Orientação governamental na educação

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo:

‘Orientação governamental na educação’

Diamantino Bártolo
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‘Orientação governamental na educação’
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Ao Governo é atribuída intervenção decisiva no processo de instrução, de tal forma que: se por um lado, deve proporcionar a cada cidadão as facilidades indispensáveis para aquisição dos conhecimentos, compatíveis com uma profissão útil ao próprio e à sociedade; por outro lado, deve fiscalizar para que o esforço da nação não seja esbanjado por aqueles a favor de quem se fazem; de que modo? Contrariando a negligência dos benefícios e acompanhando a conduta dos pais e tutores que, obrigados pelas leis sociais e da natureza, devem cuidar da educação dos filhos, no sentido de não proporcionar a estes uma carreira falsa ou viciosa.

 Para resolver a aparente incompatibilidade entre o facto de a lei retirar a educação dos filhos à autoridade de seus pais, e o respeito pelas ideias recebidas, sem ofender os sentimentos paternais, Pinheiro Ferreira defende que o plano de educação nacional deve assentar nos mesmos sentimentos que «animam os pais para com seus filhos, enquanto fundados na natureza do coração humano.» (FERREIRA, 1834b:454).

Nas reflexões que antecedem o “Projecto de Associação para o Melhoramento da Sorte das Classes Industriosas” (1840), Pinheiro Ferreira dá a ideia de uma sociedade promotora da educação industrial, observando uma formação integral, com possibilidades de polivalência, isto é, uma formação profissional específica, acompanhada de uma educação para os valores da Cidadania e dos Direitos Humanos e, finalmente, conhecimentos diversos para enfrentar eventuais crises de emprego, e correspondentes situações de desemprego. A polivalência é uma estratégia, já então, pensado por este autor.

Defende, portanto, que: «O Governo tem já providenciado e sem dúvida se propõe continuar a prover com o mesmo ardor a instrução pública. (…). Os estabelecimentos criados pelas leis têm unicamente por objecto fornecer à mocidade os meios de adquirir os conhecimentos precisos para as diferentes carreiras científicas ou industriais; mas na instrução não se encerra tudo o que se entende e deve entender por educação verdadeiramente nacional. (…) é necessário que os alunos (…) adquiram os princípios de moral e os hábitos de ocupação e indústria, sem os quais a instrução, longe de aproveitar ao indivíduo, só serve de convertê-lo num incorrigível inimigo da moral e da sociedade. (…) E enfim, como entre várias artes existe mais ou menos afinidade, será fácil aos Directores organizarem o Ensino de maneira que, se bem que o aluno faça de uma delas a sua habitual profissão, possa, contudo, na falta de trabalho, lançar utilmente mão de qualquer daquelas que lhe são análogas.» (FERREIRA, 1836:37-38).

A construção do edifício Silvestrino no domínio político, social e económico, exigia um sistema educativo do tipo politécnico e profissional; complementado por uma estrutura assistencial adequada, designadamente com a ocupação dos tempos livres, com atividades culturais (teatro), físicas, jogos sedentários (xadrez, damas, cartas, mas não jogos de azar), incluindo-se nesta assistência um objetivo bem específico: o de evitar as situações de marginalidade (vadiagem, prostituição e criminalidade).

A preocupação de Pinheiro Ferreira pela educação, ao seu tempo, foi notável, na medida em que a quantidade de projetos, normas e regulamentos que elaborou, constitui prova da sua inquietação pela educação, não só dos alunos enquanto tais, mas principalmente da mocidade, ao ponto de entender que não bastava uma formação exclusivamente técnica, ou tecnicista, porque sendo o homem um todo complexo, dotado de várias dimensões (política, social, cultural, ética, religiosa, económica), a sua formação devia ser abrangente, integral, para que pudesse enfrentar, com menos dificuldades, as vicissitudes da vida. 

Bibliografia

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834b). Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol. I, Tomo II, Introdução de António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836). Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier.

 FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1840) “Projecto de Associação para o Melhoramento da Sorte das Classes Industriosas”, in: José Esteves Pereira, (1996) (Introdução e Direcção de Edição) Silvestre Pinheiro Ferreira, Textos Escolhidos de Economia Política e Social (1813-1851). Lisboa: Banco de Portugal.

PAIM, Antônio, (1970). Prelecções filosóficas, “Silvestre Pinheiro Ferreira”, Introdução. São Paulo: Editorial Grijalbo: 27ª. Prelecção.

PAIM, Antônio, (1980). Relações entre as Filosofias Portuguesa e Brasileira no Século XIX, in: Revista Presença Filosófica, Vol. VI, (2/3) Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, abr./set. Págs.102-110.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente HONORÁRIO do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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O desafio de ser mulher

Verônica Moreira: ‘O desafio de ser mulher’

Verônica Moreira
Verônica Moreira
Uma mulher que desfruta intensamente dos momentos de felicidade, como se não tivessem fim
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O desafio de ser mulher se apresenta diariamente em minha vida, persisto em ser autêntica e buscar a minha melhor versão, mesmo diante da pressão para se encaixar nos padrões cruéis e machistas da sociedade.

Opto por evoluir à minha própria maneira, aceitando minhas imperfeições e valorizando o que me faz bem.

Prefiro a simplicidade ao excesso de vaidades, não me permito extravagâncias.

Meu sorriso e meu olhar são os detalhes que definem a minha essência. Enxergo a verdade no meu reflexo e encontro segurança em me reconhecer, abraçando a mim mesma.

Desfruto intensamente dos momentos de felicidade, como se não tivessem fim.

O desafio de ser mulher se apresenta diariamente em minha vida, persisto em ser autêntica e buscar a minha melhor versão, mesmo diante da pressão para se encaixar nos padrões cruéis e machistas da sociedade.

Opto por evoluir à minha própria maneira, aceitando minhas imperfeições e valorizando o que me faz bem. Prefiro a simplicidade ao excesso de vaidades, não me permito extravagâncias.

Meu sorriso e meu olhar são os detalhes que definem a minha essência. Enxergo a verdade no meu reflexo e encontro segurança em me reconhecer, abraçando a mim mesma.

Desfruto intensamente dos momentos de felicidade, como se não tivessem fim. Cada sorriso, cada gesto de carinho, cada palavra amiga toca a minha alma.

A minha identidade reside no amor que carrego com leveza, na força que me impulsiona a levantar a cada novo dia. Em mim habitam todos os sonhos possíveis, inclusive aqueles que ainda estou por sonhar, pois cada dia é uma oportunidade sagrada.

Enquanto atravesso os obstáculos deste mundo, estou contribuindo para torná-lo um lugar mais belo para habitar, meramente pelo fato de ser mulher e ter fé de que, com Deus, somos capazes de superar tudo.

A minha identidade reside no amor que carrego com leveza, na força que me impulsiona a levantar a cada novo dia. Em mim habitam todos os sonhos possíveis, inclusive aqueles que ainda estão por sonhar, pois cada dia é uma oportunidade sagrada.

Enquanto atravesso os obstáculos deste mundo, estou contribuindo para torná-lo um lugar mais belo para habitar, meramente pelo fato de ser mulher e ter fé de que, com Deus, somos capazes de superar tudo.

Verônica Moreira

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A escolha incerta, certa?

Francisco Evandro de Oliveira: Conto ‘A escolha incerta, certa?

Francisco Evandro de Oliveira
Francisco Evandro de Oliveira
A noite mal havia começado e Maurício já havia se emborrachado de Campari, sua bebida predileta
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Maurício chegou à porta de um famoso cabaré, o qual funcionava na rua Barata Ribeiro, bem nos tempos áureos da prostituição carioca.

O local era frequentado pela fina flor da sociedade decadente. Lá, era comum o frequentador ter contato com delegados, juízes, promotores, alguns artistas, socialites da época, cafetões, rufiões, mulheres à espera de um bom partido, homens à espera de uma mulher carente, mas que fosse rica, de preferência desimpedida e, principalmente, contato com policiais, os quais prestavam segurança às autoridades presentes e ao local em si, em troca de uma boa gratificação.

A noite mal havia começado e Maurício já havia se emborrachado de Campari, sua bebida predileta, e especialmente naquela noite que ele queria beber todas, porque estava deprimido.

 Sua Janaína o havia deixado há cerca de três semanas e ele a descobrira trabalhando naquele antro de perdição, segundo sua visão.

Como estava sendo difícil para ele chegar até ali e tentar convencer Janaína a voltar. Maurício era um policial que fizera fortuna na Argentina, inicialmente como cantor de tangos, lá, ele dirigira boates, bares que apresentava shows artísticos ao vivo, em saunas… Maurício era um homem da noite e ele conhecia todos os truques e malandragens, golpes baixos que se aplicam nesses lugares.

 Em uma noite de boemia, ele e outro boêmio foram parar no Jóquei Clube de Buenos Aires e essa noite o transformou em um homem de grande potencial financeiro, além do que ele já o era bom.

 Porém, como essa mudança de vida veio aconteceu? Já havia cerca de um ano e dois meses que nenhum apostador de corridas acertava o bolo de sete pontos, ou seja, acertar os setes primeiros cavalos colocados nos sete últimos páreos.

O acumulado estava em uma verdadeira fortuna e a grana para quem o acertasse, dava para comprar várias coberturas na Barra da Tijuca e ainda sobraria dinheiro para comprar vários carros do ano e muito mais.

 Se formos comparar com o prêmio da mega sena, dava uns seis prêmios da mega sena acumulados.

A febre pela corrida ao ouro se tornara o comentário geral da cidade. Maurício, já meio chumbado, pegou o programa e começou a comparar os nomes dos cavalos ou éguas com o de algumas mulheres que ele travara conhecimento ou já havia feito amor, então, seguindo esta linha de análise sem se importar com os critérios ou qualidades dos animais, Maurício passou a fazer a marcação do seu jogo.

 Logo no primeiro páreo do bolo havia uma égua que jamais havia ganhado um prêmio de grande importância, para piorar, ele estava há dois anos sem ganhar qualquer páreo.

O comentário sobre a égua era que nem com terremoto ela ganharia, chamava-se Miss Canina e Maurício logo associou a Marina, que era uma jovem bailarina de um cabaré, por sinal, uma bonita loura que ele costumava fazer sexo, então, ele colocou o cavalo favorito e a Canina.

No segundo páreo do concurso, após olhar o nome de todos os cavalos, um lhe chamou atenção pela esquisitice do nome, o cavalo se chamava Escarlápio e Maurício associou o nome a um livro que ele já lera, cujo nome é “A Pimpinela Escarlate”, então, ele associou o nome a Daniela, uma linda mulher também da noite.

Ele novamente não teve dúvidas, cravou no bolo o Escarlápio e passou ao terceiro páreo do bolo milionário e quando ele viu os nomes, deu sua famosa risada, porque havia uma égua cujo nome era Miss Felina. Maurício sorriu e disse: ― Aqui está! Ah, minha doce e meiga Angelina, e cravou a Miss Felina; no quarto páreo do concurso, viu um cavalo de nome Cantos Aros, o qual Maurício rebatizou imediatamente com o nome de Cantalice em homenagem a uma ex-namorada de nome Alice e para os demais páreos foi rebatizando ou escolhendo conforme parecesse com o nome de algumas de suas mulheres, ele não via retrospecto, qualidade do animal, jóquei, haras; ele não queria saber de absolutamente nada, só queria assistir ao páreo e ter emoção e ver em que colocação eles poderiam ficar.

Ele fez seu jogo e foi logo chamado de louco pelo seu colega, contudo, Maurício nem se incomodou e foi saborear uma cerveja bem geladinha no restaurante do jóquei.

 Quando lá chegou, deu de cara com Jacqueline, uma dançarina que estava trabalhando em sua casa de massagem; um chope aqui, um chope ali e muito papo; eles acabaram saindo para uma tarde mais emocionante em um motel três estrelas de Buenos Aires. Foi uma noite maravilhosa para ambos e Maurício só foi saber do resultado da corrida, no dia seguinte e ficou estarrecido quando a repórter comunicou que o sortudo que abiscoitara a bolada milionária, ainda não havia aparecido, então, ele por mera curiosidade foi checar o seu bolão e passo a passo ele ia ficando emocionado e com sua adrenalina chegando ao máximo.

Os nomes de suas mulheres haviam sido fiéis e ele era agora um grande milionário!

Os cavalos e éguas com nomes parecidos ou rimando com suas ex-mulheres tinham ganhado todos os páreos. Maurício que já tinha acumulado um grande capital com a vida noturna, agora estava rico, muito rico!

O que fazer? Era a pergunta que estava bailando em sua mente, resolveu ir à tesouraria do jóquei e quando lá chegou notou que havia muitos repórteres à espera de entrevistar o grande sortudo e estava lá também o repórter oficial do jóquei, com o mesmo propósito.

Maurício não estava a fim de expor sua privacidade e tampouco proporcionar ser assaltado ou sequestrado, já que os tempos estavam quentes em Buenos Aires.

Ele chamou reservadamente o repórter do jóquei, porque com esse ele teria que falar de qualquer maneira, aí ele se apresentou e solicitou que fosse a sua sala reservada, e lá se desenrolou a entrevista a contento.

Após pegar o cheque concernente ao prêmio, saiu pela tangente. Quando chegou a casa, resolveu voltar ao Brasil; ele era dado como morto por seus familiares que, italianos e tradicionalistas, não admitiam em hipótese alguma ter um membro dos Sapienza desgarrado.

Voltou da Argentina querendo dar uma guinada na forma de viver, resolveu ser policial, porque sempre fora o seu sonho de menino, fez concurso, passou e rapidamente tornou-se um detetive de primeira classe, não só por mérito pessoal, como também devido a sua inteligência e conhecimento da vida noturna.

Tal fato causava ciúmes nos outros policiais da delegacia em que ele estava lotado. Durante o perídio de folga e principalmente à noite, lá ia ele à procura de emoções; havia mudado de ramo, de vida, mas a febre da noite estava em seu sangue e ele saía a percorrer os cabarés da Lapa, Leblon, Copacabana e da rua Mem de Sá, os quais, na época, fervilhavam de frequentadores.

 E no Atlântico ele conheceu sua Janaína. Foi uma paixão fulminante! Maurício passou a viver essa paixão avassaladora, todavia, ele estava sempre às turras, porque não admitia que sua mulher trabalhasse em cabaré e após seis meses de marchas e contras-marchas, Janaína lhe deu um ultimato e, após isso, cartão vermelho.

 Maurício ficou desesperado, porque a paixão que ele nutria por aquela jovem mulher era diferente das anteriores e naquela situação que se apresentara, ele não sabia como se situar.

Ele não aguentou e após dois meses de separação Maurício foi ao cabaré a fim de convencer Janaína a voltar.

O porteiro foi avisá-la sobre a presença de Maurício, então ela foi avistar-se e no diálogo, ele a convenceu a se casar. Três meses depois ela era a senhora Sapienza.

A principal exigência para o acontecimento fora que Maurício largasse a vida de policial; a decisão foi difícil, contudo, a força do amor prevaleceu e Sapienza se rendeu as exigências de sua doce e meiga Janaína, todavia, a despeito de viver feliz com sua princesa, ele interiormente não estava feliz, porque a vida de policial estava no seu sangue.

Contudo, essa dicotomia prevaleceu por três longos anos até que um dia ele acordou da letargia da dúvida e resolver ser feliz interiormente. Largou sua Janaína e foi à caça de emoções mais fortes.

Farucki

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Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo: 'Trabalhador Determinante para o Progresso'

Diamantino Lourenço R. de Bártolo

Trabalhador Determinante para o Progresso

A sociedade, considerada nas suas diferentes dimensões: política, religiosa, económica, financeira, empresarial, territorial, cultural, lazer e laboral, entre outras, seguramente que não estaria organizada, hierarquizada e estratificada como hoje a conhecemos e analisamos, se não fosse o esforço permanente do ser humano, no estudo, planificação, aplicação de técnicas e tecnologias e avanço progressivo e sustentável para a melhoria contínua da qualidade de vida das pessoas.

Sensivelmente que cerca de metade de todas as pessoas que constituem a sociedade humana organizada desenvolve uma atividade produtiva, colaborando, assim, para o desenvolvimento do todo, tendo por obrigação apoiar aquela faixa etária que já deu o seu contributo, bem como preparar os mais jovens para, mais tarde, eles assumirem as diferentes funções que são necessárias, a fim de que haja uma progressão sustentável do bem-comum e que, igualmente, a felicidade, na sua vertente de satisfação de bem-estar material e espiritual, seja uma realidade.

Será, praticamente, impossível, conceber uma sociedade organizada, em permanente desenvolvimento, sem o contributo daquelas pessoas que exercem funções em diferentes áreas de atividade: da saúde à educação; do trabalho à formação; da política à religião; da cultura ao lazer; da economia à finança; do empreendedorismo ao investimento; entre muitos outros domínios contributivos para o bem-estar e conforto das populações.

Os “Dias Nacionais”, “Internacionais” e “Mundiais”, a propósito de um qualquer evento, sucedem-se, diariamente. O “Primeiro de Maio”, por exemplo, está consagrado ao Trabalhador, qualquer que seja a sua atividade e, acrescenta-se, do ponto de vista do autor, independentemente de estatuto académico-profissional, na medida em que, quem se dedica a uma laboração, sempre acaba por produzir alguma coisa que, mais ou menos, interessa à sociedade de consumo.

E se as instituições, proprietários, empresários e líderes são necessários, assim como os recursos técnicos, tecnológicos, financeiros e infraestruturais diversos, igualmente é verdade que o capital humano se torna imprescindível, por mais máquinas que se inventem e utilizem, porque a inteligência das pessoas é insubstituível e o trabalho por elas realizado é, seguramente, indispensável.

A sociedade mundial laboral em geral e a comunidade portuguesa, em particular, vivem um período conturbado, porque os níveis de desemprego atingem percentuais muito elevados, colocando em causa não só a estabilidade económico-financeira das famílias, como também a consolidação da autonomia e dignidade que devem assistir a toda a pessoa, verdadeiramente humana.

Por outro lado, ainda se verificam situações inaceitavelmente degradantes para muitos milhões de trabalhadores, em todo o mundo, desde logo a começar naqueles que, para escaparem ao desemprego, à fome, à miséria e, no limite, ao suicídio, se vêm obrigados a emigrar, sendo, em muitos casos, mal recebidos, maltratados e, alguns deles, expatriados.

É evidente que a responsabilidade por estas situações de desemprego, que muitas vezes conduzem à desgraça de famílias inteiras, pode ser repartida, quem sabe, em três quotas-partes: a muitos Governos, que deveriam ter melhores políticas sociais de emprego, devidamente sustentáveis; a algumas Empresas que apenas buscam, gananciosamente, lucros exorbitantes, sem olhar a meios, despedindo pessoal, que é substituído por máquinas; finalmente, muitos dos próprios potenciais Trabalhadores que, em muitos casos, não querem trabalhar, embora tenham saúde e capacidades físicas, psicológicas, intelectuais e profissionais, não o fazendo porque, eventualmente, estarão a receber subsídios sociais.

 

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Sociedade indolor'

Carlos Cavalheiro

Sociedade indolor

Vivemos um momento em que os seres humanos desenvolveram a ojeriza ao sentimento de dor. Provavelmente esta constatação não seja original. É possível que alguém já a tenha feito com maior erudição argumentativa. No entanto, é uma reflexão útil para os tempos em que vivemos e que, por isso, se justifica a sua repetição: é uma lição a ser ensinada e aprendida, uma espécie de guia de sobrevivência.

As sociedades mais antigas reconheciam o valor do sentimento da dor como pré-requisito para as passagens das diversas fases da vida, o que hoje poderíamos chamar de alcance do sucesso. Os meninos espartanos, por exemplo, eram retirados de suas casas aos sete anos de idade para se prepararem ao exercício da defesa de sua pátria. A partir de um rigoroso programa de educação, cujo objetivo era formar o soldado perfeito, essas crianças sofriam terríveis provações. Muitas delas não aguentavam os exercícios e morriam. Os que sobravam se convertiam em combatentes temidos.

Obviamente que não é objetivo aqui querer louvar um programa educacional como esse. Seria um anacronismo sem limites. Cada situação a seu respectivo tempo, mas é um exemplo, dentro da argumentação, do quanto as sociedades antigas não temiam a dor. Ao contrário, sabiam que toda mudança exige a superação do medo, da dor e do medo da dor.

As propagandas da televisão nos vendem a não-dor. Analgésicos disputam o mercado a partir da rapidez da solução do problema. Não temos mais dor de cabeça, dores musculares, dor no dente, febre, dores abdominais. Em segundos, o alívio imediato. Bom, dor é também um sinal de que algo não está bem. Imagine a seguinte situação: seu carro apresenta um barulho estranho aos seus ouvidos. Provavelmente, algo na mecânica do automóvel não vai bem. Então, como solução, você compra um protetor auricular. Pronto! Não se ouve mais o barulho. É fato. Mas o problema continua, mascarado por sua pseudo-surdez.

Outro dia um casal reclamava num programa de TV, desses que desnudam a intimidade alheia, do filho de dez anos de idade que ainda dormia na mesma cama que os pais. Eram praticamente três corpos desenvolvidos, um deles em acelerada fase de crescimento, disputando um espaço planejado para dois adultos. A mãe confessou que a ideia se originou a partir da “consulta” a um “psicólogo” do Youtube. Ele vendeu a análise de que a criança – enquanto bebê recém-nascido – se sentiria acolhida com a presença dos pais no leito. Assim, a criança foi crescendo e se mantendo ao lado dos pais durante as noites de sono. Porém, agora, aos dez anos, não conseguia mais dormir sozinha.

A mãe já tentara fazer a criança dormir em sua própria cama, o pai também, mas a criança chorava, se deprimia, e os pais cediam. Não queriam sofrer novamente a dor do parto. A Língua Portuguesa tem lá os seus caprichos e permite, desse modo, construções imagéticas interessantes. Apesar da improvável correspondência etimológica, o substantivo parto (no sentido de dar à luz) e o verbo partir (quebrar em partes ou deslocar-se), em português nos permite a relação de ambas as palavras com a dor.

O nascimento exige dor. O bebê vive confortavelmente dentro da placenta. Não sente frio, nem fome, praticamente nada o incomoda. De repente, tudo se transforma: perde aquele líquido confortável que o envolvia, é obrigado a respirar de outra forma, ouve barulhos ensurdecedores, uma luz intensa fere seus olhos. A dor do parto não é só da mãe. Mas foi isso que permitiu o crescimento do bebê.

Evitar esse crescimento por não querer passar pela dor é como imaginar a situação absurda da criança que se recusa a nascer! Agarra-se, como pode, dentro do ventre da mãe e não se permite à experiência do nascimento. Por analogia, ao não permitir que a criança “partisse” (abandonasse o leito dos pais), os genitores evitavam a dor do “parto” (nascimento), mas não permitiam o amadurecimento do filho.

Estudar exige sacrifícios, ter um corpo saudável requer exercícios, a aquisição de erudição exige tempo e dedicação. Tudo isso nos impede do prazer imediato e, por isso, nos causa dor. Mas é necessário que sintamos dor para atingirmos nossos objetivos maiores.

Em tempos de pandemia, sentimos a dor da perda daquilo que estávamos acostumados a fazer. Não podemos mais caminhar pelas ruas sem respeitar o distanciamento social e sem usarmos máscaras. Não podemos mais visitar entes queridos, nem externar nosso afeto por meio de beijos e abraços. Não podemos participar de aglomerações, tomar um chopp ao final da tarde, assistirmos a um jogo de futebol no estádio… Não podemos e isso nos causa dor. Mas é o que, também, nos têm mantido vivos.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

25.08.2020