Pedro Novaes: 'Selvagens'

Pedro Israel Novaes de Almeida

SELVAGENS

 

Não atingimos, ainda, um grau satisfatório de civilização, e, em alguns aspectos, ainda somos selvagens.

Campanhas de vacinação raramente conseguem atingir os objetivos iniciais, e muitas doenças, já erradicadas, retornam a nosso meio. Vítimas e gastos públicos são consequências de tal deseducação.

Os bancos de sangue vivem esmolando doações, chegando a níveis perigosos de armazenagem. A maioria das pessoas só atende aos chamados quando algum parente ou amigo próximo está internado, necessitando de socorro.

Rios e terrenos alheios são os destinos preferenciais do lixo, orgânico ou sólido. A facilidade e impunidade de tal procedimento gera constantes insalubridade e enchentes.

Todos juram amor aos animais, mas poucos não chutam os animais alheios, quando julgam necessário. A solidariedade, quase sempre dispensada aos que habitam o mesmo teto, raramente é estendida aos não próximos.

Se algum morador resolver plantar uma árvore na calçada, esmerando solitários cuidados, a vizinhança fica aguardando o surgimento da sombra, para estacionar seus veículos. Egoisticamente versados em direito intuído, vizinhos sentenciam que a rua é pública.

Temos a tendência de dispensar melhor tratamento a pessoas tidas como poderosas, famosas ou abastadas, que a nossos semelhantes. As piadas parecem mais engraçadas, as opiniões mais acertadas e os defeitos naturais e perdoáveis.

Apesar de sermos tradicionalmente ignorantes em matéria política, adotamos chavões como verdades supremas, e saímos por aí, palestrando superficialidades. Optamos por um partido antes de tendermos para alguma ideologia, e nosso comportamento eleitoral é semelhante ao de uma torcida uniformizada de futebol.

No trânsito, ser ultrapassado é sofrer ofensa grave, e fingir que é idoso ou deficiente, por breve período, nada mais é que salutar esperteza. Ostentar equipamento de som soa como ser social e economicamente incluído.

Cultuamos com fervor e passividade as modernidades nos costumes, e julgamos que tudo é válido e deve ser tolerado, desde, é claro, que não sejam praticadas por nossos filhos. Somos, quase todos, liberalíssimos da porta para fora, e cruéis ditadores, da porta para dentro.

Muitos se compadecem dos animais de rua, alimentando-os porta afora, mesmo que tais animais vivam mordendo e empestando a vizinhança. Quando criam animais dentro de casa, saem em passeio, obrigando os transeuntes à mudança de calçada e intimidação.

Sanitários públicos são tratados como pocilgas, emporcalhados a cada uso. Pobres e negros sempre parecem suspeitos. Com tudo isso, não é verdade que somos um povo ordeiro, trabalhador e respeitoso.

 

 

Pedro Israel Novaes de Almeida

pedroinovaes@uol.com.br

o autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.