José Coutinho de Oliveira: 'Depois de Platão e Aristóteles, nada.'

Depois de Platão e Aristóteles, nada.

 

Whitehead terá dito uma coisa muito séria: de que tudo o que foi escrito na filosofia depois de Platão e Aristóteles não passa de nota de rodapé, o que dispensa qualquer comentário, corroborando Gálatas 4,4 que diz que na plenitude dos tempos o Pai enviou o Filho.

Hoje felizmente já não nos acanhamos diante dessas realidades pois parece que chegamos ao próton da coisa. Pusemo-nos a enfrentar a tal teoria dos dois mundos: um fenomênico, que vemos e o outro que pensamos, o intelectivo.

Platão a quem ninguém teria superado conciliou Parmênides e Heráclito ao sustentar que o que vemos é o mundo heraclitiano e o que pensamos é o parmenediano.

O primeiro seria o constante devir e o segundo o imutável , o eterno e o uno.

Ele terá dito também que o mundo que se vê é onde mora a doxa, a opinião, a suposição e no invisível a episteme, a ciência.

Platão então ensinava que a realidade está no mundo das ideias, no mundo intelectivo, onde se encontra o númeno, a res ipsa, a coisa em si mesma, em sua concretude. Essa visão de Platão os escolásticos chamaram de conceptualismo, de conceito. Aristóteles discordou e propôs a teoria oposta, o realismo, de res, coisa.

De que é real o que vemos, que os escolásticos terão dado o nome de nominalismo.

Kant talvez ao estudar o mesmo assunto terá lançado o apriorismo, ou seja, de que há conhecimentos adquiríveis através unicamente dos sentidos.

Algo grave todavia que surge nesse debate é a tese dos racionalistas que dizem que os sentidos podem nos enganar surgindo nesse ponto a teoria do empirismo, ou seja, a crença de que só se aprende aquilo sobre o qual meditamos, tese oposta ao inatismo oriunda da teologia da pré existência da alma de Sócrates, ou seja, nessa teoria houve um mundo só espiritual antes do terráqueo. Orígenes, depois Evágrio, a abraçavam.

Kanta realmente escreveu um livro denominado de ” Do mundo visível e do mundo inteligível” (1770).

Para Platão o bem, o agathon, seria ideia suprema surgindo dessa palavra a agatologia, prática que busca um aperfeiçoamento constante.

José Coutinho de Oliveira



José Coutinho de Oliveira: 'Equívoco'

  José Coutinho de Oliveira: ‘Equívoco’

É um equívoco achar que Platão morreu com a crença encontrada em sua obra “República”, diz-se que escrita com o título primitivo de “Politeía”, traduzido por Cícero para “República”. Na primeira parece que a utopia se realizaria numa cidade chamada Calípolis, cidade bela; em sua última utopia “Leis”, Platão então desiste do coletivismo. Podemos confirmar essa reviravolta através das palavras de Aristóteles em seu livro “Política”, livro II, capítulo VII: “Há outras constituições que foram propostas: algumas por simples cidadãos, outras por filósofos e homens de Estado, mas todas elas estão próximas das repúblicas existentes que das propostas por Platão (isto é, uma na República, outra nas Leis).

Recorremos ainda a Aristóteles para constatarmos a diferença entre as duas utopias: transportemos ainda da “Política”, livro II, capítulo VI o trecho que fala de tal diferença: ” Com exceção da comunidade de mulheres e de bens, ele supõe que todo o resto seja igual em ambas as constituições:…”

Pois bem, está aí formada a encrenca, ou seja, o desconhecimento dessa reviravolta de Platão terá gerado os conhecidos conflitos que sobreviriam.

Precavidamente tocamos nesse assunto pois acreditamos que tudo pode ser diferente daqui para frente: abandono do coletivismo platônico da República, abandono esse reiterado por Aristóteles; ensino facultativo com a adoção simultânea dos métodos ultradinâmico semiaberto, audio-orais pictográficos ou ágrafos, este último , onde houver maior carência de recursos; disponibilização do ensino opcional de Latim, Grego e mitologia. O Latim, ao invés de ser exposto como sempre tem sido, ou seja, a partir da teoria e de traduções poderia ser aplicado através de diálogos, da conversação. Para se ensinar o grego talvez precisássemos de um dicionário em caracteres também romanos. Poder-se-ia oferecê-lo também através do método audiovisual, ou seja, com escrita ou do audio-oral ágrafo cujo um dos objetivos seria o de obter velocidade num menor espaço de tempo.

Infelizmente, para o prejuízo da civilização, a maioria dos filósofos que nos antecederam não ficaram sabendo do abandono do coletivismo por Platão em seu livro “Leis”, exceção feita ao próprio Aristóteles, Locke e Adam Smith, esse último que já tinha dezoito anos quando da morte do segundo. Cabe-nos então descobrirmos até que ponto Locke influenciou Adam Smith, fundador da economia.

José Coutinho de Oliveira

Graduado em Letras e Pedagogia




Artigo de Maria Dolores Tucunduva: 'O Conceito de Justiça para Platão e Aristóteles'

Foto FacebookMaria Dolores Tucunduva – ‘O Conceito de Justiça para Platão e Aristóteles’

Introdução

No início de “A Justiça dos Antigos” são apresentadas algumas partes do primeiro e segundo livro de “A República”, de Platão, e do capítulo V do livro “Ética a Nicômaco”, de Aristóteles. No texto de Platão, criam-se duas indagações, em que uma trata da definição do justo e da justiça e a outra questiona se devemos e por que devemos ser justos. A obra, na integra, é dedicada a estas respostas, já que consiste na construção do modelo da “ótima república”. A obra de Aristóteles propõe uma classificação dos diferentes tipos de justiça e as formas à que se aplicam. A distinção feita é a justiça como respeito à lei e a justiça como igualdade. A justiça na distribuição de honras e ônus, de renda e status, é diferente da justiça como aprovação jurídica nos casos em que estão em pauta o dano e a vantagem. Isso, naturalmente, não apenas tem a ver com as distinções entre justiça distributiva, reguladora e comutativa, mas também concerne à complexa relação entre a estrutura da justiça e a virtude ética a ela correspondente. Na ideia do filósofo, a pesquisa sobre justiça deve informar “qual justo meio constitui a justiça e de que extremos o justo é o meio”.

1. A natureza do problema e as questões fundamentais

O sentido de toda a construção do Estado ideal indica abertamente que a comunidade política deve estar assentada na justiça. Se é correto afirmar que a República tenta responder à questão das razões que movem os homens a viver em sociedade, é preciso reconhecer que essa, própria de uma teoria social, se responde somente por meio uma teoria da justiça. Na República, põe-se declarado que a justiça é o componente fundamental do Estado ideal. A justiça é expressão da capacidade do Estado e é ela que assegura que o Estado seja bom e deve ser exercida por cada cidadão, no exercício de suas funções e de acordo com suas capacidades: trabalhadores e artesãos, mulheres e crianças, guerreiros e guardiões, governantes, educadores, filósofos e artistas. Considerando inclusive que a ideia de justiça é a possibilidade da razão na ordem do político, onde as partes constituem uma pura totalidade organizada de acordo com o bem da sociedade.

Grande parte do capítulo é explicada pela utilização de diálogos, retirados da obra de Platão. Em determinada altura da conversa, encontramos os locutores discutindo a relação existente entre a consideração do valor moral da justiça, tema a ser digladiado dentro da história da composição do direito, eis que não se pode confundir justiça com direito, porém pressupõe-se que essa está inclusa neste.

Sócrates possui uma visão idealista da justiça ao discutir com Trasímaco a noção da existência de uma justiça ideal, límpida, sem nenhum vício e, posteriormente, iria declarar uma justiça corrompida por vícios de injustiça. Trasímaco, em contraposição a Sócrates, clamava que justiça é a representação prática da mesma, voltada a realidade, e como se aplicava a sociedade vigente na época.

Trasímaco aparentemente se demonstra conveniente às ideias de Sócrates, porém, após certo tempo, revela estar concordando com ele somente para poder dissipar a discussão. O texto nos leva a acreditar na ideia de uma falsa justiça, pois, em pratica, a sabedoria e virtude elevada por Sócrates em definir justiça, se mostraram ausentes.

Em um segundo momento, Sócrates começa a discutir o conceito de justiça com Gláucon. Este inicia o diálogo propondo a existência de três tipos de bens: o primeiro seria aquele desejado por si mesmo; o segundo, desejado por si mesmo e por suas consequências e o terceiro somente por suas consequências. Daí em diante, o texto consiste em propor sobre em qual tipo a justiça se encontra. Para Sócrates, a justiça está no segundo; para Gláucon, no terceiro.

O oponente de Sócrates cita a lenda de Gyges, um pastor que encontra um cadáver, portando um anel peculiar. Quando coloca o anel no próprio dedo, esse o torna invisível. Sem ninguém capaz de ver suas ações, Gyges passa a praticar várias condutas amorais – seduz a rainha, mata o rei e rouba o trono do seu reino. Sobre isso, Gláucon diz que os homens não desejam a justiça, só a buscam para não serem punidos pelas leis que regulam seus atos.

Sócrates propõe que a justiça deve ser procurada como um bem a ser desejado, como sendo o certo a se buscar, por si mesmo, pelo desejo de realizar o bem. Essa seria a conduta correta a ser seguida. Em seu ideal, diz que a justiça deve ser igualada à aquela exclamada pelos poetas e artistas, como um bem supremo e de infinita beleza.

2. Os modos e os objetivos da justiça

Em “A ética de Nicômaco”, Aristóteles propõe uma indagação a respeito do que realmente significa ser justo ou injusto, bem como discorre sobre os diversos sentidos destes dois opostos e os objetos utilizados para a execução da justiça. Para o autor, o conceito de injustiça materializa-se tanto na figura do transgressor da lei, quanto na daquele que, por qualquer meio, obtêm vantagem de forma ilícita ou mesmo imoral, agindo assim de forma iniqua. Evidentemente em contraponto, existe a figura daquele cidadão virtuoso, respeitador das leis e mantenedor de elevados ideais de moral e ética, visando por meio desta o bem comum e personificando o conceito de justo.

A justiça, portanto, demonstra-se como uma certa forma de virtude perfeita e completa, pois pode servir assim não somente para si próprio, mas também em relação ao outro, sendo assim um bem alheio, dizendo respeito a toda sociedade e não somente ao indivíduo. Aristóteles descreve, de certa forma poeticamente, sobre esta característica como: “a mais importante das virtudes; nem a estrela da noite, nem aquela da manhã são tão admiráveis”. Sendo assim um bem alheio, visto que a justiça é posta como uma forma de virtude, por outro lado a injustiça é um vício, não somente parcial, mas completo, pois, assim como seu oposto, afeta todo o ciclo de convivência do indivíduo que a comete, prejudicando o convívio harmonioso em sociedade.

A justiça é alcançada a partir do momento em que agir de maneira ética se torna um hábito comportamental do sujeito que a pleiteia. O autor defende que agir compactamente de maneira ética é a “receita” para criação de um indivíduo virtuoso – ou seja, justo. A justiça seria dividida em dois métodos principais: a justiça geral e a justiça particular, sendo que esta possui ramificações.

Aristóteles compreendia justiça geral como sendo a pura e simples observação do cumprimento da legislação, por possuírem como objetivo o adimplemento do bem comum e da felicidade geral. É curioso interpretar que o termo “legislação” não compreende apenas a lei positiva, mas também a lei não escrita. Esta seria amplamente priorizada em detrimento daquela, na sociedade grega onde o filósofo se encontrava.

Por justiça particular, o filósofo definia como sendo aquela age com objetivo de igualar as partes envolvidas, subdividindo-se entre justiça distributiva – a simples repartição de bens, segundo o mérito de cada indivíduo – e justiça correlativa. Neste caso, surge a necessidade de envolvimento de um terceiro, alheio às partes, que deve decidir sobre o que cada um tem ou não direito, onde a figura do juiz ditaria o que é justo.

Conclusão

Justiça, sob a ótica dos antigos, possui conceituações diversas da que usualmente se impõe, em tempos modernos, mas as raízes desse pensamento são facilmente avistadas, quando analisadas profundamente. Platão, propondo a ideia de que a justiça é a base de todas as virtudes humanas, não implica que apenas os filósofos (detentores do conhecimento) seriam justos; pelo contrário, seguindo o princípio de “dar a cada um aquilo que lhe é próprio”, utilizado como conceito central da organização de sua república, o autor especifica que uma sociedade justa é aquela onde seus componentes trabalham conforme sua aptidão. Seguindo esse ideal, a própria sociedade, com indivíduos justos, formaria um Estado justo, demonstrando esse viés antropológico que a justiça possui.

A visão aristotélica também apresenta esse elemento antropológico, no sentido de definir o que é justo. A questão de justiça, em “Ética de Nicômaco”, é abordada como uma virtude estritamente humana, não se prendendo em aspectos meramente legais e positivos. Dessa maneira, para Aristóteles, ser justo é uma disposição de caráter e o sentido de justiça não pode ser simplesmente definido em uma terminologia específica.

Referências

 

MAFFETONE, S.; VECA, S. A justiça dos antigos. In: MAFFETONE, S.; VECA, S. A ideia de justiça de Platão a Rawls. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 7-93.