Ranielton Dario Colle: artigo (d)Eficiência humana

Rannie ColeRanielton Dario Colle – (d)Eficiência humana

(d)Eficiência Humana

Havia algo de estranho naquele dia. Eu tinha acordado com a sensação de que nada estava no lugar. O tempo nublado deixava as cores mais vívidas, sem aquela sensação de imagem supersaturada que o sol normalmente deixa nas coisas.

Eu tinha um compromisso importante no trabalho. Finalmente tinha chegado ao algoritmo ideal que iria matematicamente mudar todo o rumo da empresa. O software que eu desenvolvera facilitaria em muito nossas atividades. Em questão de minutos, ele faria o equivalente ao trabalho de dez pessoas, usando uma porção de outros programas, em um dia. A partir do que eu fizera, tudo aquilo ficaria obsoleto. Além do que, com tudo centralizado, menos pessoas, menos chances de erro. E naquela tarde eu o apresentaria. Havia toda uma equipe que me ajudara nos detalhes, mas o grosso do trabalho eu fizera sozinho. Não podemos confiar nas pessoas, elas são falhas.

Essa era uma verdade indiscutível: as pessoas são falhas, e geralmente sua intromissão nos induz ao erro. As máquinas não erram e, se dermos a manutenção correta, fazem exatamente aquilo para que foram feitas, com uma perfeição muito maior que a humana. E o melhor de tudo: com mais eficiência e sem reclamação. Por isso eu gostava de trabalhar com números e máquinas. E abominava lidar com pessoas que, além de errarem com frequência, dificilmente conseguem manter o foco de forma eficiente.

Porém, aquele dia, uma espécie de intuição que algo estava errado me incomodava. Tomei o café, e impulsionado pela beleza diferente das cores sob o filtro das nuvens, e pelo frescor daquela manhã, decidi ir caminhando até o trabalho…

Andando lentamente, de modo diverso do que eu me habituara, fui observando as árvores que no caminho se apresentavam. E, por um momento, fiquei como que hipnotizado, em frente a um Ipê Amarelo e florido. Ali estava o segredo de tudo. A chave do universo. A Proporção Áurea e a Sequência de Fibonacci, a prova de que Deus era um arquiteto.

Tudo era perfeito nas flores, embora os galhos parecessem crescer sem um padrão, seguindo apenas a luz do sol e as podas, eu sabia que era apenas na aparência. A Proporção Divina estava em tudo, ou em quase tudo.

Essa perfeição, essa beleza, não estava no comportamento das pessoas, e essa era a maior tragédia do universo… o erro de Deus. Visto dessa forma, talvez o melhor mesmo fosse que as pessoas não existissem, e talvez nem os animais, com exceção dos insetos, como as abelhas ou os aracnídeos, como as aranhas, que seguem com perfeição matemática suas obras. Os animais, em sua grande maioria, apesar da perfeição em sua formação biológica, são o caos na forma de vida. E, por isso, estamos destruindo o planeta.

Depois de um tempo, continuei minha caminhada…

O ano estava acabando, e eu estava cansado. Depois de minha apresentação do projeto teríamos dez pessoas a menos trabalhando na empresa. A eficiência de um negócio é inversamente proporcional ao número de pessoas que trabalham nele. E isso era a prova definitiva de que gente só atrapalha o desenvolvimento de tudo.

Ninguém gostava de mim onde eu trabalhava… E eu não gostava de ninguém! Era como a repetição do colégio ou de casa, quando ainda vivia com meus pais. Por isso estava feliz por ter conseguido reduzir o número de animosidades em dez.

Todavia, a verdade, é que nada daquilo fazia sentido. Afinal, qual era o propósito de nossa empresa? Fazer dinheiro proporcionando algo que as pessoas desejam, como toda empresa. Em outras palavras, satisfazer as pessoas. Esses mesmos seres ineficientes, caóticos e egoístas. “Não… Eu não quero isso.” ─ pensei. Mas precisava viver…

E foi nesse instante que tropecei em uma pedra, e quase cai um tombo. Vi minha falha no tropeço, e as fórmulas matemáticas que descreviam minha trajetória no tombo, evitadas pelos movimentos de meus braços que, seguindo intuitivamente um padrão, evitaram minha queda. E então eu fui iluminado: não, eu não precisava viver…  Ninguém precisa viver! Apenas vivemos sem nenhuma razão…

Foi quando decidi dar um ponto final. Fiz meia volta e, chegando em casa, tomado de ódio por toda humanidade, decidi acabar com tudo e com todos.

– Tudo bem. De tudo que você disse, eu compreendo que você se tornou um misantropo radical. Mas agora temos que descobrir as raízes de sua misantropia…

– Mas eu já falei. A feiura sem propósito da humanidade – protestei. – Você precisa me dar alta. Eu quero ir embora.

– Desculpa, mas eu não posso fazer isso. Você tentou se matar cortando os pulsos, e tomando três frascos de benzodiazepínicos. Se não tivessem, por acaso, visto sangue saindo por debaixo da porta de seu apartamento você estaria morto agora.

– Foi por isso que tomei três frascos de comprimidos! É muito mais fácil, seguindo a lógica, me livrar de toda humanidade morrendo, do que matar todo mundo!

– Mas você estaria morto! Por que você quer se livrar da humanidade?

– Porque a humanidade é extremamente falha! Eu sou falho! Eu não queria estar vivo!

– Mas, por que você queria morrer?

– Porque eu sou falho! E porque é mais fácil morrer do que me livrar de todo mundo! Eu já disse!

– Vamos com calma…

*          *          *

A proporção áurea, 1,618… pode ser encontrada no crescimento de praticamente tudo, nela se encontra a ordem da natureza. E está presente também no homem no tamanho das falanges dos ossos, por exemplo. E foi considerada ideal, tendo sido usada por Phideas, na antiguidade para conceber o Parthenon, por artistas renascentistas e até em várias obras de música clássica ou mesmo  em importantes obras literárias no chamado ritmo prosódico.

A sequência de Fibonacci está na disposição dos galhos das árvores, das folhas em uma haste, no arranjo das pétalas das flores, no cone do abacaxi ou mesmo no desenrolar de uma samambaia. E é incrível sua aplicação no mercado financeiro, na teoria dos jogos e nas ciências da computação…

*          *          *

Seis meses depois daquele dia, eu tive alta, e fui liberado do hospital psiquiátrico onde estava internado. Continuo sem entender a razão de tudo. A vida ainda parece sem sentido e sem explicação. Porém já consigo ver e aceitar meus tropeços. E já consigo lidar com as falhas humanas. E, embora a perfeição matemática confira beleza a quase tudo, creio que talvez a mágica e o fantástico da vida esteja mesmo no caos de como tecemos o seu enredo. Digamos assim, os parágrafos podem até seguir o ritmo prosódico (ou não), mas a história em si é regida pelo caos!




Ranielton Dario Colle, o ‘Ranie’: (d)Eficiência humana

Rannie ColeRanielton Dario Colle – (d)Eficiência humana

(d)Eficiência Humana

 

Havia algo de estranho naquele dia. Eu tinha acordado com a sensação de que nada estava no lugar. O tempo nublado deixava as cores mais vívidas, sem aquela sensação de imagem supersaturada que o sol normalmente deixa nas coisas.

Eu tinha um compromisso importante no trabalho. Finalmente tinha chegado ao algoritmo ideal que iria matematicamente mudar todo o rumo da empresa. O software que eu desenvolvera facilitaria em muito nossas atividades. Em questão de minutos, ele faria o equivalente ao trabalho de dez pessoas, usando uma porção de outros programas, em um dia. A partir do que eu fizera, tudo aquilo ficaria obsoleto. Além do que, com tudo centralizado, menos pessoas, menos chances de erro. E naquela tarde eu o apresentaria. Havia toda uma equipe que me ajudara nos detalhes, mas o grosso do trabalho eu fizera sozinho. Não podemos confiar nas pessoas, elas são falhas.

Essa era uma verdade indiscutível: as pessoas são falhas, e geralmente sua intromissão nos induz ao erro. As máquinas não erram e, se dermos a manutenção correta, fazem exatamente aquilo para que foram feitas, com uma perfeição muito maior que a humana. E o melhor de tudo: com mais eficiência e sem reclamação. Por isso eu gostava de trabalhar com números e máquinas. E abominava lidar com pessoas que, além de errarem com frequência, dificilmente conseguem manter o foco de forma eficiente.

Porém, aquele dia, uma espécie de intuição que algo estava errado me incomodava. Tomei o café, e impulsionado pela beleza diferente das cores sob o filtro das nuvens, e pelo frescor daquela manhã, decidi ir caminhando até o trabalho…

Andando lentamente, de modo diverso do que eu me habituara, fui observando as árvores que no caminho se apresentavam. E, por um momento, fiquei como que hipnotizado, em frente a um Ipê Amarelo e florido. Ali estava o segredo de tudo. A chave do universo. A Proporção Áurea e a Sequência de Fibonacci, a prova de que Deus era um arquiteto.

Tudo era perfeito nas flores, embora os galhos parecessem crescer sem um padrão, seguindo apenas a luz do sol e as podas, eu sabia que era apenas na aparência. A Proporção Divina estava em tudo, ou em quase tudo.

Essa perfeição, essa beleza, não estava no comportamento das pessoas, e essa era a maior tragédia do universo… o erro de Deus. Visto dessa forma, talvez o melhor mesmo fosse que as pessoas não existissem, e talvez nem os animais, com exceção dos insetos, como as abelhas ou os aracnídeos, como as aranhas, que seguem com perfeição matemática suas obras. Os animais, em sua grande maioria, apesar da perfeição em sua formação biológica, são o caos na forma de vida. E, por isso, estamos destruindo o planeta.

Depois de um tempo, continuei minha caminhada…

O ano estava acabando, e eu estava cansado. Depois de minha apresentação do projeto teríamos dez pessoas a menos trabalhando na empresa. A eficiência de um negócio é inversamente proporcional ao número de pessoas que trabalham nele. E isso era a prova definitiva de que gente só atrapalha o desenvolvimento de tudo.

Ninguém gostava de mim onde eu trabalhava… E eu não gostava de ninguém! Era como a repetição do colégio ou de casa, quando ainda vivia com meus pais. Por isso estava feliz por ter conseguido reduzir o número de animosidades em dez.

Todavia, a verdade, é que nada daquilo fazia sentido. Afinal, qual era o propósito de nossa empresa? Fazer dinheiro proporcionando algo que as pessoas desejam, como toda empresa. Em outras palavras, satisfazer as pessoas. Esses mesmos seres ineficientes, caóticos e egoístas. “Não… Eu não quero isso.” ─ pensei. Mas precisava viver…

E foi nesse instante que tropecei em uma pedra, e quase cai um tombo. Vi minha falha no tropeço, e as fórmulas matemáticas que descreviam minha trajetória no tombo, evitadas pelos movimentos de meus braços que, seguindo intuitivamente um padrão, evitaram minha queda. E então eu fui iluminado: não, eu não precisava viver…  Ninguém precisa viver! Apenas vivemos sem nenhuma razão…

Foi quando decidi dar um ponto final. Fiz meia volta e, chegando em casa, tomado de ódio por toda humanidade, decidi acabar com tudo e com todos.

– Tudo bem. De tudo que você disse, eu compreendo que você se tornou um misantropo radical. Mas agora temos que descobrir as raízes de sua misantropia…

– Mas eu já falei. A feiura sem propósito da humanidade – protestei. – Você precisa me dar alta. Eu quero ir embora.

– Desculpa, mas eu não posso fazer isso. Você tentou se matar cortando os pulsos, e tomando três frascos de benzodiazepínicos. Se não tivessem, por acaso, visto sangue saindo por debaixo da porta de seu apartamento você estaria morto agora.

– Foi por isso que tomei três frascos de comprimidos! É muito mais fácil, seguindo a lógica, me livrar de toda humanidade morrendo, do que matar todo mundo!

– Mas você estaria morto! Por que você quer se livrar da humanidade?

– Porque a humanidade é extremamente falha! Eu sou falho! Eu não queria estar vivo!

– Mas, por que você queria morrer?

– Porque eu sou falho! E porque é mais fácil morrer do que me livrar de todo mundo! Eu já disse!

– Vamos com calma…

 

*          *          *

 

A proporção áurea, 1,618… pode ser encontrada no crescimento de praticamente tudo, nela se encontra a ordem da natureza. E está presente também no homem no tamanho das falanges dos ossos, por exemplo. E foi considerada ideal, tendo sido usada por Phideas, na antiguidade para conceber o Parthenon, por artistas renascentistas e até em várias obras de música clássica ou mesmo  em importantes obras literárias no chamado ritmo prosódico.

A sequência de Fibonacci está na disposição dos galhos das árvores, das folhas em uma haste, no arranjo das pétalas das flores, no cone do abacaxi ou mesmo no desenrolar de uma samambaia. E é incrível sua aplicação no mercado financeiro, na teoria dos jogos e nas ciências da computação…

 

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Seis meses depois daquele dia, eu tive alta, e fui liberado do hospital psiquiátrico onde estava internado. Continuo sem entender a razão de tudo. A vida ainda parece sem sentido e sem explicação. Porém já consigo ver e aceitar meus tropeços. E já consigo lidar com as falhas humanas. E, embora a perfeição matemática confira beleza a quase tudo, creio que talvez a mágica e o fantástico da vida esteja mesmo no caos de como tecemos o seu enredo. Digamos assim, os parágrafos podem até seguir o ritmo prosódico (ou não), mas a história em si é regida pelo caos!

 




Ranielton Dario Colle, o ‘Ranie’: Conto ‘O Princípio da Incerteza’

Rannie ColeRanielton Dario Colle, o ‘Ranie’: ‘O Princípio da Incerteza’

 

Ainda  era noite quando eu acordei. Eu estava suado, e tremia ao lembrar do sonho que tivera. Olhei, então, para a porta fechada, e fiquei pensando no Gato de Erwin Shrödinger, na caixa, a física quântica… Eu era um leigo nisso tudo, mas ficava fascinado pensando em teorias, e fórmulas muito além de meu parco conhecimento matemático.

Eu estava ali, no quarto, sozinho. E poderia estar vivo, ou morto, enquanto ninguém me observasse ou entrasse em contato comigo. Era essa a ideia: Um fenômeno tem chances iguais de acontecer, ou não, dependendo do observador. O olhar é determinante. Isso me era curiosamente mágico.

Afinal o universo só existiria com um observador? E se não houvesse vida? As coisas ainda existiriam? Sem observadores, sem universo? Eu pensava nisso: a expectativa do observador influencia o que será visto… até onde? De quantos observadores se faz uma realidade?

O gato está vivo ou morto? No que eu acredito?

Então, lembrei, de novo, dela… Fazia um ano já e nunca mais trocáramos uma palavra sequer. Nunca mais vi o seu rosto, ou toquei em sua pele… Mas eu sabia que ela estava viva e bem. E, dependendo de meu estado de humor, isso não era uma boa notícia, porque eu me sentia abandonado, embora eu nunca tenha pensado que ela talvez se sentisse abandonada também.

Esses pensamentos estavam em minha cabeça quando ouvi latidos lá fora. Olhei pela janela e os vi, dois garotos corriam pela rua deserta. Tudo existia. Tudo era real. Eu adormeci novamente.

Ela estava tão bela no último dia em que nos falamos, naquela tarde.

Todavia eu peguei o carro e disse que ligaria mais tarde… Mas não liguei…

Era noite já quando passei por algumas pessoas na rua e fui ao supermercado. Eu andava apressado, e eles também: ninguém parecia ver ninguém. O mundo é assim hoje… Um grande aglomerado de pessoas, estranhas umas às outras, que não se cumprimentam.

Lembranças:

– Padre, perdoai-me porque eu pequei… Não existe perdão para o que eu fiz padre

– Sempre existe perdão meu filho. Basta que você esteja sinceramente arrependido… Deus é muito grande e bom… Então, o que você fez?

– Eu, eu… — sai correndo da igreja com lágrimas rolando pelos olhos.

Memórias se misturavam enquanto eu caminhava. A infância. A adolescência. O primeiro amor. O trabalho. E, por fim, ela…

Eu não estava mais no supermercado. Fui andando pelas ruas até chegar a minha casa.

Era estranho, eu tinha ficado tão relaxado ultimamente… Simplesmente não me importava com nada: pó e teias de aranha se misturavam… Deitei de novo, estava cansado: andava tão cansado ultimamente que meus pensamentos eram vagos, etéreos como os sonhos.

– Você não pode fazer isso comigo…

– Eu posso e vou! Você não tinha o direito! ME DÁ A CHAVE DO CARRO!

– Pega o seu carro, seu idiota!

– Sua vadia imunda! – Toma!

Eu acertei um tapa em sua cara. E sai gritando: “Ligo mais tarde”, sem saber ao certo o porquê. Nunca tive coragem de ligar novamente.

Desejei que ela tivesse morrido. E por quê? Eu não lembro o motivo. A briga foi tão séria que eu simplesmente não lembro o motivo. Às vezes, eu queria não existir!

De novo, pesadelos. Acordo. Decido ir caminhando até a casa dela. São três horas da madrugada. “Tudo bem, eu não pretendo tocar a campainha”, penso comigo. Cinco quilômetros de caminhada na noite: vejo gatos, um gambá perdido atravessando o asfalto, um cachorro dormindo na rua… E eu reconheço o cachorro. É o meu cãozinho, o REX… eu o havia esquecido.

Por que eu o havia esquecido? Que tipo de homem eu sou? Ele havia fugido e eu nem mesmo senti a sua falta! Como se ele nunca tivesse existido… “Eu era um monstro” ─ pensei.

O chamei. Ele me olhou e abanou o rabo, e veio correndo para mim. Estava tão sujo! Tão sujo! Tão magro! Há quanto tempo ele estava assim? Eu precisava consultar um médico urgente, a minha memória…

Fomos juntos até a frente da casa dela. Era quase quatro horas quando eu parei ali em frente, e olhei: Estava tudo igual.

Rex começou a latir. Pedi, implorei, chorei para que ele ficasse quieto. Mas era tarde, a luz do quarto se acendeu. Eu me escondi atrás do muro do vizinho quando ela saiu:

– Rex… você está aqui? Onde você estava menino? Você está imundo!

Ela foi até ele, se agachou, começou a acariciá-lo, e uma lágrima correu de seu rosto. E ela falou:

– O papai te abandonou né? Ele abandonou a todos nós, aquele porco egoísta! – então ela, já chorando, o pegou no colo e o levou para dentro.

Fiquei abalado e cai em pranto. E assim, quando percebi que estava seguro, comecei o caminho de volta para casa…

– Padre perdoai-me porque eu pequei… Eu sai correndo. Eu me odiava por ter batido nela. Por querer que ela morresse.

Entrei no carro, e dirigi como um louco, e bati numa árvore na curva. Eu estava me lembrando agora, voltando para casa… tudo estava acabado.

Ela estava viva para mim, ela sempre estaria viva para mim… mas eu não estava mais vivo para ela… Um ano já… Eu não queria acreditar! Eu morri?

De quantos olhares se faz uma realidade?

Haviam aberto a caixa, o gato havia tomado o veneno, e estava morto!




Ranielton Dario Colle, o ‘Ranie’: ‘Até que a morte me separe'

Rannie ColeRanielton Dario Colle, o ‘Ranie’: novo artigo: ‘ATÉ QUE A MORTE ME SEPARE’

Tudo começou quando ela curtiu um comentário bobo que eu fiz no facebook acerca das dietas femininas.

Depois ela curtiu uma foto minha com a minha esposa. E, então, ela pediu para que eu a adicionasse como amiga… E eu a adicionei.

Começamos a conversar no messenger sobre coisas banais. Riamos muito. E, como eu e minha esposa tínhamos jornada de trabalho em horários diferentes, além do fato de eu frequentemente viajar a serviço, nossas conversas se tornaram uma rotina.

Em pouco tempo já eramos íntimos. E, embora ela fosse incrivelmente atraente e sedutora, nossas conversas nunca descambavam para o lado sexual. Assim, todas as vezes que falávamos de minha esposa, fazíamos isso respeitosa e elogiosamente: mesmo quando eu me abria com ela acerca de minhas crises conjugais.

Nossas conversas se tornaram um vício quase que diário. Mas, foi só depois de uns seis meses, que ela perguntou se eu gostaria de vê-la pela WebCam. E acrescentou: “porque eu estou morrendo de vontade de vê-lo”…

E, dessa forma, aos poucos foi ficando irresistível, e quando dei por mim, já estava fantasiando com ela.

Então, depois de mais ou menos um ano, marcamos de nos encontrarmos em uma sorveteria. Pessoalmente ela era ainda mais linda que na WebCam, e seu jeito, sua voz, e seu sorriso, mais sedutores. Fiquei encantado…

Estávamos sedentos um do outro. E praticamente nos devoramos com o olhar. Então não demorou muito para que estivéssemos em um motel. E seu corpo… que corpo! Nunca havia visto tamanha perfeição ao vivo. Nem mesmo as capas de playboy com todo o photoshop eram páreas. Todas as minhas fantasias pareciam se concretizar de repente, ali, com ela, de uma só vez.

Seus olhos me hipnotizavam, e eu não queria mais sair do seu lado. Então, para minha surpresa, ela começou a se vestir, e me tratou friamente, enquanto eu ainda me deleitava com seu cheiro.

– Vá embora – ela disse com rispidez, e já não parecia em nada a mulher meiga que eu encontrei ao chegar: – Vá, sua esposa deve estar te esperando. Nós já conseguimos o que queríamos…

Então ela pegou a chave de seu carro e saiu. E eu fiquei ali, atônito, tentando entender o que acontecera… não sabia se estava feliz pelo melhor orgasmo da minha vida, ou ofendido por ela ter me tratado como um objeto. Será que estava magoada por eu ainda estar casado?

Passaram-se dois meses em que tentei repetidamente entrar em contato com ela, mas ela havia trocado seu telefone, e não respondia meus e-mails. Fiz lhe juras de amor. Prometi me separar de minha esposa. A pedi em casamento. Disse que minha vida era dela. Que daria tudo para estar com ela mais uma vez…

Então ela me ligou: – É verdade isso? – Isso o quê – Que você daria de tudo para estar comigo novamente? – Sim, sim, é verdade – falei em tom de desespero – Isso é tão romântico… – ela me disse – Você é um bobo sabia? – Eu sei…

 

Só que a verdade é que eu estava em frangalhos. Desde o nosso encontro eu não conseguia mais pensar em outra coisa. Estava negligenciando o trabalho, ignorando minha esposa e, em alguns momentos, me sentindo o pior ser humano da face da terra. E desejando morrer.

Marcamos outro encontro, dessa vez em seu apartamento. Eu estava ansioso. Levei flores e chocolate. E, quando ela abriu a porta, deixei cair os dois no chão. E a beijei sedento.

Depois do beijo ela me perguntou, de novo, se eu faria de tudo para estar com ela ali, e eu confirmei. – Peço o divórcio amanhã – eu disse, no que ela me respondeu – Não precisa – Mas então o que você quer… é dinheiro, é isso? – Assim você me ofende, disse ela com um sorriso enigmático. – Eu só quero que você alimente nossos filhos…

– Filhos? Você, você está, está grávida… meu Deus! Que alegria! Então eu vou ser pai… mas porque você não quer que eu me separe? Você não quer ficar comigo? – Você não está entendendo disse ela… E vi então pela primeira vez que ela tinha mais braços e pernas… Eu queria correr, mas estava imobilizado e maravilhado ao mesmo tempo, parte de mim estava apavorada e uma outra estava possuída por uma alegria contagiante. Feromônios, eu acho…

Vi então, saindo de um dos quartos, várias criaturinhas como ela, entretanto estas eram muito, muito pequenas. E algumas pareciam comigo: “Nossos filhos” – pensei feliz antes de ser envolvido em um casulo, de tal forma que eu ainda podia vê-la e falar com ela. Eu era um felizardo. Eu alimentaria nossos filhos… quantos pais tinham essa honra? Alimentar literalmente os seus filhos? Eles viveriam graças a mim…

Agora os meus braços e pernas já se foram, não houve dor… e eu logo deixarei de existir… Só que meus filhos estão maiores e mais belos. E os meninos são a minha cara! Que orgulho que eu tenho de tê-los gerado.

Neles deixo todo o meu legado. Por eles, valeu a pena ter vivido…

 

 

 

 

(O macho da viúva-negra se une a fêmea mesmo sabendo que morrerá Não há deleite maior. É a sua natureza.)

 




Ranielton Dario Colle, o ‘Ranie’: 'Divórcio'

Rannie ColeRanielton Dario Colle, o ‘Ranie’: novo artigo: ‘Divórcio’

 

– Você abasteceu o carro? ─ ela me perguntou antes de sair. ─ Sim, querida, o tanque está cheio. ─ eu respondi, com ironia.

Não vivíamos exatamente uma lua de mel, e era mais comum trocarmos farpas que carícias. E nem mesmo de longe isso lembrava o casal apaixonado de dez anos…

O tempo e a convivência fazem isso: vão nos mostrando o lado feio de tudo. E então, não sei porque, em vez de aceitarmos, e entendermos, nos apoiarmos e nos ajudarmos, ficamos nos acusando mutuamente. Como se um quisesse que o outro mudasse, mas fosse incapaz de mudar.

Não que não mudássemos. Todos mudam, a própria convivência faz isso. Só que nossas mudanças seguem em ritmos lentos, conforme mudam também nossos hábitos, e nunca são como gostaríamos que fosse: racionalmente tomadas como uma decisão após um debate. É como a diferença da teoria para a prática. Ou como o ditado: “Falar é fácil, fazer é que são elas”. Isso porque, no dia a dia, tendemos a repetir velhas formas de comportamento.

Não era maldade, mas nosso casamento estava falido. Eu sabia disso. E eu pensava nisso quando soube do acidente.

Na hora, me odiei por ter esses pensamentos. Prometi a mim mesmo que faria de tudo para fazer as coisas darem certo, caso ela ficasse bem.  “Minha vida está acabada. – pensei – Se ela morrer, o que será de mim?” Eu me odiei por ter desejado me separar. Por ter tido fantasias com a garota da lanchonete e com a secretária de meu chefe, e com cada menina atraente que cruzava o meu caminho. Por que eu fazia isso? Instinto? Era tão primitivo… odiei tê-la tratado tão mal, e odiei que minhas últimas palavras para ela tenham sido tão ironicamente ácidas!

Então, no hospital, soube que ela se recuperaria sem maiores sequelas. Fiquei aliviado. Agradeci. E lembrei com alegria de nossos primeiros anos juntos. Tudo agora parecia mágico. Até os momentos que foram ruins pareciam bons. E eu estava certo, ela era a mulher da minha vida.

Ela estava tão linda na cama do hospital. Fiquei pensando na sorte que eu tinha de ter uma mulher como ela como esposa. Ela era inteligente, hábil, e amorosa.

Então, ela acordou. E as primeiras palavras que ouvi de sua boca foram:

─ Eu quero o divórcio!

 

(foi ai que meu mundo desabou de verdade)