Ricardo Hirata: 'Mundo caipira no teatro'

Ricardo Hirata:  ‘MUNDO CAIPIRA NO TEATRO’

A peça teatral: “O filho ingrato”, com um figurino impecável, desenhou no palco uma nostálgica e bela paisagem rural. Ela trouxe momentos: de alegria (risos), de tristeza (choros), de tensão e de um cotidiano de família presente inclusive nos dias de hoje.

A atuação do menino e do avô (interpretados respectivamente pelos atores Guilherme Rafael e Angelo Ricchetti) foram notáveis, pois ambos passaram muita emoção para a platéia: era possível sentir neles: o carinho, a pureza, a sensibilidade humana, a dor da separação e do abandono.

A mãe e a imã (interpretadas por Denise Brunatto e Carol de Oliveira Colorada) formaram uma dupla impar (única). Personagens que por serem amarguradas pelo destino vivido se tornam divertidas (hilárias). A fala da mãe: “Sogro a sua mala…” foi de uma sutileza cruel e terrivelmente engraçada.

O pai, personagem interpretado por Paulo Carriel, é em princípio, o elo de tudo. É possível ver nele o caipira sofrido, simples, mas cômico, muito talvez pela necessidade de “teatralizar” a realidade que não apresenta quase nenhuma saída. O fato de ser um homem submisso em certa medida a natureza e a sua esposa, o faz sufocar a sua dose de amor embrutecido que sente pelo pai.

Quando seu filho, o menino, lhe entrega o couro recebido do avô posto para fora de casa, o pai toma alguma consciência de que não é um homem enquanto sujeito de seu tempo e de seu espaço.

A sua condição o coloca como um trapo humano, um sobrevivente que se auto engana no meio árido em que “vive” sem viver, pois o que é viver de verdade (na sua plenitude)?

Todavia, a vida diária no campo com todas as suas dificuldades não deixa de ser bonita e foi justamente esta poesia encontrada pela genialidade do compositor Teddy Vieira que inspirou a cantora e atriz Kátia Baroni a escrever a peça. Ela também cantou (com seus talentosos músicos) no palco recriando uma atmosfera dramática, espontânea e acolhedora do mundo caipira de Itapetininga, SP.

Parabéns ao incrível diretor e ator Paulo Carriel, ao grande elenco, ao Grupo de Teatro “Detrás do Pano” e ao SESI pelo presente caloroso de inverno.

* A peça “O filho ingrato” foi apresentada no SESI de Itapetininga, SP, no dia 26 de julho de 2017, 20h00.

 

Ricardo Hirata
Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.




Ricardo Hirata: 'A dificil tarefa de pensar o Brasil de hoje'

Ricardo Hirata: ‘A DIFÍCIL TAREFA DE PENSAR O BRASIL DE HOJE’

A partir da análise que o deputado estadual Raul Marcelo (PSOL) fez em Itapetininga, SP, no dia 22 de julho de 2017, é possível destacar algumas questões:

  1. A inspiração na revolução feita por Getúlio Vargas em 1930 onde o Brasil passa por um processo de industrialização. Ele defende o fortalecimento da nacionalização: um Brasil para os brasileiros, não para os mercados internacionais.
  2. Raul enfatiza que o território brasileiro é continental, tem quantidade suficiente de terras agricultáveis, recursos naturais, possui uma população de tamanho razoável e abriga institutos de pesquisas e universidades de referência, fatores estes que favorecem o desenvolvimento nacional. Aqui ele coloca um posicionamento político entre os nacionalistas e os entreguistas do território brasileiro.
  3. O Brasil enfrenta um problema sério de falta de saneamento básico que não chega às moradias de muitos brasileiros, e sem isso os gastos em saúde tendem a serem ainda maiores em face das doenças que grande parte da população carente está exposta.
  4. A força dos grandes bancos que continuam lucrando muito diante da crise política, econômica e social e que ditam o que deve ser feito no território brasileiro.
  5. O enfraquecimento ou mesmo o desmantelamento do setor industrial: o Brasil regride quando se vê diante da necessidade de depender exageradamente das importações. O agronegócio como motor da economia brasileira é frágil, pois gera poucos empregos e apenas moderniza uma situação do passado onde o Brasil era apenas um país agroexportador.
  6. Raul fala de algumas grandes famílias que formam a elite brasileira, que não querem pensar o Brasil e sim apenas lucrar com o uso do território. Elas mandam seus filhos estudarem nos EUA e na Europa. O professor Milton Santos (USP) dizia que o mundo está nas mãos de um punhado de grandes empresas multinacionais ou globais, e que elas detêm o controle da produção e da distribuição das informações.
  7. Outro ponto levantado é o enfrentamento que precisa ser feito dentro das cidades com relação ao domínio das agencias imobiliárias. O setor imobiliário se apropria do território urbano. O espaço se transforma em mercadoria cara. O distanciamento na produção de bairros novos, de conjuntos habitacionais e de condomínios fechados, obriga o setor público a ter gastos relevantes com a expansão do saneamento, da energia elétrica, do transporte público, etc., valorizando imensos terrenos vazios, entre o centro e a periferia expandida artificialmente.
  8. A ênfase dada é que o Brasil precisa de fato de um governo comprometido com a sua gente. Sem dúvida nenhuma a imensa maioria de deputados e de senadores movidos pelos seus próprios interesses e por interesses daqueles que os financiaram não está preocupada com aqueles e aquelas que se encontram mais fragilizados no território que por enquanto ainda é nacional.
  9. No mundo globalizado existe uma guerra entre os países. Aqueles que investem no conhecimento e no desenvolvimento científico, técnico e que defendem seus territórios, e aqueles que precarizam a sua educação, desmontam as suas indústrias e vendem os seus territórios aos mercados internacionalizados.
  10. O debate esta posto: de quem é o Brasil e de quem será o Brasil? A defesa de um território brasileiro forte diante do contexto de globalização é uma leitura geopolítica importante, mas um ponto ainda não fecha: a revolução será feita então novamente por dentro do capitalismo? Como fica o socialismo no contexto histórico e geográfico atual?

 

Ricardo Hirata
Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.

 




Ricardo Hirata Ferreira: conto 'Um amor proibido'

Ricardo Hirata Ricardo Hirata Ferreira – ‘UM AMOR PROIBIDO’

 

Em um remoto vilarejo na Europa da Idade Média dois jovens foram perseguidos e condenados por tentarem viver o seu grande amor. Os religiosos e inquisidores da época eram implacáveis: jamais duas pessoas do mesmo sexo poderiam se amar, pois isso era contra as ordens do seu deus, do deus e das ordens criadas (elaboradas) por eles. Os dois jovens não eram vistos como humanos, mas sim como criaturas abomináveis que traziam maus presságios aquela comunidade.

João, um pouco mais velho que seu companheiro Felipe, sabendo do grave perigo que estavam correndo, implorou desesperadamente para que seu amor fugisse. Disse a ele que fosse embora e que assim que possível, ele iria partir ao seu encontro. Felipe muito assustado, mas confiante no forte elo que os unia resolveu então fugir. Antes da sua partida, João lhe fez um último pedido: “aconteça o que acontecer não volte para este vilarejo”.

Felipe então com as lágrimas descontroladas no rosto se despediu de João. Na manhã seguinte os inquisidores prenderam João, o castigaram duramente, queimaram seus olhos e perfuraram todo o seu corpo em público até a sua morte. O gesto foi feito para servir de exemplo a todos aqueles que desrespeitassem as ordens segundo eles divinas. João foi então jogado em um poço seco e profundo, apesar de todo o sofrimento, morreu com certo alívio, pois sabia que a vida do seu amor havia sido preservada.

Felipe, por sua vez, no meio do caminho, resolveu voltar, como se pressentisse que seu companheiro havia sido morto. Tomado pela paixão procurou desesperadamente João, mas tarde demais, ao implorar para que o levassem até o seu amor, os inquisidores e os homens da lei, o prenderam e o torturaram cruelmente, ele fora castrado e jogado ainda vivo no poço seco e profundo onde estava o corpo mutilado de João.

A fúria, o ódio e a dor insuportável tomaram completamente conta de Felipe, inconsolável, ele chorava e gritava alucinadamente agarrando em seus braços o amor de sua vida. Com muita sede e picado por inúmeras aranhas, Felipe, dias depois falece ao lado do seu amado.

O sentimento de alívio sentido por João antes do momento de sua morte o levou para outras vidas, não sem sofrimento, mas para lugares mais evoluídos, onde a tristeza, a alegria e alguns sonhos puderam ser vividos.

Por sua vez, Felipe que sentiu o horror na própria pele e que viu o estado deplorável que haviam feito com seu companheiro, faleceu com sentimentos de ódio, revolta e medo. Estes sentimentos o levaram para reinos longínquos: de muita dor, miséria e falsidade. Várias vezes ele renasceu levando consigo estes sentimentos tristes e vingativos, tendo suas sucessivas existências ligadas a eles.

Finalmente após algumas vidas, por um lapso momento do tempo de uma vida, os dois puderam e conseguiram se reencontrar. O reencontro foi mágico (sublime), parecia que ambos já conheciam um o corpo do outro. O olhar, o sorriso, o beijo, o toque e os abraços fizeram os dois reviverem um lindo, porém triste e proibido amor.

Os sentimentos de amor e de alegria possibilitaram que os dois se aproximassem novamente, porém estava evidente que cada um havia trilhado caminhos de existências e de vidas diferentes. Nesta vida houve a possibilidade do reencontro, contudo, em função destas distintas existências que foram, em certa medida, conduzidas por um: pelo sentimento de alívio e de serenidade, e pelo outro: por sentimentos de rancor e ira, os colocaram em diferenciadas posições e vibrações que ainda os impedem de viver plenamente o seu amor.

Talvez, em mais algumas vidas de aprendizagem, evolução e sem grandes retrocessos, ambos poderão viver de maneira feliz e completa este amor que fora interrompido de forma bárbara e precoce, pela frieza daqueles monstros que se travestem de seres humanos cegos, amargos e infelizes e que ainda assombram o século XXI.

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.




Ricardo Hirata Ferreira: 'A condição das mulher no mundo'

Ricardo Hirata Ferreira: ‘A CONDIÇÃO DA MULHER NO MUNDO’

 

Ricardo Hirata
Ricardo Hirata

As questões colocadas por Simone de Beauvoir na introdução do seu livro: “O Segundo Sexo. Fatos e Mitos” (1970) são pertinentes e atuais: “Em verdade haverá mulher? Que lugar elas ocupam no mundo ou deveriam ocupar? Onde estão as mulheres? O que é uma mulher?”.

Quando esta filósofa se debruça no estudo profundo sobre a condição da mulher que é singular, ela põe luz em um debate sempre renegado da história e nos sensibiliza ainda mais para compreendermos também a condição dos outros grupos deslocados (marginalizados) como: os negros, os migrantes, os índios, os homossexuais, as travestis, etc.

Outra questão destacada é: Como as mulheres sendo mais que a metade da população no mundo, se submeteram, desde o início, a servidão imposta pelos homens? Os homens como os senhores do mundo (da política, do mercado). As mulheres postas na condição de subordinação, vistas como uma ameaça foram colonizadas. Enquanto o homem é o sujeito, a mulher é o objeto.

Ela é enquadrada na condição do outro porque existe o “Um” que é absoluto (o homem). Seu texto além de desvendar o que estava oculto e dado como fato natural provoca a todo instante a obrigação de superar a dominação e a hegemonia dos homens (dos machos) nas diferentes sociedades.

O desafio é pensar um “Nós” das mulheres diante das diferenças sociais, culturais e espaciais. Romper a dependência e estabelecer um laço forte e significativo entre: a mulher burguesa, a mulher proletária, a negra, a lésbica, a asiática, a norte-americana, a francesa, a brasileira, a muçulmana, a budista e a evangélica, etc. Isto seria possível?

De maneira geral, as religiões possuem um repertório de inferiorização e incompletude da mulher. Na verdade, tanto a religião quanto a ciência são manipuláveis e também servem aos interesses de determinados grupos que assumem o poder.

No socialismo a discussão de gênero parece ter sido apagada ou relegada ao segundo plano. Na mundialização do sistema capitalista a luta é duplamente árdua, uma vez que o sujeito é esmagado e/ou subsumido, transformado em mercadoria e em consumidor, ou mesmo em uma peça descartável.

O patriarcado casa-se com o mundo do capital. O mundo dos homens funde-se ao mundo do capital.  É desta forma que mergulhar na reflexão proposta por Simone de Beauvoir torna-se uma lição imprescindível no século XXI, a leitura sobre a condição da mulher abre, sem dúvida, as possibilidades (as janelas) de emancipação de todos aqueles que estão a margem, de “fora da história” e que foram empurrados a sobreviverem em “não-lugares”, por outro lado, o lugar ganha força e é nele (neste lugar coletivo e global) que a consciência e a compreensão deste tipo de mundo é ampliada e os não-sujeitos tornam se sujeitos na sua mais alta totalidade de conhecimentos sobre si e seu entorno (expandido). Eis ai a base da existência de um mundo para as mulheres.

 

* O texto foi elaborado a partir das reflexões realizadas no Núcleo de Estudos de Gênero e Diversidade Sexual (NEGDS/ UFSCar/Sorocaba).

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.




Artigo de Ricardo Hirata: 'Partidos politicos em crise. O mundo sem confiança'

Ricardo Hirata Ferreira
Ricardo Hirata Ferreira

Ricardo Hirata – PARTIDOS POLÍTICOS EM CRISE. O MUNDO SEM CONFIANÇA.

É fato que os partidos deturpam a sua identidade quando colocam como meta apenas a chegada e a manutenção do poder.

Quando eles deixam completamente de ser o espaço onde se faz a pedagogia, o estudo, o debate e o aprofundamento de idéias, eles se tornam muito mais siglas do

que partidos.

De certa forma a maioria da população brasileira, por não ter formação, nem sempre vê o partido, e sim o indivíduo que está disputando as eleições.

O ideal seria se os partidos e seus membros deixassem claros os seus posicionamentos políticos, ou seja, a sua visão de mundo, para que as pessoas também pudessem se posicionar e escolher.

Contudo é conveniente para eles não fazer isso.

Muitas vezes se fala em nome do povo apenas por fachada.

O discurso é dirigido e feito em nome do povo. Mas que povo é esse?

O político partidário e o partido estão defendendo qual povo?

Seria honesto se o político e o partido falassem claramente quem estão realmente defendendo, por exemplo: os empresários (nacionais e/ou internacionais), os banqueiros, os grandes latifundiários, a classe média, os comerciantes, os pequenos agricultores, os sem terra, os sem teto, os professores, os estudantes etc.

Se defendem o Estado ou o Mercado, se vão privatizar ou estatizar (definir posicionamentos e formas de governar).

Outro problema sério são as alianças partidárias feitas a qualquer preço para ganhar as eleições.

As alianças extrapolam a tal da governabilidade e se tornam conchavos políticos da pior qualidade com total ausência de coerência e de identidade.

Porque em certo sentido os partidos perdem a sua identidade. Falam uma coisa e fazem outra.

Até que ponto vale à pena aliar-se com o inimigo, com o traidor?

Todos sabem que é da natureza do lobo comer o cordeiro, por mais bonzinho e satisfeito que ele esteja uma hora ele vai dar o golpe e devorar o cordeiro que vacilou

diante da situação.

Fala-se e promove-se muito a crise econômica, mas o geógrafo Milton Santos (USP) explicava que a maior crise que o período enfrenta é a crise da confiança. Como confiar no outro?

O outro hoje é o concorrente.

Ele deixa de ser humano e se transforma em consumidor e mercadoria no mundo do capital.

Além disso, o poder, dizia o professor, está concentrado nas mãos de um punhado de grandes empresas multinacionais.

Na hegemonia da mundialização do capital: os partidos, a confiança, a ética, a cidadania, a identidade, os valores, a moral, o amor, a educação, a saúde, os lugares, os países, a economia e a política entram em crise para não dizer em colapso.

Participar da sociedade de consumo, de forma precária ou plena, é muito mais prazeroso e sedutor do que participar de partidos, do mundo da política, de tal maneira que participar do mundo da política só é interessante se houver algum desfrute imediato disto.

Primeiro vem à satisfação do indivíduo, o coletivo só é interessante se houver retorno para o indivíduo.

O modelo de sociedade atual reforça a potência desta constatação, considere atrelado a isto o fascínio pelo status do poder.

A saída é a tomada de consciência.

Não se pode contentar com o excesso de informações intencionalmente produzidas e sair por aí emitindo opiniões cristalizadas.

Ser consumidor mais que perfeito e trabalhar para agradar e servir o mercado é muito pouco.

De modo geral a população gosta daquilo que é superficial e pouco profundo.

Os partidos e os políticos que aí estão não são cogumelos que brotam do nada, eles têm história e são produto do lugar, do

país e do tipo de mundo onde se habita.

 

Ricardo Hirata

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.




Artigo de Ricardo Hirata: 'O Golpe no Brasil, o triunfo do Capital'

Ricardo Hirata
Ricardo Hirata

Ricardo Hirata Ferreira – O GOLPE NO BRASIL. O TRIUNFO DO CAPITAL

 

Sobre o golpe alguns fatos precisam ser colocados. O primeiro deles é o fato do próprio vice-presidente e seu partido que também era governo romperem com a presidenta e promoverem o golpe de Estado. De forma alguma, pode-se aceitar um presidente que comete este tipo de traição, ele não tem legitimidade.

A presidenta Dilma foi reeleita com mais de 54 milhões de votos. Os votos destes brasileiros foram desrespeitados e jogados no lixo. A maioria dos deputados e senadores que defendem seus interesses não tem moral para julgar e derrubar a presidenta. Ressaltando-se aqui os deputados da bancada “BBB” (Boi, Bala e Bíblia).

Houve sem dúvida um boicote ao governo da presidenta por forças hegemônicas ligadas ao grande capital e por setores conservadores retrógrados com inspirações fascistas. A grande mídia também produziu e inflou a crise política e econômica no Brasil, tomando uma posição unilateral: criou informações e imagens na forma de espetáculo contra o governo. Diariamente a população brasileira, na sua maior parte empobrecida intelectualmente, foi contaminada por toda esta poluição de informações e versões intencionalmente produzidas.

É inegável que os governos Lula e Dilma trouxeram avanços sociais significativos. Dentre eles a criação de mais de 18 Universidades Federais pelo Brasil, espalhadas por todo o território brasileiro, o Programa Mais Médicos, levando médicos aonde eles nunca chegavam antes, porque não existia sensibilidade social para isso, o Programa Minha Casa Minha Vida, a luta pela erradicação da fome, uma vez que as elites sempre foram indiferentes ao sofrimento da fome do outro.

A presença das mulheres em seus governos e a eleição da primeira presidenta mulher também fez justiça ao maior segmento da população brasileira em uma sociedade historicamente patriarcal, machista e misógina.

A tomada do poder pelo então vice-presidente Temer, pelo partido derrotado na última eleição e demais partidos de direita e de extrema direita representam o triunfo de uma agenda neoliberal, que não comporta em sua essência as questões sociais e humanitárias.

Em seu discurso, o então presidente interino fala em tom autoritário sobre a retomada da tese do Estado Mínimo, já executada pela velha política realizada por FHC e assumidamente praticada pelos políticos desta mesma linha. O receituário básico é: sucateamento, terceirização e privatização.

O Estado Mínimo refere-se a uma internacionalização perversa do território brasileiro. A venda do que resta das empresas e dos bancos estatais e a entrada sem compromisso do capital internacional. É o lucro em primeiro lugar, enquanto que o ser humano e o meio ambiente ficam nos últimos lugares.

No mundo das finanças e da força da economia, a política é feita para enfraquecer e fragmentar os trabalhadores, destruir os direitos trabalhistas e fortalecer ainda mais aqueles que detêm o capital. O importante é a eficiência do sistema que intensifica o processo de desigualdade sócio espacial. As leis de maneira geral são usadas e garantem o funcionamento do sistema que privilegia uns, silencia e elimina outros.

Nesta perspectiva de paradigma e governo: a cultura não tem importância, a educação só é útil para produzir corpos domesticados e a saúde deve garantir que as peças das máquinas possam funcionar. É imprescindível que os corpos possam consumir, mas nem todos e nem todos os lugares precisam participar efetivamente do mundo do trabalho e do mundo do consumo. Cultura, educação e saúde têm validade quando são mercadorias. O cidadão desaparece, aparece o consumidor mais que perfeito.

Houve uma mudança de governo, elimina-se um governo que a duras penas tentava impor uma concepção humanista e de desenvolvimento social dentro da mundialização do capital (o que não deixa de ser um paradoxo) para instalação de outro governo, agora pragmático que visa o crescimento econômico a qualquer preço e que está do lado e a serviço não das pessoas, mas do agronegócio, dos grandes latifundiários, dos grandes banqueiros, dos grandes empresários (inclusive os da religião) e das multinacionais e corporações globais.

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.

 




Artigo de Ricardo Hirata: 'No reino dos objetos'

Ricardo Hirata Ferreira: ‘NO REINO DOS OBJETOS’

 

Ricardo Hirata Ferreira
Ricardo Hirata Ferreira

Vivemos em um período que tende a superficialidade, mas muitas vezes a radicalidade da superficialidade.

Soma se a isto a instantaneidade, o excesso e a raridade.

A ligeireza das informações, do conhecimento, das palavras, dos sentimentos e das relações, além da crença de que se sabe muito, quando não se sabe quase nada.

O paradoxo, no entanto é que junto com a ligeireza também coexiste a densidade; das emoções por exemplo.

O mundo nos lugares oferece muitas possibilidades e a experimentação torna-se uma necessidade (uma obrigação?).

Sempre me vem à pergunta: quem tem acesso? Uns mais, outros menos.

Ao mesmo tempo em que o descartável ganha força, em oposição, o apego também se fortalece.

Há muitas imagens, muitas falas, se escreve muito, se publica demais em pouco tempo…

Assim como existe pouca reflexão ocorre também um exagero de reflexão.

Nem sempre o aprofundamento da reflexão sugere a honestidade da análise.

A população enorme de objetos (técnicos) também é uma variável a ser levada em consideração, conforme já alertava o professor Milton Santos na década de 90.

As relações e as interações com os objetos de alguma forma já superaram as relações e as interações humanas.

Falamos, rimos, agimos e pensamos por meio dos e com os objetos.

Passamos muito tempo junto com eles.

O meio é hoje cada vez mais o reino dos objetos artificiais. Seres mais artificiais e menos naturais?

O atraso é ainda a não existência de andróides a imagem e semelhança de Deus que a ficção científica já revelou no passado em um futuro que pode chegar logo.

Tínhamos antes a televisão que abriu grandes horizontes, que também ampliou a alienação e “prendeu” as pessoas no espaço. Da calçada da rua fomos para o sofá dentro da casa.

Hoje temos a internet que expande os olhares e as ações, mas que também de alguma maneira limita e aprisiona.

Vejo velhos vidrados na TV e jovens fixados, crescendo e comendo em frente aos computadores.

Não sei por que, mas sempre me causava espanto ver pessoas falando sozinhas em shopping-centers, ou melhor, falando em meio às prateleiras repletas de mercadorias.

Muitas vezes não via tanta diferença entre paquerar a embalagem do extrato de tomate no hipermercado ou alguém em alguma balada. Constatação desagradável.

A máxima de que o shopping-center é o grande templo da mercadoria como já dizia a geógrafa Silvana Pintaudi da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Rio Claro) é a marca deste tempo no espaço.

Não posso deixar de notar que os objetos implantados ou removíveis do corpo estão cada vez mais aprimorados, antes o fone nos ouvidos permitia apenas ouvir e se plugar em outro mundo paralelo, atualmente os fones vem com microfones que também permitem falar e ser ouvido por alguém que está em algum ponto do planeta.

Causa-me ainda espanto ver pessoas conversando aparentemente sozinhas nos automóveis de uma grande metrópole como em São Paulo, ou caminhando nas ruas de uma cidade média, gesticulando, rindo ou chorando e até mesmo gritando, em princípio sozinhas.

Aliás, acompanhadas dos seus objetos, agora o celular mais sofisticado que conecta as pessoas (criaturas virtuais e reais?).

Antigamente quando alguém começava a falar alto estando só, dizia se que era louco, nos dias de hoje parece ser normal. Mesmo assim é no mínimo estranho.

Tudo sem dúvida precisa ser revisto com o desenvolvimento acelerado da tecnologia. O fato concreto é que a sociedade ainda é a capitalista.

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP