Pedro Novaes: 'Estiagem comemorada'
Pedro Israel Novaes de Almeida – ESTIAGEM COMEMORADA
Quando o primeiro português desceu da caravela, algumas regiões do nordeste já passavam por forte estiagem.
A primeira e eterna providência foi socorrer as populações que, aos poucos, foram ocupando aqueles espaços. Caminhões – pipa, frentes de trabalho e crédito para não ser quitado inundaram a região, atraindo e consolidando moradores.
Ao crédito rural foi acoplado o seguro agrícola oficial, e as estiagens passaram a ser tratadas como inesperadas e fortuitas. O Proagro cobria o prejuízo das aventuras e irresponsabilidades oficiais.
Instalou-se, tão pérfida quanto criminosa, a indústria da seca, que produzia bem mais que eventuais chuvas. Foi consolidada uma casta política de poucas virtudes, repetidamente eleita com os favores que conseguia, a crescente categoria de dependentes de providências oficiais.
A população nordestina, com vasta cobertura até de cancioneiros e poetas, foi conduzida a considerar a seca como inesperado causador de sofrimentos e misérias. Deus passou a ser apontado como causador de estiagens, que jamais eram esperadas no ano seguinte.
Enquanto isso, Argentina e China tratavam seus desertos com naturalidade, com poucos sobressaltos e sofrimentos. O Brasil decidiu, então, revogar o clima, e tratar a seca com os remédios da politicagem e favores, que geravam cargos e feudos.
Populações acabaram instaladas em regiões incapazes de gerar sustentos, e são as maiores vítimas da encurtada visão e alongada irresponsabilidade oficial. A região foi alvo de pouquíssimos investimentos que pudessem permitir a emancipação dos dependentes.
Árabes e israelenses vivem em ambientes mais inóspitos, mas edificaram onerosíssimos sistemas, que envolvem até a retirada do sal da água marinha, e seu transporte a áreas de consumo. No Brasil, universidades e institutos de pesquisa estão abarrotados de sugestões técnicas, pouco lidas, que minorariam, e até solucionariam muitos problemas.
Certa feita, acompanhando uma equipe técnica internacional, ficamos envergonhados quando, na foz do São Francisco, fomos indagados se era correto deixarmos tanta água seguir ao mar, deixando para trás tanta secura e sofrimento.
O nordeste envolve muitas paisagens, algumas chuvosas e com terras férteis. Hoje, ostenta uma próspera indústria.
Grande parte dos nordestinos, contudo, ainda reside em regiões de colonização artificializada, sofrendo as agruras de um clima que sujeita a sobrevivência a providências sempre eleitoralmente agradecidas. Têm razão a assertiva de que o nordestino é, sobretudo, um forte.
A atual crise, com severas limitações do erário, deixa mais distante os investimentos necessários ao soerguimento da agricultura regional, a partir de espécies vocacionadas. A centenária crise de ética e representatividade continua a opor obstáculos a medidas que diminuam dependências e valorizem a cidadania.
Dependências geram currais eleitorais.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.