Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Quadro de Incógnita'
Carlos Carvalho Cavalheiro:
‘QUADRO DE INCÓGNITA’
É compreensível, mas não aceitável, a decisão do Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Gilmar Mendes em “não envolver a Justiça para resolução de uma crise política”, quando do seu voto contrário à cassação da Chapa Dilma e Temer.
Na última sexta-feira, dia 9 de junho, o TSE reuniu-se para emitir a decisão sobre o relatório apresentado pelo ministro Herman Benjamin, que solicitou a cassação da chapa que concorreu – e ganhou – as eleições em 2014. Herman fundamentou seu relatório apresentando consistentes provas de irregularidades ocorridas naquela eleição.
Pois bem, na votação do relatório três ministros divergiram dos argumentos de Herman. São eles, Napoleão Nunes Maia, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Com o voto do relator e de mais dois outros julgadores, Luiz Fux e Rosa Weber, fez-se necessário a emissão o “voto de Minerva” emitido pelo presidente do TSE que decidiu pela manutenção da chapa.
Apesar de reconhecer a gravidade dos fatos apresentados nos autos, constantes no relatório de Herman Benjamin, o ministro Gilmar Mendes defendeu que não seria correto utilizar da Justiça para a resolução de uma crise política. Obviamente, entende-se que o ministro Gilmar não quis para si o passivo histórico de ter ampliado a crise que já é sem precedentes.
Por outro lado, o argumento apresentado soa algo estranho. Afinal, se a Justiça não serve para resolver crises políticas, no entanto, é seu dever julgar com isenção e de acordo com as provas levadas aos autos. É essa a garantia que se tem da aplicação da lei dentro de um Estado democrático de direito. O pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes, data vênia (como se diz no jargão jurídico) contradiz os princípios da imparcialidade do julgamento. Afinal, se os fatos apontados são graves e comprovados, por que se isentar de julgá-los? É como se dissesse: “Não julgarei o homicida porque não compete ao Judiciário resolver a questão da violência”.
Na semana posterior ao julgamento, o ministro Gilmar Mendes concedeu entrevistas em que defendeu sua posição dizendo que a cassação da chapa, com conseqüente saída do Presidente Temer, causaria ao Brasil um quadro de incógnita e que, portanto, na visão do ministro, a crise política tem de ser resolvida pelos políticos: “Se quiserem afastar Temer, que o façam pelo Congresso”.
De tudo isso, o que se depreende é que a crise institucional que assolou o Brasil começou desde a “divisão” do Brasil nas eleições de 2014 e na insistência dos políticos em não chegarem a um consenso respeitando as regras da democracia burguesa. Ganhou-se uma eleição, mas não houve vencedor.
O estrago causado por esse embate, aliado aos inúmeros casos de corrupção – noticiados diariamente – que atingem a praticamente todas as cores e bandeiras partidárias, fez com que mergulhássemos numa crise tremenda, da qual não se vislumbra solução.
É fato que não existe hoje uma liderança política capaz de recompor o tecido lesado da nossa política. O descrédito generalizado dos políticos e a falta de perspectiva imprimem à crise cores muito mais tétricas. Sem um nome de consenso – por enquanto – que possa assumir a liderança política do país, é temeroso, de fato, a esta altura, que o presidente seja afastado. Afinal, se isso ocorresse quem iria assumir? Teríamos eleições indiretas, como diz a Constituição? Mas que moral e legitimidade existem hoje dentro do Congresso Nacional para escolher o próximo presidente? Aliás, quem seriam os candidatos? E se mudassem as regras da Constituição e a eleição fosse direta? Bom, mudando as regras de acordo com os interesses do momento, quais seriam as garantias da manutenção da integralidade do restante do texto constitucional?
Talvez seja esse o quadro de incógnitas a que se referiu Gilmar Mendes. Com tudo isso, é de se pensar que não está nos faltando criatividade para recriar uma organização política que de fato atenda aos nossos interesses. Quiçá uma organização que não dependa dos partidos políticos, mas tão somente da vontade voluntária de organização das pessoas interessadas. E em vez de termos crises insolúveis, teríamos o sonho de Malatesta, Bakunin e Durruti.
Carlos Carvalho Cavalheiro
13.06.2017