Análise e crítica literária da obra ‘Dias de Expiação’, um romance de Orlando Ukuakukula: um olhar sócio-político no contexto angolano
O tempo, em DIAS DE EXPIAÇÃO, abrange um período estimado em 47 anos da história de Angola
Dias de Expiação é um romance em terceira pessoa cujo narrador apresenta características de ominiciência que, ao longo da narrativa, narra factos que, em condições normais, não teriam lugarem nosso mundo. Coisas essa que ele (o narrador) vê, não apenas nas ações das personagens, mas também a partir do seu meio social.
Há na narrativa uma espécie de discurso indirecto livre, onde a voz do narrador em terceira pessoa se confunde com a voz de alguma personagem, claro, o protagonista, nota-se no último parágrafo do livro (p. 172), a desilusão que o autor cria no momento do discorrer dos factos.
O tempo, em DIAS DE EXPIAÇÃO, abrange um período estimado em 47 anos da história de Angola. Tudo indica conversar com o que o crítico literário Joaquim Martinho regista em ‘NARRATIVA DE ESPERA’ um povo cansado e rico de falsas promessas e, portanto, vive esperando por dias melhores. E, enquanto isso, vivem expiando. É possível afirmarmos de forma tácita devido à géneses dos factos no discorrer deste romance.
A obra foi publicada em 2022, sendo obra única de romance do autor, criada com estilo próprio por sua estrutura e linguagem inovadora do ponto de vista fono-estilistica e não só, assim como aquele jogo mágico que só tem sido possível vermos em atores clássicos e renomados de Angola. Como é o caso de o leitor ler o fim da narrativa mesmo quando ainda estivesse no princípio da leitura e vice-versa.
As viagens nas terras do Sul de Angola feitas por Man-pele, são verdadeiramente um marco para a moderna prosa e um importante documento de referência para entender a forma como se esbanja os recursos do erário, o que seria de todos gozava, ou goza apenas uma dinastia. O que realmente expressa uma prática que colocava/ coloca em decadência o império e regime ditatorial do governo angolano nessa época da narrativa. Vê-se pela vedação e a subtração da educação e o cafrique do direito à informação, deixando alheia a imprensa e todo um conjunto de direitos a quem é merecedor.
Uma obra totalmente actualizada cuja história é contada por um dos personagens já velho, Ndembo, que simboliza ‘aqui’ o passado que mais tarde encarna-se em Costa para explicar o presente e claramente, de forma intencional, vem construindo o conceito de história que ele mesmo vai narrando por ser um dos personagens principais (no caso, o avô Ndembo que, já sentindo-se morrer, vê frustrado o seu sonho com o anoitecer do tempo no país que lhe viu nascer) em primeira pessoa e sentindo tudo na pele.
O ponto de vista desta história centra no personagem velho que, mais tarde, no ciclo de cedência de hábitos e costumes, é passada de geração em geração (daí a importância da literatura na emancipação da memória individual ou coletiva para reconstrução da história). O autor sente-se obrigado a cofinar-se inteiramente nos pensamentos, sentimentos e percepções a outra personagem ‘Costa’.
O que se pode saber a respeito das demais personagens (incluindo sentimentos e pensamentos), ou o que nos é passado através delas, são as sensações das regalias, luxúrias, viagens, dramas e, sobretudo, o manifesto da oralidade linguística daquele espaço jurídico ou imaginário-geográfico e a verdadeira crucificação da miséria tatuada na alma dos pobres.
A questão das viagens do senhor Pedro e os acessos e excessos do casal, sempre foi parte integrante e típica do estilo de vida de uma só família em detrimento de outras.
Vê-se nas entrelinhas da obra, que desde cedo que tomou-se a independência de Angola em 1975, quando o colono português registrava sua história com a entrega da soberania e o território aos que foram colonizados, eles produziram uma literatura que ficava restrita aos conhecimentos dos factos do passado. O que levou Mbapele e tantos outros personagens crerem no que liam de narrativas reverendíssimamente estorquidas e contadas no lado do vencedor, ou dominador.
Dias de expiação, como título da obra, está assinalando desde o primeiro contacto marcas que dão conhecer sobre a situação SÓCIO-POLITICA de Angola, onde o autor deixa patente que vai tornando seu romance em uma sátira ou num escárnio de mal dizer.
Através da exposição. Dias que se vive no interior do país do autor, do narrador e até das personagens, busca-se a fonte do que é ser angolano em momento de drásticas mudanças e reformas no país. (p. 13) onde formava-se cidadania vestindo camisolas e tendo cartão de militância política, e doutro lado, os sucessivos debates e palestras de Costa.
O pano de fundo em DIAS DE EXPIAÇÃO é a revolução liberal das consciências para uma possível alternância do poder, o que, grosso modo, as ideias liberais surgem como oposição ao monarquismo, terrorismo, o criminismo, mercantilismo e ao cafrique do poder religioso. No momento em que narra os factos, o país que se quer libertar das mãos dos que governam o país hoje (MPLA) é monarquista com fortes raízes da corrupção e marimbondagens que viam qualquer ideia liberalista como antinacional e inimigos da pátria.
O romance faz oposição face a diversas crises e o embate entre os marimbondos ( MPLA) e a corrente que se estava a criar de forma liberal que no romance é representado por COSTA (UNITA), que acabou por gerar manifestações feias que colocou uma corrente inimiga entre o povo, a monarquia e a dinastia.
O autor, em DIAS DE EXPIAÇÃO, mostra-se como quem sempre lutou pelos ideais liberais e mantém nos DIAS DE EXPIAÇÃO o propósito, através da narração de factos do presente e do passado, sempre renegando aquele em favor do outro.
Portanto, brinca-se também com a questão da verossímil, o que leva à má interpretação do texto recusando-se do possível imaginário literário e criando-se a ilusão do VERDADEIRO através do uso de um tom calculadamente típico do real angolano e uma aproximação com o quatidiano.
Os diversos temas expostos pelo narrador nesta obra servem para demarcar idiologicamente a obra. O discurso do narrador revela o caótico estado em que se encontra Angola; com o excesso de corrupção da consciência da sociedade, a aristocracia decadente e o modelo famíliar bantu corrompido por atitudes individualista burguesa.
Costa aparece como símbolo de resistência entre a tradição (monarquismo) e modernidade (ideias que libertam). Costa é alérgico a pessoas como seu amigo Mbapele ‘monarquismo’. O que denota uma verdadeira crise moral coletiva que tem origem na moral individual, que cria a divisão do espaço social das duas correntes políticas e, portanto, uma forte oposição ao governo.
Seguia várias vezes em citar ‘Neto’para deixar claro que era preciso todos pensarem em ser livres das suas próprias psicologia e construirem um presente novo. Desse jeito, o próprio autor não vê perspectivas de continuar com o regime, mas sim, em mudança devido à imagem que o homem angolano novo tem. Dessa forma, apesar de conseguir enxergar um possível revirar no cenário político angolano, vê também um caminho para a recuperação de Angola.
Termina a obra com esperança de uma mudança nas próximas de eleições de 2027 devido a forma de pensar ‘O PAÍS’ e o actual proceder da juventude que, por sinal Costa, o personagem, os representa na narrativa, acredita não falhar.
* UNITA – partido político: União Nacional para Independência Total de Angola
* MPLA – partido político: Movimento Popular para Liberação de Angola
* MARIMBONDO: insectos da família dos pompilios, ou seja, são vespas parasitóides com valor semântico de corruptos e salteadores do erário.
Tomé Simão kissanga Marcelo (Seth Marcelo)
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