Gonçalves Viana: 'Mulheres…'

A mulher, desde tempos imemoriais, povoa com o seu encanto e a sua graça, o imaginário da mente masculina, enchendo-nos de alegria, de tristeza, de confiança e incertezas.”

Rapto das Sabinas – obra do pintor francês Jacques-Louis David

Mulher, esse ser misterioso, essa criatura diáfana, cercada de uma aura mágica, quase divina. Mulher, sem a qual não haveria a propagação da espécie, a continuidade da raça humana, já que Deus, em sua infinita Sapiência, houve por bem dotá-la do poder de gerar a vida.

A mulher, desde tempos imemoriais, povoa com o seu encanto e a sua graça, o imaginário da mente masculina, enchendo-nos de alegria, de tristeza, de confiança e incertezas.

Guerra de Troia

Ela já foi cantada e decantada em versos e prosa, por toda sorte de escritor, poeta, músico, compositor, trovador, namorado, amante e quejandos e tais.

Quantos conflitos, quantas guerras, já aconteceram em seu nome (Rapto das Sabinas, Guerra de Tróia, Guerra Æsir-Vanir, Centauromaquia, etc.).

Há sempre um vulto de mulher

Sorrindo em desprezo à nossa mágoa

Que nos enche os olhos d’água

Esses versos da canção “Pierrô”, composta por Joubert de Carvalho e Paschoal Carlos Magno, enfatiza bem o papel da mulher como musa inspiradora.

Sílvio Caldas

Só para dar uma pálida amostra (pálida, em face à enorme quantidade de fatos que existem dessa natureza, exaltando a mulher!) da importância dela em nossa vida, quero citar três músicas que ressaltam essa condição.

♦ A primeira é um Fox-canção, composta em 1940, por Custódio Mesquita e Sady Cabral, e gravada por Sílvio Caldas:

 

 

MULHER

Não sei

que intensa magia

teu corpo irradia

que me deixa louco assim

– Mulher –

Não sei,

teus olhos castanhos,

profundos, estranhos,

que mistérios ocultarão

– mulher –

não sei dizer

– mulher –

só sei que sem alma

roubaste-me a calma

e a teus pés eu fico a implorar.

O teu amor tem um gosto amargo…

eu fico sempre a chorar nessa dor

por teu amor… por teu amor…

Mulher…

Essa música foi considerada muito sensual para a época. Imaginem em pleno 1940, alguém falar em “… que intensa magia, ter corpo irradia, que me deixa louco assim…”. Não temos a informação se essa música foi composta para alguma amada.

♦ A segunda é mais recente, é de 1980, portanto demos um salto de 40 anos no tempo e, geograficamente vamos do Brasil para os Estados Unidos, na cidade de Nova Yorque, onde um inglês resolveu homenagear a sua amada – uma oriental – compondo uma canção para ela.

Esse inglês havia pertencido a um dos mais famosos grupos de rock do mundo, o nome desse grupo: The Beatles e o dele: John Lennon e o da sua amada: Yoko Ono, acusada por muitos, de ser o pivô da separação do grupo que estava no auge da fama em 1970.

Isso vem corroborar a nossa afirmação sobre a influência que uma mulher pode exercer sobre um homem. E esse sentimento, que muitos chamam de amor, não se rende às barreiras de tempo, de espaço, de etnia ou de condições sociais. Quando um homem se apaixona por uma mulher, ele é capaz de abandonar tudo (família, amigos, carreira, fama) pelo objeto da sua paixão.

Logo que os Beatles se separaram e cada um foi para o seu lado, cuidar da própria carreira, John e Yoko seguiram juntos gravando vários álbuns solo e participando alucinadamente do “jet-set internacional, até estacionarem em Nova Yorque, onde ficaram por mais ou menos cinco anos sem fazer nada, a não ser, como o próprio John afirmou, aprendendo a viver, cuidando do seu amor, Yoko, e do filho Sean.

Então, em 1980, John voltou às atividades musicais, gravando o álbum “Double Fantasy”, no qual constava a ode composta para Yoko, mas que serve para todas amadas deste mundo.

Woman

                                                (For the other half of sky)

Woman I can hardly Express

My mixed emotions at thought lessness

After all I’m forever in your debt

And woman I Will try to Express

My inner feelings and thankfulness

For showing me the meaning of sucess

Ooh, well, well

Doo, doo, doo, doo, doo

Ooh, well, well

Doo, doo, doo, doo doo

Woman I know you understand

The little child inside of the man

Please remember my lige is in your hands

And woman hold me close to your heart

However distant don’t keep us apart

After all it is wrttten in the stars

Ooh, well, well

Doo, doo, doo, doo, doo

Ooh, well, well

Doo, doo, doo, doo, doo

Ooh, well, well

Doo, doo, doo, doo, doo

Well

Woman please let me explain

I never meant to cause you sorrow or pain

So let me tell you again and again and again

I love you, yeah, yeah

Now and forever

I love you, yeah, yeah

Now and forever

I love you, yeah, yeah

(John Lennon)

 

MULHER

                                               (Para a outra metade do céu)

Mulher, eu quase não consigo expressar

Minhas emoções confusas na minha negligência

Afinal de contas, estou eternamente em dívida com você

E, mulher, eu tentarei expressar

Meus sentimentos interiores e gratidão

Por me mostrar o significado do sucesso

Ooh, bem, bem

Doo, doo, doo, doo, doo

Ooh, bem, bem

Doo, doo, doo, doo, doo

Mulher, eu sei que me compreende

A criança dentro do homem

Por favor, lembre-se minha vida está em suas mãos

E, mulher, mantenha-me próximo do teu coração

Por mais que distantes, não nos mantenha separados

Afinal de contas, está escrito nas estrelas

Ooh, bem, bem

Doo, doo, doo, doo, doo

Ooh, bem, bem

Doo, doo, doo, doo, doo

Bem

Mulher, por favor deixe-me explicar

Eu nunca tive intenção de te causar tristeza ou dor

Então, deixe-me te dizer de novo e de novo e de novo

Eu te amo, sim, sim

Agora e para sempre

Eu te amo, sim, sim

Agora e para sempre

Eu te amo, sim, sim

(John Lennon)

Erasmo e Narinha

♦ Para a terceira música, voltemos ao Brasil, porém, um ano depois, em 1981 com mais um ídolo da juventude de então, o cantor e compositor Erasmo Carlos e a homenagem que ele ofereceu para sua amada esposa, Narinha:

MULHER (Sexo Frágil)

Dizem que a mulher é o sexo frágil

Mas que mentira absurda!

Eu que faço parte de uma delas

Sei que a força está com elas

Vejam como é forte a que eu conheço

Sua sapiência não tem preço

Satisfaz meu ego, se fingindo submissa

Mas no fundo me enfeitiça

Quando eu chego em casa à noitinha

Quero uma mulher só minha

Mas pra quem deu luz não tem jeito

Por que um filho quer seu peito

O outro já reclama a sua mão

E outro quer o amor que ela tiver

Quatro homens dependentes e carentes

Da força da mulher

Mulher, mulher!

Do barro que você foi gerada

Me veio a inspiração

Pra decantar você nesta canção

Mulher, mulher!

Na escola em que você foi ensinada

Jamais tirei um dez

Sou forte, mas não chego aos teus pés.

(Erasmo Carlos)

Sobre John Lennon, depois daquele disco, ele gravou mais um, o Milk and Honey. Para logo em seguida ser tragicamente assassinado em frente ao Edifício Dakota, onde morava, em Nova Yorque, por um fã mentalmente perturbado.

Já Erasmo, acabou por separar-se de Narinha, que veio a falecer posteriormente.

Mas, de uma forma ou de outra, eles, os autores dessas músicas, acabaram eternizando o amor que sentiam por suas queridas esposas através de suas poesias e canções, para sempre gravadas no cancioneiro mundial.

Pois sim, as coisas, as pessoas passam, pois somos efêmeros, mas o sentimento por esses seres tão especiais, as MULHERES, não passarão, jamais. Porque enquanto houver pelo menos um casal no mundo, o homem estará lá entoando loas em louvor à mulher!

                                                                               Gonçalves Viana – viana.gaparecido@gmail.com

 

 




Gonçalves Viana: 'Caprichos do destino'

“… certa vez, Pedro Caetano foi a uma festa, onde um pequeno conjunto de baile fazia a animação, de repente, o baterista, que também era o crooner, começou a cantar Pedra Que Rolou. O amigo que acompanhava Pedro disse ao crooner: ─ Essa música que você está cantando é do meu amigo, aqui, Pedro Caetano!”

 

Ele nasceu em 1º de fevereiro de 1911, sua família morava numa fazenda em Bananal/SP, mas somente no dia 24 é que seu pai foi registrá-lo. Ele havia escolhido o nome de Pedro Waldyr Caetano, porém, o escrivão anotou o nascimento, na data do registro, e o nome como Pedro Walde Caetano. Seu genitor, homem do campo, que não ligava para esses detalhes, deixou por isso mesmo.

Pedro, com doze anos, foi para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar numa sapataria, como vendedor, mantendo, também, o hábito de fazer músicas.

Silvio Caldas

Em 1934, Sylvio Caldas se interessou em gravar um samba-choro de sua autoria, Juramento Falso, e disse que iria gravá-la na semana seguinte, no entanto, essa semana seguinte foi se prolongando tanto que essa gravação só foi acontecer vinte anos depois.

Enquanto isso, esse samba foi gravado por muitos cantores, mas com o nome de Pedra Que Rolou, pois nessa época, Orlando Silva gravou, com muito sucesso, o samba de J. Cascata e Leonel Azevedo, Um Juramento Falso.

Pois bem, certa vez, Pedro Caetano foi a uma festa, onde um pequeno conjunto de baile fazia a animação, de repente, o baterista, que também era o crooner, começou a cantar Pedra Que Rolou. O amigo que acompanhava Pedro disse ao crooner: ─ Essa música que você está cantando é do meu amigo, aqui, Pedro Caetano!

No intervalo, o cantor, que se chamava Claudionor Cruz, foi até ele e, apresentando-se, disse que gostava muito de música, e que também compunha. Nascia ali, uma prolífica dupla de compositores, com inúmeros sucessos, que acabaram por se tornar clássicos da MPB.

Orlando Silva

Uma das primeiras composições da dupla – um megassucesso – foi a valsa Caprichos do Destino, magistralmente gravada por Orlando Silva, em 30/07/1937.

Claudionor havia composto uma valsa muito triste, e pediu para Pedro fazer uma letra para deixá-la um pouco mais alegre, mas Pedro construiu uma letra mais triste ainda. Pois o trecho “Sou um covarde bem sei / O direito é levar a cruz até o fim / Mas não posso / É pesada demais para mim”, sugere a intenção quase explícita de suicídio. Foi o que bastou para criar-se a lenda de que o autor havia se suicidado.

 

CAPRICHOS DO DESTINO

Se Deus um dia

olhasse a Terra e visse o meu estado

decerto compreenderia

o meu viver desesperado

E tendo Ele em suas mãos

o leme dos destinos não me deixaria

a cometer desatinos…

É doloroso

mas infelizmente é a verdade

eu não devia nem sequer

pensar numa felicidade

que não posso ter,

mas sinto uma revolta

dentro do meu peito

É muito triste não se ter

direito nem de viver

Jamais consegui um sonho ver concretizado

por mais modesto e banal sempre me foi negado

Assim, meu Deus, francamente devo desistir

contra os caprichos da sorte eu não posso insistir

Eu quero fugir ao suplício a que estou condenado

eu quero deixar esta vida onde fui derrotado

Sou um covarde, bem sei,

que o direito é levar a cruz até o fim

mas não posso, é pesada demais para mim!

 

Um dia, Pedro estava em um bonde, quando embarcou um grupo de colegiais, que se sentaram no banco em frente. Uma delas começou a cantar: “Se Deus um dia olhasse a Terra e visse o meu estado…” Outra a interrompeu imediatamente: “Não cante isso, pelo amor de Deus, eu fico toda arrepiada! O autor dessa letra suicidou-se, coitado.”

Pedro achou muita graça e resolveu fazer uma brincadeira. Inclinando-se, bem juntinho ao ouvido de uma delas, falou com voz rouca e cavernosa: “O autor dessa valsa sou eu!”

Elas se apavoraram e quase saltaram do bonde em pleno movimento, até que perceberam que não se tratava de nenhum fantasma.

Certamente o que contribuiu para o fortalecimento da lenda, foi a interpretação memorável de Orlando Silva. No dia 12 de setembro de 1937, um sábado, aconteceu a inauguração daquela que representaria, para a época, o que a Rede Globo significa atualmente: a Rádio Nacional. Esse evento se deu no edifício A Noite, um amplo auditório, uma novidade sem igual, no país. Tendo um palco feericamente iluminado ao estilo dos grandes teatros de variedades.

Os aplausos se repetiam a cada apresentação, transcorria o espetáculo de grandiosa produção e beleza. As atrações de maior brilho apresentar-se-iam após as 21 horas, entre elas, Orlando Silva e Francisco Alves, que fechariam o evento, com um grandioso recital.

Quando chegou sua vez, Orlando Silva aproximou-se do microfone, olhando-o com ternura e acariciou lhe a haste metálica, na deixa dos violinos e o arremate da harpa, ele entoou a canção com uma voz clara, muito bonita e de ampla sonoridade, que aqueles equipamentos moderníssimos – para então – valorizaram-na ainda mais.

O modo como percorreu os versos iniciais despertou a plateia, pois os números apresentados até aquele momento foram humorísticos ou dançantes. Agora aquele jovem, de ar grave, envolvido por uma vaga tristeza, soluçava, ao cantar os versos melancólicos, como nunca se ouvira antes. Um frisson parecia percorrer as pessoas da plateia.

Se Deus um dia olhasse a Terra e visse o meu estado…

O soluço que Orlando Silva, pela primeira vez, empregava com estudada intenção, servia para a formação de um clima sentimental. Nesta primeira parte da canção, todos perceberam o cantor se entregando ao delicioso delírio dramático, valendo-se desse recurso para obter um resultado muito sedutor.

No trecho “mas sinto uma revolta / dentro do meu peito…”, ele levou a plateia a uma profunda emoção, e uma mulher, sentada na segunda fila, mordia os lábios acompanhando a voz descrever a sequência em falsete de pura meia voz. Mas as coisas não ficariam por aí, o peso da letra era inegável, de forte apelo dramático, porém, pesou mais a sincera tristeza que emanava de sua figura frágil, olhar magoado, além da incrível inflexão de sofrimento real que conseguia imprimir nas modulações da voz.

A reação foi num crescendo até que várias pessoas eram vistas chorando na plateia, assim como as milhares que ouviam, em suas casas, conforme se constatou pela correspondência chegada, nos dias seguintes. Com a voz soluçando, quase em desespero, nas passagens finais, com seu fatalismo e sugestão explicita de suicídio, as pessoas foram levadas ao auge da comoção. E nada foi capaz de impedir a surpreendente reação da mulher da segunda fila, quando Orlando soluçou emocionado, a estrofe final: “é muito triste não se ter direito nem de viver”. Ela, num estado de completo descontrole emocional, gritou: “ ─ Não, não, não faça isso. Não se mate, não!’.

Entre lágrimas, explodiram os aplausos, que fizeram estremecer o enorme auditório, repercutiu no palco e em todas as dependências da rádio, onde muitos artistas e funcionários levaram um enorme susto, sem saber o que estava acontecendo. Alguns chegaram a pensar que estava começando um desabamento.

Era uma consagração pública, como jamais se vira um cantor conquistar com uma breve exibição. Atrás do palco, um fato inusitado, os companheiros e funcionários eram possuídos da mesma euforia, e aplaudiram delirantemente. Oculto do público, nas coxias, Francisco Alves batia palmas emocionado. Os músicos da orquestra socavam o chão com os pés e o maestro se espichava para apertar a mão do jovem cantor.

A festa prosseguiu, mas num nível bem inferior, embora com atrações de conhecidos artistas. No dia seguinte, era só do que se falava na cidade. Nas casas, nos botequins, nos bondes. Todas as conversas giravam em torno da inauguração da Rádio Nacional e a apoteótica apresentação de Orlando Silva, um pouco antes de ele completar 21 anos, e já fazendo jus ao cognome que lhe seria imputado posteriormente: “O Cantor das Multidões”.

 

Gonçalves Viana viana.gaparecido@gmail.com