Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Desejo de ser argentino'

“Na segunda-feira, dia 18 de dezembro, as ruas da Argentina foram tomadas pela população que em massa protestava contra a proposta de Reforma da Previdência apresentada pelo governo do presidente Maurício Macri. Aos gritos de ‘aqui não é o Brasil’, os manifestantes tiveram confrontos violentos com a polícia que procurava reprimir os protestos.”

 

Na segunda-feira, dia 18 de dezembro, as ruas da Argentina foram tomadas pela população que em massa protestava contra a proposta de Reforma da Previdência apresentada pelo governo do presidente Maurício Macri. Aos gritos de “aqui não é o Brasil”, os manifestantes tiveram confrontos violentos com a polícia que procurava reprimir os protestos.

Diferentemente no Brasil, a população estava mais preocupada com as compras de Natal e, como Deus é brasileiro e os nossos políticos sobrevivem das eleições, o clima desfavorável à votação da Reforma fez com que essa fosse adiada para Fevereiro. Isso mesmo, na época de Carnaval. Afinal, a nossa fé em Momo é igualada à crença que temos no sobrenatural e na vã esperança de que um ser qualquer – anjo, extraterreste, Super-Homem ou alguém com patente militar – possa nos salvar. No mais, continuamos na passividade e na inércia enquanto nos roubam as poucas conquistas históricas que angariamos.

Pela primeira vez superamos o nosso preconceito e com vergonha na cara sentimos o desejo de sermos argentinos, de sairmos à rua para algo que de fato valha à pena e não por um engodo que nos engula ao final.

A página oficial do Governo Federal Brasileiro sobre a Reforma da Previdência está repleta de informações mal explicadas. Como uma espécie de mantra – no sentido mesmo de, por meio da repetição, nos levar a “outro estado” de consciência (talvez, alterado) – em diversos links do portal aparece a sentença: “A reforma da Previdência não tira direitos de quem mais precisa, pelo contrário, ela garante um sistema mais justo para todos os brasileiros. As regras atuais, com o pagamento de altas aposentadorias para políticos e para o alto funcionalismo público, criam uma classe de privilegiados que se aposentam muito cedo e com valores que deixam o sistema insustentável. Para acabar com essa desigualdade, a reforma da Previdência vai promover um sistema mais equilibrado e sustentável”. (http://www.brasil.gov.br/reformadaprevidencia/textos/reforma-da-previdencia-entenda-o-deficit).

De acordo com esse portal, ”Há muita gente se aposentando mais cedo no Brasil, com idade e condições de trabalhar. Algumas, em especial nas altas classes do serviço público, aposentam-se ganhando mais de R$ 30 mil. Se continuarmos assim, faltará dinheiro para pagar os benefícios de quem trabalha atualmente e quer receber aposentadoria no futuro” (http://www.brasil.gov.br/reformadaprevidencia/textos/reforma-da-previdencia-entenda-o-deficit).

Quando pensamos em salários de R$ 30 mil nos vem à mente os ocupantes de cargos políticos, altos funcionários do Poder Judiciário e Militares de alta patente. O jornal “O Globo” em novembro de 2016 noticiou que os militares respondiam por quase 50% do rombo da Previdência da União. De acordo com o noticiário, “Em 2015, déficit da categoria era de R$ 32,5 bilhões, ou 45% do rombo da União” (https://oglobo.globo.com/economia/militares-respondem-por-quase-metade-do-deficit-da-previdencia-20470974). Porém, ao contrário do que se deveria esperar, diante de tal situação, ainda em novembro de 2016, o ministro da Defesa, Raul Jungmann disse que os militares devem ficar fora do projeto de Reforma da Previdência, pois, afinal, “Não é justo tratar igualmente quem é desigual” (https://www.gazetaonline.com.br/noticias/politica/2016/11/militares-ficarao-fora-de-projeto-da-reforma-da-previdencia-diz-ministro-1013998261.html).

Aí começa a aparecer o engodo. O mote da Reforma, segundo o Governo Federal, não é acabar com os privilégios para que se promova a igualdade? Porém, o próprio Ministro do governo admite que “há os mais iguais do que os outros”? Como é que fica?

A coisa é simples e somente um otário não percebe (que me perdoem a expressão chula, mas o momento a exige). Se o problema do rombo da Previdência é causado pelas altas aposentadorias que chegam a R$ 30 mil, porque não limitar tais aposentadorias? Não estaria resolvido o problema? No entanto, o governo federal, além de não tocar nos privilégios dos mais ricos, ainda apresenta para os mais pobres as novas regras de aposentadoria, com o seguinte texto: “Pelo novo texto proposto para a reforma da Previdência, fica estabelecida uma nova idade mínima de aposentadoria: 65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres”. (http://www.brasil.gov.br/reformadaprevidencia/textos/reforma-da-previdencia-idade-minima).

Se o problema são as altas aposentadorias – que, de fato, representam uma fatia grande do “rombo” (se é que ele existe), por que se faz necessário mexer com os direitos e a aposentadoria daqueles que ganham pouco? Diz o portal do governo federal na internet que “A reforma da Previdência protege quem mais precisa e garante uma aposentadoria mais justa para todos os brasileiros. As regras atuais, com o pagamento de altas aposentadorias para políticos e para o alto funcionalismo público, criam uma classe de privilegiados que se aposentam cedo e com valores que deixam as contas públicas no vermelho. Para acabar com essa desigualdade, a reforma da Previdência vai promover um sistema mais equilibrado e sustentável” (http://www.brasil.gov.br/reformadaprevidencia/textos/cinco-fatos-sobre-a-reforma-da-previdencia).

No entanto, fica estampado na cara que a reforma atingirá apenas e tão somente o trabalhador pobre, aquele que não aproveita dos salgados e doces, dos comes e bebes, mas está acostumado a pagar a conta da festa dos mais privilegiados. Nesse momento, apossa-se o desejo de sermos como os argentinos: aguerridos defensores de seus direitos historicamente conquistados.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro – 19.12.2017




Carlos Carvalho Cavalheiro: 'A greve geral'

Carlos Carvalho Cavalheiro: ‘A greve geral’

A greve sempre foi um dos instrumentos históricos de combate mais utilizados pelos trabalhadores na luta pela conquista – e manutenção – de direitos. No Brasil, ainda no século XIX, registram-se as ocorrências das primeiras paralisações de trabalhadores. Em Sorocaba, por exemplo, a primeira greve ocorreu em 1885 quando os pipeiros (carroceiros que abasteciam a cidade com água em tonéis pipa) reclamaram do fato de o Poder Público impedi-los de retirar água de determinado ponto do rio Sorocaba.

Com o passar dos anos, a greve se tornou um dos mais eficazes meios de obtenção de negociação entre empregadores e empregados. Em certa medida, o seu uso constante desgastou a imagem e prejudicou a eficácia de tal ferramenta. Tempos outros em que a especialização das funções diminui a força e a importância das organizações de trabalhadores.

Por esse motivo, a busca do caminho inverso, qual seja o da união de diversas categorias, tem apontado uma luz no fim do túnel. Longe das discussões das peculiaridades de cada função ou atividade, que sempre serviu para afastar os trabalhadores, a conjuntura muitas vezes faz brotar um brilho de razão nas mentes, esclarecendo que a despeito de onde estamos posicionados, se na proa ou na popa, o fato é que todos nós estamos dentro do mesmo barco. Se a embarcação afunda, afogam-se os que nela estão.

É um pouco dessa consciência que parece ter surgido entre as diversas organizações sociais e de trabalhadores ao propor uma Greve Geral nesta sexta-feira, dia 28 de junho.  Dessa vez a Greve se faz em protesto às reformas Trabalhista e da Previdência que apontam um futuro – se é que existirá – tenebroso para todas as categorias de trabalhadores. As propostas, como a terceirização a todas as atividades e a vergonhosa proposta de aumento da idade mínima para aposentadoria, atingem a todo e a qualquer trabalhador. Amplos setores da sociedade, que inclui a Igreja Católica, Centrais Sindicais, CNBB, Sindicatos e movimentos sociais já anunciaram a adesão ao movimento.

Sobre a Reforma de Previdência, por exemplo, o governo alega a existência de um rombo que impossibilitaria o pagamento futuro de todas as aposentadorias. O jornal O Globo noticiou: “A Previdência registra rombo crescente: gastos saltaram de 0,3% do PIB, em 1997, para projetados 2,7%, em 2017. Em 2016, o déficit do INSS chega aos R$ 149,2 bilhões (2,3% do PIB) e em 2017, está estimado em R$ 181,2 bilhões. Os brasileiros estão vivendo mais, a população tende a ter mais idosos, e os jovens, que sustentam o regime, diminuirão”. Como solução proposta pelo governo, a idade mínima para aposentadoria deverá ser elevada: “O relatório final da comissão da Reforma da Previdência fixa idade mínima para requerer aposentadoria – 65 anos para homens e 62 anos para mulheres – e acaba com a possibilidade de aposentadoria exclusivamente por tempo de serviço no INSS” (http://oglobo.globo.com/economia/reforma-da-previdencia-entenda-proposta-em-22-pontos-19744743).

Por outro lado, o advogado Plauto Holtz postou nas redes sociais, em 16 de março, um comentário – não fica claro se dele ou de outra pessoa – em que argumenta que o referido “rombo” da Previdência não existe e que o Governo propositalmente deixa de contabilizar arrecadações (como PIS e COFINS) das quais são extraídas porcentagens que compõem o fundo da Previdência. De acordo com essa publicação, até mesmo em contas de água, luz, energia, ou em atividades como jogar na loteria ou assistir a uma partida de futebol profissional em estádio, ou mesmo construção ou reforma, há recolhimento de contribuição à Previdência. Também de acordo com essa publicação, há uma retirada mensal de 20% do fundo de Previdência para atender a outras pastas do governo.

Desse modo, e sem que se tenha de fato a transparência dos números, é legítimo e moral que o povo se levante contra as reformas. Afinal, esse mesmo povo já se cansou de ver pela televisão a avalancha de escândalos de corrupção e desvios, cujos valores ultrapassam sobremaneira o suposto rombo da Previdência.

Os industriais brasileiros, por meio de sua entidade de classe, a FIESP, lançaram a campanha de “não pagar o pato”, diante da crise econômica que começava a assolar o país. É justo que agora os trabalhadores digam um sonoro “Basta!” aos desmandos e à tentativa de fazer com que o povo pague novamente a conta dos banquetes da corja de parasitas que controlam o Brasil.

Este ano, no dia 9 de julho, será comemorado o centenário da Primeira Greve Geral do Brasil, que paralisou a cidade de São Paulo e, depois, estendeu-se por outras cidades. Naquela época, os trabalhadores conquistaram suas reivindicações. Que possamos ter a mesma sorte. Que tenhamos a mesma coragem dos nossos antepassados para que façamos jus ao mesmo sucesso que eles tiveram há cem anos.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

26.04.2017