editora (15 – 3227-7065 / 15 – 98801-3344.

 

 

 

 

 

 




Orlando Rafael Ukuakukula: 'Revelação' I

Orlando Ukuakukula

Revelação I

 

Um poeta vê inspiração em tudo
Até no coiso
No fio de cabelo
De uma donzela
Indesejada pelo seu esposo

Um poeta vê inspiração em tudo
Vê na planta amarela
Pela capacidade de murchar
E acender como sol
E escreve seu brilho
E lhe esconde como milho

O poeta não quer só rimar
Vê mesmo brilho no milho
Cujas cascas
Lhe inspiram letras de amor
Naquele seu abrir
Que parece um bebé nascer
E sua mãe ver seu filho
E da dor se esquecer
.
Um poeta vê coisas onde não há
Ou onde mais ninguém vê
Vê na água
E na seca
Vê no homem
E na mulher
Vê na terra
E no mar
Vê na luz
E no escuro do luar
.
Um poeta vê inspiração
Nos passos de um camalhão
Que a uma árvore sobe
E escreve o seu atingir ao topo
Pode apenas se inspirar com a água
E não com o copo
.
O poeta pode também se inspirar
Por nada
E por tudo
E quando isso lhe move
Não ouve ninguém
Só seu eu lírico
Torna-se mudo
Cego e surdo
.
Um poeta se inspira por uma música alta
Num volume baixo
O poeta é um adulto bebé
Pode apenas se inspirar com cuspe
Que lhe parece ferver

Enfim
O poeta só sabe viver
O poeta não existe
O poeta é
.
Orlando Ukuakukula
Luanda, 26 de Janeiro de 2022, pelas 18h00, no autocarro