Em anexo, segue o artigo que fiz sobre a participação de Sorocaba na Revolução Constitucionalista de 1932.
A Revolução Constitucionalista de 1932 em Sorocaba
Sorocaba era uma importante cidade do interior paulista na década de 1930, contando com um aglomerado de fábricas de tecido de grande porte, além de outros empreendimentos que fizeram a fama da localidade como a “Manchester Paulista”.
Entre 1929 e 1930 havia 7574 operários em Sorocaba, na contabilidade feita pelo registro obrigatório na Polícia local, eis que para o “controle social”, os trabalhadores eram fichados (CRUZEIRO DO SUL, 21 fev 1929 e 05 fev 1930). Em 1932 o número de trabalhadores cresce para 8338, distribuídos da seguinte forma: a Fábrica têxtil de Votorantim possuía 2818 operários, a Fábrica Santa Rosália, 878, a Fábrica Santa Maria, 805, a Fábrica Santo Antônio, 1074, a Fábrica São Paulo, 229, a Fábrica Nossa Senhora da Ponte, 941, a Fábrica de Enxadas, 103, a Fábrica de Arreios, 46, a Fábrica de facas e facões, 14 e as Oficinas da Sorocabana, 1430 operários (CAVALHEIRO, 2001).
A população local era de 78937 habitantes. A cidade, 38775. Na zona rural, 20679 habitantes. Os outros 19483 habitantes estavam distribuídos nos distritos de Votorantim (5217), Salto de Pirapora (888), Campo Largo (12019) e Brigadeiro Tobias (1359).
As organizações operárias giravam em torno dos ideais anarquistas e anarcossindicalistas, principalmente, sendo que o comunismo começava a adentrar no meio trabalhador sorocabano.
De outro lado, organizações de caráter fascista como a Legião Revolucionária e o Partido Nacional Fascista Italiano e o Dopolavoro também se faziam presentes. Em 1931 fundou-se em Sorocaba uma seção da Frente Negra Brasileira, organização que militava pela valorização social dos negros, especialmente em São Paulo. Do ponto de vista político partidário, permanecia o ideal liberal e os partidos tradicionais, como o Partido Democrático e o Partido Republicano Paulista, também disputavam o poder local.
A eclosão do movimento Constitucionalista de 1932 encontrará esse cenário em Sorocaba. Como bem salientou o historiador Boris Fausto, “O movimento de 1932 uniu diferentes setores sociais, da cafeicultura à classe média, passando pelos industriais. Só a classe operária organizada, que se lançara em algumas greves importantes no primeiro semestre de 1932, ficou à margem dos acontecimentos” (FAUSTO, 1999, p. 346). Em Sorocaba, os operários ligados os movimentos de trabalhadores também mostravam resistência aos apelos para a participação na Revolução que estourava no dia 9 de julho (CAVALHEIRO, 2001).
Porém outros setores da sociedade estiveram engajados no movimento revoltoso. Já nos primeiros dias após a eclosão da Revolução, o jornal Cruzeiro do Sul noticiou:
Movimento Constitucionalista de S. Paulo
[…]
Em Sorocaba a attitude de S. Paulo foi recebida com justificado jubilo popular, mantendo se o povo na praça cathedral em commentarios favoráveis. Á hora do concerto musical a banda executou o hymno nacional, ouvindo-se ao final vibrantes applausos e vivas. A população se mantem em calma e na mais perfeita ordem. E é preciso que isso continúe não só para o socego da família sorocabana como também porque é essa uma das melhores maneiras de se concorrer para a causa que nesta hora empolga todos os corações.
[…]
(CRUZEIRO DO SUL, 11 jul 1932, p. 1).
Nesse mesmo dia noticiou-se a espera de 800 praças provindas de Mato Grosso, que seriam alojadas no Teatro São Raphael, em Sorocaba. No dia seguinte, dia 12 de julho de 1932, foi aberto o voluntariado sorocabano com a partida, no mesmo dia, dos primeiros combatentes.
A história registrou os seus nomes: Jorge Martins Passos, Francisco Amaral Rogich, Leão Amaral Rogich, Rubens Scherepel, Rubens Gonçalves, Álvaro Martins Filho, Brasil Melchior, Carmo Scarpa, Hylário Corrêa[1], José Vieira Rodrigues, José Ibrahim Saker, Líbero Mudini, Ovídio Cattuzzo, Floriano Pacheco e Ary Seabra. Concomitantemente fundou-se a sede do MMDC em Sorocaba, numa sessão em que estiveram presentes o prefeito Octacílio Malheiro, Porphyrio Loureiro, Capitão Augusto do Nascimento Filho, Affonso Vergueiro, José Carlos Salles Gomes, Hernani Ferreira Braga e João Pereira Ignácio, este último representando o distrito de Votorantim.
Os primeiros voluntários escreveram uma eloqüente mensagem aos jovens sorocabanos, incitando-os a também partirem para a batalha:
Mensagem de moços
É da primeira leva de voluntários moços de Sorocaba a seguinte mensagem a nós entregue:
CONTERRÂNEOS: A época é de acções e não de palavras. Mentiríamos ao nosso honroso título de Paulistas, se nos deixássemos quedar indifferentes ante os acontecimentos históricos do momento. Eis porque partimos para a Capital do Estado, dispostos se mister for, a sacrificar a nossa vida em holocausto á causa Bandeirante. Ao partirmos, levamos a convicção de que somos acompanhados pelo vosso beneplácito, porque vós também sois Paulistas. Si, como tudo faz suppor, a causa Paulista for victoriosa, voltaremos satisfeitos de haver cumprido o nosso dever. Si tombarmos no campo da luta e da honra, vós conterrâneos queridos, irei nos substituir!
Gentes conterrâneas! Juntae as vossas orações ás de nossas mães, para que possamos brevemente regressar incólumes, trazendo a nova palpitante do triumpho da causa de nossa terra!
(aa) Hilario Correa – Ary Seabra – Jorge M. Passos – Francisco M. Rogich – Rubens Gonçalves – Rubens Schrepel – Alvaro Martins Filho.
(CRUZEIRO DO SUL, 13 jul 1932, p. 1).
A organização “MMDC” de Sorocaba tinha por fim o alistamento de voluntários e era filiada ao Comando Geral da Capital. O Dr. Adhemar de Sousa Queiróz, nomeado pelo Comando Geral do MMDC de São Paulo, presidiu a sessão de fundação da MMDC de Sorocaba, em 11 de julho de 1932, e da qual participaram ainda o prefeito Octacilio Malheiro, Porphyrio Loureiro, capitão Augusto do Nascimento Filho, Dr. Affonso Vergueiro, Dr. José Carlos de Salles Gomes, Dr. Hernani Ferreira Braga e o Sr. João Pereira Ignácio, representante do distrito de Votorantim (então pertencente a Sorocaba). Durante a Revolução, a organização “MMDC” ficou instalada em salas da prefeitura municipal.
A velha oligarquia paulista ressentiu-se da falta de exercício na política nacional. Os mandatários de antes agora estavam no ostracismo. E não eram somente os inimigos políticos da Revolução. Tanto o PRP quanto o PD paulista estavam relegados a um plano inferior na política nacional. Em Sorocaba essas duas forças, antes opostas, se uniram em prol da Revolução[2]. Igualmente fizeram os partidos regionais do Rio Grande do Sul, rompendo com Getúlio, e formando a Frente Única Gaúcha. Com isso, e com a promessa da entrada dos mineiros na revolta, os paulistas animaram-se para a luta.
No dia 13, fundou-se a Caixa Popular, com intenção de prestar auxílios aos voluntários pobres. Os estudantes do Ginásio Municipal e da Escola Normal (ambos no mesmo prédio) telegrafaram ao governador do Estado:
“Exmo. Sr. Embaixador Pedro de Toledo, muito digno governador de S. Paulo. Normalistas e gymnasianos de Sorocaba, solidários na cruzada patriótica de constitucionalização do paiz, hypothecam seu apoio a V.Exa. Sorocaba, 13-7-932.”
Criou-se um Batalhão Infantil com mais de duzentas crianças. Também um Batalhão Feminino. A colônia espanhola realizou um espetáculo, através do G.D. Dicenta[3], apresentado no dia 15 de agosto no Teatro São José, cuja bilheteria foi destinada a causa paulista. Também a mesma colônia, através da empresa André Asensio & Irmãos, arrecadou alimentos, roupas e dinheiro para o triunfo da Revolução. Os clubes de futebol também fizeram a sua parte: o Esporte Clube Savóia, de Votorantim, o extinto Guarany Futebol Clube, o São Paulo Junior, o Sport Club Sorocabano, o Sorocaba-Paulista (reunidos) e o São Bento doaram suas gloriosas taças angariadas em diversos campeonatos. Esse material foi doado para o Material Bélico das Forças Constitucionalistas: virou munição. João Genésio de Luca esteve em Sorocaba arrecadando “utensílios imprestáveis de metal”, preferencialmente de cobre, zinco, chumbo e latão.
No dia 16 de julho o prefeito Octacílio Malheiro renunciou. Em seu lugar, provisoriamente, subiu o capitão Augusto César do Nascimento Filho. Posteriormente assumiu esse cargo o senhor Ernesto de Campos.
A Companhia Nacional de Estamparia, a maior organização industrial sorocabana, ofereceu ajuda financeira aos trabalhadores que se dispusessem partir para o front. A mesma Companhia forneceu material para a confecção de distintivos aos combatentes da MMDC. O jornal Cruzeiro do Sul noticiou que chegou a cifra de 105 os voluntários sorocabanos que pertenciam aos quadros de funcionários das fábricas do Comendador Pereira Ignácio, o qual garantiu o salário dos mesmos durante todo o tempo de incorporação ao exército rebelde (CRUZEIRO DO SUL, 3 set 1932, p. 4).
Muitos dos sorocabanos partiram para Lorena, engajados no Batalhão Santos Dumont.
Oficialmente, a Frente Negra não quis participar desse Movimento. Com isso, ocorreu uma divisão nessa organização e fundou-se a Legião Negra, responsável pelo alistamento de homens negros que quisessem lutar pela constitucionalização do país. Com isso, em Sorocaba publicou-se a nota em que deixa claro que “O MMDC acceita inscripções dos valorosos homens de cor, para formarem batalhões da Legião Negra” (CRUZEIRO DO SUL, 13 ago 1932, p. 1). Sabe-se que dentre os sorocabanos que partiram pela Legião Negra estava o major João de Almeida Melces (CAVALHEIRO, 2013).
O Tiro de Guerra de Sorocaba enviou mais 100 homens, segundo os dados informados pelo historiador Aluísio de Almeida. Sobre o total de sorocabanos que partiram para os campos de batalha nessa Revolução, as informações são divergentes. Segundo o mesmo historiador Aluísio de Almeida, os números são bastante discrepantes. Diz o historiador:
Os primeiros voluntários são nitidamente nomes das classes não operárias. Em seguida, todos aderem. O jornal, refletindo a zoada popular, calcula em 2000 o número de sorocabanos nas fileiras. O M.M.D.C. ajuda-o nessa exaltação. Ora, ou as listas quase diárias das pessoas que seguiram foram injustamente incompletas ou o total não atingiu a 1000. Mas, 900 ou 950 é um número imponente (ALMEIDA, 2002, p. 401).
A segunda lista de voluntários sorocabanos contou com os seguintes nomes: Antonio Almeida Filho, José d’Ambrosio, José Soares, Abilio Soares Filho, Manoel Soares, Jorge Pilar, João Lisboa, Oswaldo Fasano, Sylvio Rocha, Germinal Signorelli, Pedro Oliveira e Antonio Antunes Almeida.
Em agosto, o hospital da Santa Casa de Sorocaba serviu quase que exclusivamente aos feridos nos combates. Também levantou-se um Hospital provisório no distrito de Votorantim (ALMEIDA, 2002, p. 400).
Apesar da vontade e do empenho dos paulistas, as forças federais eram numericamente superiores. Diz o historiador Boris Fausto:
Mas a superioridade militar dos governistas era evidente. No setor sul, as forças do Exército contavam com 18 mil homens, além da Brigada Gaúcha e outros contingentes menores. Os paulistas não passavam de 8500 homens. As forças federais contavam também com munição suficiente e artilharia pesada, contrastando com a precariedade dos meios à disposição dos revolucionários. No ar, os paulistas perdiam nitidamente para a aviação do governo federal. A Revolução de 1932 marcou aliás o ingresso da aviação no Brasil como arma de combate, em proporções consideráveis.
Apesar do desequilíbrio de forças, a luta durou quase três meses. O ataque sobre o território paulista foi lançado a partir do sul do estado, da fronteira com Minas Gerais e do Vale do Paraíba (FAUSTO, 1999, p. 350).
Nos primeiros dias de outubro os jornais sorocabanos anunciam o armistício. Era o fim da Revolução Constitucionalista. Aos paulistas, a derrota com sabor de vitória: o Brasil teve a sua Constituição promulgada em 1934. Talvez por esse motivo essa seja a única Revolução não triunfante a receber, em sua homenagem, um feriado estadual.
Carlos Carvalho Cavalheiro
09.10.2016
Historiador
Colunista dos jornais ROL e Tribuna das Monções
Colaborador Emérito do Núcleo MMDC de Itapetininga
Bibliografia
ALMEIDA, Aluísio de. Sorocaba, 3 séculos de História. Itu: Ottoni, 2002.
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Salvadora! Sorocaba: Crearte, 2001.
______________________. Nossa gente negra. Sorocaba: Crearte, 2013.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999.
Jornal Cruzeiro do Sul (Acervo do Gabinete de Leitura Sorocabano).
[1] Em um artigo intitulado “Nove de Julho”, o escritor Hilário Correia diz que “o primeiro voluntário sorocabano a partir para o front, arrastando atraz de si mais uma dúzia de êmulos (…) foi este seu amigo e criado”. Hilário Correia foi, portanto, o primeiro a se inscrever como voluntário na Revolução de 1932. O artigo citado foi publicado no jornal “O 3 de Março”, 14 de julho de 1957, 3ª página.
[2] “Aqueles ótimos novos governantes caíram ao sopro da Revolução de 1930, com os mesmos que combateram. Juntos se reergueram para a epopéia de 1932”. ALMEIDA, Aluísio de. Memória Histórica de Sorocaba (IX) – vol.XXXIX, nº 79. São Paulo: USP, 1969, p. 180.
[3] Grêmio Dramático Dicenta