Biblioteca comunitária completa 7 anos e busca alternativas para continuar atividades

Espaço cultural conta com cerca de 3 mil livros e realiza diversos cursos  (*)

Espaço cultural que reúne um acervo de aproximadamente 3 mil livros, oferece acesso gratuito à internet e recebe atividades culturais gratuitas como cursos de fotografia, pintura e violão, a Biblioteca Comunitária do bairro Laranjeiras comemora 7 anos, graças à dedicação de voluntários, com apoio financeiro de comerciantes da região. Nos últimos meses, entretanto, essas doações diminuíram, refletindo os efeitos da crise econômica que atinge o Brasil.

Com o objetivo de tornar o espaço cultural autossustentável, ou seja, capaz de pagar as próprias despesas correntes, os voluntários da biblioteca idealizaram uma campanha de financiamento coletivo que visa arrecadar recursos para a aquisição de uma moenda de cana-de açúcar. De acordo com o fundador da biblioteca, Josué de Lima, a intenção é que o lucro das vendas de caldo de cana seja usado integralmente para arcar com os custos do aluguel, água, luz e internet que, juntos, somam cerca de R$ 900 mensais.

“Nós sempre tivemos apoio de pequenos comerciantes, mas, neste momento, eles estão sendo afetados e a gente compreende. Comprando esse meio de produção [a moenda], a gente espera ter uma renda para continuar atendendo a comunidade”, diz.

A campanha de financiamento coletivo tem como meta arrecadar R$ 500 e termina no dia 7 de junho. As doações, cujo o valor mínimo é de R$ 10, devem ser feitas pelo site www.kickante.com.br/campanhas/caldo-de-cana-cultural.

Segundo o professor Rodrigo Dalla Dea Sampaio, que também é voluntário da biblioteca, a autonomia financeira do espaço cultural também ajudará a viabilizar a oferta de novos cursos gratuitos, como o da leitura, interpretação e produção de textos que ele mesmo pretende ministrar ainda neste semestre. A biblioteca fica na rua Michel Chicri Maluf, 450, e, segundo Sampaio, é um ponto de grande movimentação de pessoas. “A gente faz um apelo para que, não somente os frequentadores da biblioteca, mas a toda a comunidade artística contribua com a campanha”, diz.

Atualmente, segundo Josué de Lima, cerca de 30 pessoas por dia fazem locações de livros na instituição. Neste mês, com intuito de estimular o hábito da leitura entre as crianças, os pequenos que levarem livros para a casa são presenteados com um saquinho de balas e doces. “E se a criança trouxer o livro junto com um desenho ou um resumo sobre o que entendeu do livro, ganha outro saquinho”, completa o fundador da biblioteca.

A biblioteca funciona no Parque Laranjeiras desde 2010, mas nasceu cinco anos antes, no bairro Santo André 2, com o nome em homenagem a Zumbi dos Palmares. Montada com apoio da Cooperativa de Moradia de Sorocaba, a biblioteca, porém, teve de ser transferida quando o imóvel, assim como várias casas do entorno, sofreu reintegração de posse.

Fundador da biblioteca ao lado de Josué, o radialista Thiago Henrique Rosa da Silva se recorda das dificuldades enfrentadas no início e destaca a satisfação de ver o espaço cultural consolidado e, principalmente, frequentado por crianças e adolescentes. “A biblioteca surgiu da nossa reivindicação por um espaço cultural naquela região”, diz. Frequentando a biblioteca, ele conta que conheceu e passou a admirar e escritores da chamada literatura marrginal, como Sérgio Vaz e Ferrez. “A biblioteca não é apenas para livros. Ela é o centro cultural do Laranjeiras e funciona como uma váuvula de escape para a juventude, para ocupar a mente e se distanciar das coisas negativas”, considera.

Pelo menos duas vezes por semana, o motoboy Jefferson Silva Guedes, de 30 anos, faz questão de levar seu filho Andrew, de 11 anos, para emprestar livros infantis e gibis. “Para o pessoal que mora aqui na região fica mais acessível, e tem uma boa variedade de livros”, assinala. “A gente também usa o espaço para fazer a reuniões do time [o Esporte Clube Laranjeiras] e sempre tem uma molecada lendo e um pessoal do hip hop compondo músicas. É um local muito importante para a cultura”, descreve.

 

*  Fonte:  Equipe Online – online@jcruzeiro.com.br – 21/04/17 




Artigo do Ricardo Hirata: "As categorias de indivíduos: o circuito superior e o circuito inferior'

Ricardo  Hirata Ferreira: ‘AS CATEGORIAS DE INDIVÍDUOS: O CIRCUITO SUPERIOR E O CIRCUITO INFERIOR’

meio corpoA eficiência do sistema necessita de corpos domesticados. Aqueles que se desviam das normas de algum modo são anulados. Pode-se dizer que existem três categorias de indivíduos: os que estão dentro do sistema, os que continuam dentro, porém foram inutilizados, e os que estão excluídos.

O primeiro grupo sustenta e gera o sistema tirando benefício disso. Os que fazem parte dele estão mais aprisionados, pois são os que melhor se enquadram as regras, contribuindo para a sua produção. O acesso é a palavra chave, eles possuem as condições adequadas de mobilidade espacial: entrada e saída dos lugares que compõem o circuito superior da vida moderna.

O segundo grupo é composto por aqueles que foram deixados de lado (isolados). Eles causam constrangimentos ao sistema. Já fizeram ou tentaram fazer parte dele, mas por algum motivo não se adequaram as regras e padrões pré-estabelecidos de normalidade. Não possuem mais as condições, os pré-requisitos e as qualidades para estarem no primeiro grupo. Estão presentes de forma precária no circuito superior, com grau muito reduzido de mobilidade (de movimento).

O terceiro grupo nasceu no circuito inferior. A sua existência já os coloca neste patamar. De maneira alguma são aceitos ou bem vindos no circuito superior. Com raras exceções alguns deles conseguem romper com esta situação/ posição. Muitas vezes o próprio corpo já denuncia a sua não aceitação e adequação. Por mais que se esforcem, dificilmente conseguem se enquadrar as normas e a cultura dominante, eles serão sempre vistos como os que são provenientes do circuito inferior.

O primeiro grupo dominante trabalha no sentido de manter o status quo. Não interessa a estes indivíduos a mudança, uma vez que isso ameaça o funcionamento do sistema. O controle e a vigilância estão presentes em todos os grupos, o último grupo, no entanto é o que escapa mais as regras. Formam outra cultura, compondo uma ameaça ao funcionamento perfeito do sistema. Mesmo assim estão submetidos à violência da vigilância. Como não pertencem e não tem acesso ao circuito superior da vida moderna, vivem em um “mundo paralelo” e produzem um circuito inferior da vida moderna, com resíduos e elementos do primeiro circuito. Em diversos momentos os circuitos entram em atrito (distância e proximidade ganham outra dimensão com o desenvolvimento tecnológico).

Para o sistema o terceiro grupo de certa forma é importante para o enriquecimento e a existência (manutenção) do primeiro grupo. Ao longo do período histórico ele é mais ou menos requisitado/acionado/desconsiderado. Os indivíduos do terceiro grupo podem, e são eliminados de fato se eles saem do seu espaço e “invadem” o espaço do circuito superior do primeiro grupo. É evidente que os que estão no circuito superior valem muito mais, enquanto que os que estão no circuito inferior valem muito menos (ou nada). Colapsos já existiram e o sistema soube se reajustar, a custa de inúmeras vidas. As questões colocadas: Quantas vidas serão ainda descartadas? Até quando os espaços dos circuitos superiores estarão protegidos?

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.