Rafael Venancio: 'Freud e o teatro'

Rafael Verancio

Freud e o teatro

Decerto, para muitos, é clara a relação entre Psicanálise e teatro. Isso se deve ao fato do conhecimento comum de que Sigmund Freud se valeu em relação à arte para construir seus conceitos e sua metapsicologia. O exemplo mais famoso disso é que o complexo de Édipo é tributário, no limite, da peça de teatro de Sófocles que nos traz o mito tebano.

Foi com essas palavras que comecei o meu livro “Psicanálise lê Shakespeare: Teatro e a Psique Humana em Freud, Jones, Lacan e Green”, lançado em abril de 2021. O texto ali era uma versão ampliada do meu texto “O uso da metáfora shakespeariana na construção teórica psicanalítica”, monografia final de uma das formações em Psicanálise Clínica que tenho.

Para mim, o teatro é o campo certo para o psicanalista. E, atualmente, não sou apenas eu que trabalho com essa ideia. Basta ver os lançamentos recentes dos livros de Antonio Quinet (“O Inconsciente Teatral”) e de Jean-Michel Vives (“O teatro do inconsciente: ou como Freud inventou a psicanálise oferecendo um palco para o desejo”), ambos de 2022.

Por isso, tenho muito interesse nas peças de teatro que possuem Freud como personagem. Antonio Quinet fez bastante disso, inclusive interpretando o pai da Psicanálise no palco com “Hilda & Freud”, que teve temporada tanto no Rio de Janeiro como em Londres, na casa que foi de Freud (atual Freud Museum) em 2013.

Isso me fez, em 2021 também, escrever um livro com microcenas teatrais, que juntas fariam uma peça com atores e um diretor-montador hábil. A ideia era trabalhar a psicanálise em contato com a sociedade de seu tempo. Nisso, me veio a ideia de “Sindelar no divã do Dr. Freud”.

A ideia é simples. Em uma representação de seu gabinete, o pai da Psicanálise, Doutor Sigmund Freud, recebe o jovem craque da seleção austríaca de futebol, Matthias Sindelar. O diálogo entre os dois aprofunda temas como a xenofobia e o preconceito étnico que ambos sofreram durante o regime nazista. A história carrega também o esporte no começo das Copas do Mundo, bem como da Psicanálise em uma fase de análise mais social com “Mal-Estar na Cultura” e “Moisés e o Monoteísmo”. Uma peça regada de reflexão, história e psicanálise.

Fiz o livro, publiquei e mostrei para quem deveria. Afinal, tal como diz Lacan, uma carta sempre chega ao seu remetente. E não importa o tempo.

Dessa forma, o roteiro teatral em livro publicado em 2021 agora, dois anos depois, vira uma peça de teatro graças a um trio criativo poderoso. O ator-produtor Victor Garbossa foi atrás e se uniu ao seu colega Ariel Moshe e ao diretor Pedro Ruffo e toparam o desafio de fazer palavras escritas se tornarem vivas. Faltava apenas o apoio e o local, algo que a Giostri, em sua tradição paulistana pela cultura, abriu as portas que faltavam.

Para quem quiser ver Freud no Teatro, o meu “Sindelar no Divã do Dr. Freud” estará, em abril e maio de 2023, às terças às 20h30, no Teatro Giostri (Rua Rui Barbosa, 201, Bela Vista – São Paulo-SP). Os ingressos serão vendidos pela plataforma online Sympla.

Sempre é bom ler os livros de Freud, mas é através de atores como Ariel Moshe e Victor Garbossa que podemos ouvi-las. E ouvir é essencial para qualquer psicanalista, de qualquer lado que ele esteja do divã.

 

Rafael Venancio

rdovenancio@hotmail.com




Rafael Venancio: 'Shiva para o autoconhecimento masculino'

Rafael Verancio

Shiva para o autoconhecimento masculino

Em meu trabalho como psicanalista e como psicoterapeuta holístico, a grande maioria dos meus cursos e atendimentos são mulheres. No entanto, tal como alguns reparam, há uma presença acima da expectativa social de homens direcionados para o autoconhecimento.

Assim, resolvi na minha presente crônica, falar um pouco sobre esse processo de autoconhecimento masculino visando a Verdade Interior e a Expansão da Consciência, bem como uma pitada de sabedoria védica que, inclusive, utilizo na minha autoanálise.

Na visão holística, em qualquer ser humano – não importando sua identificação de gênero ou sua estrutura física biológica ou sua sexualidade – há a presença de duas energias: uma ativa e outra intuitiva. Tradicionalmente, chamamos a ativa de masculina, por causa da atitude do masculino biológico ser dominada por essa energia. A outra, por sua vez, se torna a feminina.

Masculina e feminina são nomes biológicos, mas os saberes possuem outros nomes. Yang e Yin, Shiva e Shakti, entre outros, são comuns quando falamos dos saberes espirituais do Ocidente. Há até mesmo, para esses saberes, uma terceira energia, a andrógina, que representaria a ação de conexão; mas, deixaremos isso para uma outra crônica.

O ‘masculino’, é uma energia ativa, logo, o homem parece se afastar do autoconhecimento que, de fato, é uma busca por introspecção. A ação visa, muitas vezes, à modificação da realidade, não sua compreensão. Por isso que vemos tantos homens envolvidos com a celeuma mundana do que com o turbilhão de sentimentos que habita nele.

Por isso que diversas vertentes de saberes védicos chamam essa energia de Shiva, para fazer referência a divindade védica que compõe a Trimurti com Brahma e Vishnu, representando o ciclo cósmico, cada uma como uma faceta da Verdade Cósmica Superior ou ‘A Fonte’. Aqui, Shiva é apresentado assim como o ‘masculino ideal’, sendo tanto ‘Mahayogi’ como ‘Umapati’.

‘Mahayogi’, porque Shiva se coloca como o grande yogi, o pai da busca do autoconhecimento através do ioga e do ascetismo. Em muitas tradições védicas, o ioga foi ensinado pelo próprio Shiva à humanidade.

‘Umapati’, porque Shiva é o ‘chefe de família’ com a sua faceta feminina Shakti (na forma de Parvati, também chamada de Uma), tendo dois filhos: Ganesha e Kartikeya. ‘Umapati’ significa, simplesmente, ‘marido de Uma’, indicando que Shiva é o provedor desta família, considerada a ‘família margarina’ da sabedoria védica.

Quando se ensina que Shiva é tanto um yogi como um pai de família, é para ensinar aos meninos que, ao atingirem a idade adulta, eles devem atuar nas duas frentes simultaneamente. Eles devem buscar sua Verdade Interior, mas também formar família, trabalhar, consertar a casa etc. etc.

E isso é algo que observo e busco no meu dia a dia. Não adianta eu ficar imerso nos livros e meditações, se há um cano para consertar na minha casa ou boletos a pagar. Da mesma forma, não adianta eu ficar imerso nas questões financeiras do cotidiano ou no meu futebol, se eu me esqueço do meu ioga.

Ensinar os meninos, os jovens e os homens a serem como Shiva é um desafio para o mundo ocidental. Lembrando sempre que isso não é uma busca religiosa, mas sim de autoconhecimento e espiritual, de conexão interna.

Assim, se há portas de entrada para os homens buscarem o autoconhecimento, eu acredito que o exemplo de Shiva pode ser uma delas. E portas assim precisam ser aproveitadas pela humanidade.

Não adianta apenas as mulheres buscarem o autoconhecimento enquanto os homens ficam presos na ilusão (maya) da realidade exterior. É apenas com o trabalho individual de ambos que a humanidade pode ascender (e encarar) os novos desafios do porvir.

 

Rafael Venancio

rdovenancio@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




Rafael Venancio: 'George Harrison e o Bhakti Yoga para ocidentais'

Rafael Verancio

George Harrison e o Bhakti Yoga para ocidentais

Quando me pedem para explicar alguns dos caminhos do yoga, eu gosto de utilizar alguns exemplos que estejam acessíveis ao imaginário ocidental que, nós brasileiros, indiscutivelmente somos criados. Para mostrar a ideia do Bhakti Yoga ou o Ioga Devocional (prefiro a tradução de ‘Ioga da Entrega’), eu gosto muito de começar a conversa mencionando ou escutando a música ‘My Sweet Lord’, composta e cantada por George Harrison, o mais silencioso dos Beatles.

Segundo seu biógrafo Simon Lang, George Harrison compôs ‘My Sweet Lord’ em 1970 como uma música contra o sectarismo religioso, bem como um cântico em inglês para Krishna, que é, para os saberes védicos, tanto um dos avatares de Vishnu como o representante da Supraconsciência Cósmica.

O que eu acho interessante é que, se prestarmos atenção à letra da música, ela  mostra como um ocidental descobre a experiência da espiritualidade védica a partir de sua própria criação, ou seja, sob o marco das religiões abrâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo), expandindo sua consciência para além do marco religioso ocidental para uma espiritualidade ampla defendida pelo mundo oriental.

Vamos à análise da letra para entender isso: ela começa com a ideia do ‘My Sweet Lord’ ou seja, ‘Meu Doce Senhor’ para indicar uma divindade suprema; e logo encadeia a seguinte ideia: “Eu realmente quero te ver / Realmente quero estar com você / Realmente quero vê-lo, Senhor / Mas isso demora muito, meu Senhor”.

Aqui temos o religioso ocidental clássico da segunda metade do século XX (que não é muito diferente da maioria que vive nessa primeira metade do século XXI): acredita em Deus, mas se coloca na necessidade de ‘ver de fato’, como que sempre posto em questão pelo ateísmo que se julga ‘científico’, para acreditar. Além disso, há essa crença ocidental disseminada entre as religiões abrâmicas que o contato com a Divindade vem apenas após a morte, sendo a vida apenas uma espera.

Essa ideia é reforçada com os louvores de ‘Aleluia’ cantado pelos ‘backing vocals’. Aqui, ‘My Sweet Lord’ é uma música gospel ocidental tal como qualquer outra.

No entanto, há uma virada: a estrofe muda sutilmente: “Eu realmente quero te conhecer /Realmente quero ir com você / Realmente queria te mostrar, Senhor / Que não vai demorar muito, meu Senhor”. Aqui há uma virada, indicando a possibilidade de contato direto com a Divindade para você mostrar algo para ela (e não o contrário, que seria ortodoxamente mais apropriado).

Aqui há a virada da religião para a espiritualidade. Religião é você ter o contato com o transcendental através de dogmas, fé e a necessidade institucional de mediadores (a Igreja e seus padres e pastores, no caso cristão). Espiritualidade é aquilo que as sabedorias védicas tais como os Vedantas, Vaishnavismos, Shivismos e o próprio Budismo colocam. Você e a Divindade são um. Tenha contato direto com ela: faça o bhakti, ou seja, ‘se entregue’.

Assim, o ‘Aleluia’ da música some e aparecem os mantras de entrega e conexão que são praticados no Bkahti Yoga na forma de canção (kiirtan). Primeiro, o mais famoso no ocidental (até pelo próprio trabalho de George Harrison), o Hare Krishna Hare Rama (sobre os dois avatares de Vishnu) e depois o canto de homenagem Guru Brahma Guru Vishnu Guru Devo Maheshwara (sobre a Trimurti – Brahma, Vishnu e Shiva – as três divindades que representam o ciclo cósmico, indicando-as como mestres da Verdade Cósmica Superior ou ‘A Fonte’.

No fim da música, não há mais o ocidental brigando com a sua religiosidade e dando louvores. Há um humano espiritualmente conectado com o Bhakti Yoga e se entendendo como cocriador junto à Fonte.

É isso que buscamos no caminho do Ioga conhecido como Bhakti. Não são posturas que são vistas como malabarismos. Nem meditações e respirações profundas. É apenas entrega. Entrega essa tal, como Sri Chaitanya Mahaprabhu ensinou no século XVI, pode ser tão simples quanto ficar cantarolando uma canção: Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare.

George Harrison apenas deixou mais fácil, mais melódico e, assim, tocar nas paradas de sucesso das rádios (e até hoje no Spotify) e qualquer um cantar. Isso é ‘My Sweet Lord’, mas antes de tudo isso é Bhakti Yoga.

 

Rafael Venancio

rdovenancio@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




Rafael Venancio: 'Karma Ioga e o Jardim Zen'

Rafael Verancio

Karma Ioga e o Jardim Zen

Entre as diversas práticas de meditação provenientes dos saberes ancestrais que se tornaram alvos do marketing e consumismo do século XXI, o jardim zen é, talvez, o mais conhecido das pessoas que gostam do mundo da decoração e do paisagismo, especialmente as versões miniaturizadas que podem ficar na mesa central da sala de um apartamento.

A origem da prática do jardim zen é incerta. Parte das ideias remontam ao feng shui, uma geomancia (oráculo que utiliza sinais naturais provenientes dos solo, pedras e areia) que tem origem na China junto com o movimento dos Naturalistas há seis mil anos.

No entanto, a parte das ideias mais significativa, vinculada aos monges budistas japoneses (o zen-budismo), teria surgido há dois mil anos, unindo a ideias do Gautama de meditação e serviço com o culto à natureza e ao paisagismo inerentes aos saberes ancestrais fundadores da Terra do Sol Nascente.

Assim, a ideia de cultivar um jardim impecável como forma de devoção e meditação espiritual seria um dos caminhos de busca de fluidez e contato transcendental. Claro que, atualmente, o jardim zen é um pedacinho de madeira de 30 x 30 cm com um pouco de areia, rocha, solo e uma estatueta de Buda onde é feito, através de um pequeno rastelo, desenhos e mandalas enquanto ‘se limpa a mente’. Esses pequenos produtos capitalistas são, na verdade, apenas uma mostra grátis de jardins de muitos metros quadrados em templos que ainda existem no Japão. Monges se tornam jardineiros para ‘limpar a mente’, muitas vezes em silêncio e sem nenhuma forma de oração ou prece.

Como que a mente é limpa e silenciada fazendo um jardim? Como isso é possível?

A resposta que quero desenhar neste texto é muito simples. O Jardim Zen é, na verdade, uma espécie de ioga vindo da sabedoria dos Vedas. Seu nome? Karma Yoga.

A palavra karma possui ampla significância no mundo esotérico atual, mas em sânscrito, significa simplesmente ‘ação’. Toda ação possui reação. Todo karma produz outro karma. Isso vale apenas nesta vida como na ampla cadeia de reencarnações: a Roda de Samsara.

A ideia do Karma Yoga é que agir segundo a sua missão e seu chamado de retidão (o Dharma) ajuda nessa cadeira de ações e reações, se libertando de Samsara. Apesar de estar espalhado em diversos textos védicos, é no começo do Bhagavad Gita que o Karma Yoga se torna popularizado. Aliás, o Karma Yoga é o primeiro citado por Krishna em sua lição ao valoroso Arjuna, demonstrando sua importância.

Nisso, chegamos a uma outra pergunta: como trabalhar em um jardim Karma Yoga? Não deveria ser algo útil para ‘produzir bom karma’?

Ora, a ideia de jardins semelhantes aos japoneses remontam à Índia védica, tal como os Gitas descrevem, com antiguidade semelhante ou até mais antigos que os do feng shui. No entanto, uma lição que é dada pela sabedoria védica não é o jardim que é importante, mas o jardineiro.

Se o jardineiro apenas faz o seu serviço, ou seja, cuida do jardim como deve ser cuidado, isso tudo com o máximo possível de sua maestria, sem distrações e ouvindo sua voz interna, ele está cumprindo sua missão kármica e se conectando ao transcendental, logo conhecendo a verdadeira realidade.

No entanto, se ele ficar se distraindo enquanto trabalha – seja por preguiça, por reclamar do seu ordenado, por reclamar do clima ou qualquer tipo de distração – o ato de trabalhar no jardim se torna mais uma cadeia para dentro de Maya, a ilusão da realidade aparente.

Sabemos o quanto o budismo foi inspirado pelos darshanas védicos – entre eles o yoga – para se consolidar enquanto forma de espiritualidade e de religião, assim não seria de estranhar que uma prática de yoga esteja dentro dos afazeres de um monge. O que os monges fazem em seus jardins, com certeza, é uma busca pela prática do Karma Yoga.

A pergunta que fica para nós, ocidentais do século XXI, é se estamos fazendo Karma Yoga quando estamos com nossas caixinhas de areia que a loja chama de ‘jardins zen’ ou se é apenas mais um pedacinho de Maya que é comprado como forma de espiritualidade. Você já pensou nisso?

 

Rafael Venancio

rdovenancio@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 




Rafael Venancio: 'Por um Yoga da Psicanálise'

Rafael Verancio

Por um Yoga da Psicanálise

Nas redes sociais, não é difícil encontrar uma plêiade de encontros de saberes. Dois deles, inclusive, são do meu particular interesse, estudo, prática e trabalho: o Yoga e a Psicanálise. E vejo que não sou apenas eu que me coloco na busca desses dois campos.

No entanto, uma coisa me chamou atenção, mais de uma vez inclusive. Não só por colegas falando, mas até mesmo por perguntas diretamente direcionadas a mim. O que seria isso? A ideia de uma busca de uma comparação convergente ou divergente entre as duas práticas.

Da última vez, vi alguém falando sobre uma Psicanálise do Yoga. Ora, não sou contra uma psicanálise ou uma análise psicodinâmica que leve em conta saberes védicos, tais como o Vedanta e a Sámkhya. Pelo contrário, é algo do meu estudo atual!

Porém, falar de uma Psicanálise do Yoga me parece contraproducente. O ideal seria falar de um Yoga da Psicanálise. E é isso que vou ventilar nestas breves linhas.

Vamos começar pela definição das duas práticas.

Yoga, na definição sintética de Patanjali em seu Yoga Sutras, é “o recolhimento das atividades da mente”. A palavra em sânscrito, em si, significa ‘união’.

Psicanálise, na definição sintética de Freud no final de sua autobiografia, é um método terapêutico e uma investigação psíquica do inconsciente.

Com algo grau de síntese, podemos dizer que o Yoga é um dos seis darshanas (escolas filosóficas) tradicionais da sabedoria védica e do Hinduísmo que busca, através de oito práticas, a desconexão com o caos do mundo exterior para a conexão com uma verdade interior. O caminho desse processo seria apaziguar a mente para florir uma atividade intelectual mais superior. As oito práticas que levam a isso são: os yamas e niyamas (abstenções e observações de cunho ético); asanas e pranayamas (posturas e processos de fluxo corporal); pratyahara, dharana e dhyana (atividades meditativas) e samadhi (o resultado final buscado pela prática das sete anteriores).

Já a Psicanálise, com igual grau de síntese, é um método terapêutico interpretativo calcado na associação livre e nas relações de transferência e contratransferência entre analista e analisando. Ela, para seu funcionamento, pressupõe um modelo mental chamado psique que, a grosso modo, é dividido em três setores (consciente, pré-consciente e inconsciente) e em três estruturas de personalidade (ego, superego e id).

Quando estamos falando de Psicanálise do Yoga estamos pegando um modelo e enquadrando essa prática milenar. Com isso, muitos psicanalistas acabam tratando o Yoga como uma religião ou como apenas uma atividade corporal (especialmente por causa da grande ênfase que o Ocidente deu aos asanas como ‘malabarismos fitness’), desvinculando seu trabalho mental ou tratando apenas como elemento do processo psíquico particular ou de um grupo.

Na minha opinião, a situação muda de figura quando falamos de um Yoga da Psicanálise. O nosso foco se torna em entender como a Psicanálise – seja seu método terapêutico, seja sua investigação do inconsciente – se relaciona com as atividades da mente que precisam ser recolhidas, tal como nos diz Patanjali.

Na Psicanálise do Yoga, não há união das duas, apenas superposição que pode ser vista como associativa ou dissociativa. Em Yoga da Psicanálise, há sim uma importante parceria. Há uma união de fato, ecoando o significado da palavra em sânscrito.

Por isso que aquele que veste demais a camisa do psicanalista não consegue ver a importância do yogi. No entanto, o yogi entende a função do psicanalista em um quadro mais amplo.

Quando falamos em ‘recolhimento das atividades da mente’, estamos dizendo que o Yoga não só nos ajuda a focar na nossa verdade interior, nos dissociando dos objetos dos sentidos que nos puxam para longe de quem somos; estamos falando que ele nos ajuda a entender como irmos, de fato, para um caminho do autoconhecimento, de como nossa mente se movimenta.

O Yoga da Psicanálise, assim, entende o quanto dessas atividades da mente são de origem inconsciente e pode recolhê-los e não apenas substituir objetos dos sentidos (tal como muitos psicanalistas propõem). Não é um paliativo, é a busca pelo mais profundo.

Essa proposta da Psicanálise como autoconhecimento é defendida por muitos seguidores de Freud, especialmente Bruno Bettelheim. Foi ele que nos disse que a Psicanálise só nasceu porque Freud desejou se autoconhecer ao analisar os próprios sonhos e atos falhos. Eu, humildemente, trabalho a minha Psicanálise como analista neste sentido, apesar de, no Brasil, sermos minoria.

E eu, como um estudioso da Filosofia da Psicanálise, acredito que o Yoga como Filosofia Védica, pode nos ajudar para um salto mais amplo e efetivo para o autoconhecimento psicanalítico. A própria história me dá razões e certezas que esse movimento é correto.

Afinal, tal como muitos se esquecem, Freud é tributário de Schopenhauer; Schopenhauer, por sua vez, é tributário de um outro darshana védico, a Sámkhya; e esta, por fim, é, para muitos, a base do darshana védico do Yoga.

Isso tudo é assunto para muitos e muitos textos e palestras. Por agora, quero que fique essa sementinha na mente de vocês. Não pensem em uma Psicanálise das coisas, uma Psicanálise do Yoga, mas sim um Yoga da Psicanálise. Busquem o caminho da união com a verdade interior que habita o inconsciente, não o caminho do medo ou de cientificismos vazios e inteligíveis em relação a ele.

 

Rafael Venancio

rdovenancio@gmail.com

 

 

 

 

 




Rafael Venancio: 'Quem tem medo do Hierofante?'

Rafael Verancio

Quem tem medo do Hierofante?

Sempre acreditei na ‘sorte do palestrante’. Isso nada mais é que um preceito antigo da oratória de que, quando estamos próximos de fazer algum discurso (oral ou escrito) para o público, acontece algum evento que nos ajuda a exemplificar e encadear a dispositio da nossa retórica. Com o passar do tempo, nem considero isso mais sorte, mas sim um evento de sincronicidade. Afinal, não existem coincidências. As coisas acontecem quando precisam acontecer.

Mas, qual é a razão de dizer tal coisa?

Pois bem. Seguindo as minhas colunas digitais no ano de 2022, que escolhi falar dos Arcanos do Tarô, o texto da vez seria sobre o Hierofante. E qual a minha surpresa? (Nenhuma, na verdade, é apenas exercício retórico.). Bem, na semana que devo escrever este texto, teremos um pequeno frisson do mundo esotérico.

No final desta semana, mais precisamente no sábado, dia 10 de setembro, teremos um evento astrológico que ocorre de tempos em tempos. Não é tão raro, mas também não é da ordem da normalidade das coisas. É a entrada de Mercúrio retrógrado em sintonia com a retrogradação com os planetas sociais (Júpiter e Saturno) e geracionais (Urano, Netuno e Plutão).

Ora, Mercúrio retrógrado é um campeão de chororô. Todo mundo quer culpá-lo por alguma coisa. O fato é simples. Mercúrio retrógrado acontece com grande frequência (3 a 4 vezes ao ano). De maneira geral, sem considerar o mapa natal e seus trânsitos, é uma época para introspecção e medir palavras. A comunicação e a expressão estão tensionadas. Talvez seja preciso explicar mais de uma vez algo, mas isso não significa que está tudo perdido. Pelo contrário, é uma época onde devemos nos mensurar pela régua interna (como deve ser feito sempre, na verdade) e não pela régua social, caso queiramos seguir o fluxo.

Ele ficará 1 mês nesse processo de retrogradação, saindo no domingo, dia 02 de outubro. Durante todo esse período, os cinco planetas (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão) estarão retrógrados.

O que isso significa, sem considerar o mapa natal?

Júpiter retrógrado nos dá certa preguiça na busca da nossa prosperidade. Saturno retrógrado nos dá uma letargia da crítica, quase um processo de culpabilidade até por coisas que não temos culpa. Urano retrógrado nos deixa sem vontade de mudar a nossa realidade, indo para o berço confortável do status quo. Netuno retrógrado, por sua vez, nos faz gostar de ideias prontas. Plutão retrógrado, por fim, nos questiona acerca da nossa alma, especialmente das sombras dela.

Assim, viveremos um mês onde o ideal é focarmos na verdadeira sabedoria. Por isso que acredito que a melhor carta-conselho de Tarot para Setembro de 2022 é o Hierofante.

O Hierofante, em uma visão católica, é chamado de Papa. Para os religiosos e místicos, é o Sumo Sacerdote. Mas, se pararmos para pensar, o Hierofante é a personificação metafórica antropomorfizada da Sabedoria Transcendental. Ela é apenas um rosto para um saber imaterial.

Para Arthur E. Waite, o Hierofante é a figura da sabedoria a partir da verdadeira sabedoria,do Conhecimento Superior. Ou seja, desse ‘Alto’ Conhecimento que, no limite, está enraizado no Autoconhecimento. Ele, em seu famoso livro, até mesmo coloca o Tarólogo e/ou o Terapeuta Holístico como um dos significados possíveis dessa carta.

Por isso, uma boa pedida para esse momento de introspecção é buscar esse autoconhecimento. Buscar tarólogos, psicoterapeutas, yogues, astrólogos, xamãs, filósofos, sábios, leitores de registros akáshicos reikianos, operadores de mesa radiônica que você se sente conectado e ir atrás do ‘alto’ conhecimento que é o Autoconhecimento.

Diante do Sol em Virgem que nos ilumina (ou, talvez, nos ‘queima’) podemos ter medo desses hierofantes. Mas, quem tem medo do Hierofante? Aquele que está no caminho do saber transcendental?

A resposta é simples: Aquele que tem medo de si mesmo.

Aproveite esse mês de retrogradação para se conhecer e busque terapias holísticas para ajudar na empreitada. Claro que o conselho vale para o ano inteiro e para qualquer momento em sua vida.

No entanto, talvez esse momento tenha chegado agora. Agradeça Mercúrio retrógrado por isso!

 

Rafael Venancio

rdovenancio@gmail.com

 

 

 

 




Rafael Venancio: 'Dom Pedro II, o Imperador do Tarot'

Rafael Verancio

Dom Pedro II,  o Imperador do Tarot

O quarto Arcano Maior do Tarot, o Imperador, possui reflexões profundas dentro do nosso imaginário de Brasil. Tanto naquilo que gostamos de lembrar, bem como de coisas que certas matrizes ideológicas gostariam que nós, enquanto povo brasileiro, esquecêssemos.

Mas, qual é o motivo de afirmar isso neste texto?

Me permitam, por favor, fazer uma breve digressão…

Bom, a carta do Imperador, nos diversos baralhos de Tarot, é uma carta considerada positiva. Em seu famoso livro, que acompanhava seu baralho, Arthur E. Waite afirmava que a mensagem da carta seria de “estabilidade, poder, proteção, realização, um grande ser humano”. Até mesmo quando invertida (algo extremamente ‘maléfico’ para algumas correntes interpretativas do tarot), o Imperador nos dá uma mensagem positiva de “benevolência, compaixão, crédito” segundo Waite.

Afinal, desde o Tarot de Marselha, há uma equiparação mitológica com Zeus (Júpiter para os romanos) e o Imperador do Tarot. Assim, tal como sua contrapartida astrológica (o planeta Júpiter), o Imperador sempre possui uma mensagem de positividade, mesmo em posições negativas ou de declínio. Relembrando o que disse na minha última coluna aqui no Jornal ROL, o Imperador ser Zeus entra em consonância com a Imperatriz ser Hera (e não Afrodite) e isso constrói toda uma mensagem importante no começo do baralho.

Mas, e o Brasil com tudo isso?

Quando eu leio, estudo (ou, até mesmo, quando faço um atendimento de Tarot Psicodinâmico como tarólogo) a carta do Imperador, sempre me ecoa a voz de meu avô falando do Imperador brasileiro, D. Pedro II.

Para quem acompanha minha imagem social, sabe o quanto eu sou tributário dos ensinamentos de meu avô e quanto sempre busco honrá-lo. E sabe o quanto são inquietações e sabedorias que permanecem vivas em mim.

Ao ler as palavras-chave sobre o Imperador do Tarot segundo Waite – ou seja, “estabilidade, poder, proteção, realização, um grande ser humano”- não consigo deixar de ouvir a voz de meu avô dizendo que “essas também são as qualidades do nosso Imperador, D. Pedro II.”.

De fato, para aqueles que podem estudar de coração e mentes desprovidas de pré-conceitos, vemos o quanto que D. Pedro II tinha de ‘jupiteriano’. Não digo apenas pelas barbas de Zeus, mas também pela sabedoria e construção de benesses daquele que foi considerado um Imperador-sábio.

“Isso aqui não é tirado da minha cabeça;” – dizia meu avô, que continuava – “quem disse isso tudo de D. Pedro II eram pessoas que viveram o tempo dele”. E, de fato, era isso mesmo.

Basta lembrarmos da famosa frase do 25º presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, à delegação brasileira que o visitava: “Não entendo como se estabeleceu no Brasil uma república tendo os senhores um soberano tão filósofo, idealista e bondoso”.

Sim, meus caros: D. Pedro II era uma personificação vívida do Imperador, o arcano Maior do Tarot. Até mesmo naquilo que podemos encontrar de negativo nessa carta tão equacionada. Waite deixou claro que, enquanto invertido, o Imperador pode dar certa inocência ou até mesmo permitir a confusão dos inimigos. Foi exatamente por essa inocência de D. Pedro II e por deixar burburinhos infundados correrem pela capital Imperial que, no Brasil, se estabeleceu uma República.

Infelizmente alguns tarots de abordagem, visando uma releitura histórica e/ou brasileira, não se aproveitam desse fato. Eles não estampam a imagem de D. Pedro II no arcano do Tarot, escolhendo outras personalidades. Entendo perfeitamente, mas lamento. Era disso que queria dizer ao começar este texto. Para muitos, é interessante esquecer que tivemos o nosso Imperador por completo, jogando essa figura em fantasmas republicanos ou até mesmo em fantasias culturais. Paciência!

Assim, às vésperas daquele que é o 89º aniversário (in memoriam) de meu avô – celebrado no próximo 21 de agosto – pego nas mãos o baralho do Tarot de Marselha que foi dele e honro a carta do Imperador. Lembrando não só de todos os seus ensinamentos, mas de todo legado (concreto, imaginário e potencial) que D. Pedro II nos deixou para nós como brasileiros.

E fico aqui pensando quando que a carta do Imperador sairá no Tarot para o futuro do Brasil…

 

Rafael Venancio

rdovenancio@gmail.com