Patrícia alvarenga: 'Sonho verde'
Sonho verde
O inverno começava sua despedida e a aguardada (ou temida) época ´primavera-verão` já se pronunciava entre morro e asfalto. A cidade, conturbada, truculenta e destinada, teimava em continuar a se expandir. Há muito se juntara aos municípios limítrofes, formando um imenso conglomerado urbano. Habitantes do mesmo Rio de Janeiro isolados por dezenas de quilômetros de distância. Numa cidade de porte médio, o suficiente para estar numa área rural ou praiana.
Residindo no Rio de Janeiro desde sempre, Joana sonhava em mudar-se para uma cidade menor, bem menor. Buscava a calma, a segurança e o contato com a natureza que só desfrutava nas eventuais viagens de final de semana. Cada vez mais eventuais. Trabalho, família, vida social e outras demandas pareciam sempre turvar a visão de dois ou três dias na serra, para onde preferia viajar. Gostava das praias limpas da Costa do Sol, mas preferia a estrutura e a temperatura das cidades altas e interioranas.
Há alguns meses, talvez por conta da pandemia de covid-19, talvez por conta da idade, talvez por conta da ressignificação de valores ou, de fato, por todos esses fatores e alguns mais, pensara em comprar um canto “para chamar de seu” na Serra de Petrópolis. Imaginava uma casa confortável, com área verde, varanda, plantas, muitas plantas, dentro de um condomínio, por segurança e praticidade. Começara a visitar os sítios eletrônicos de imobiliárias e a assistir a vídeos de vendas de imóveis. Era um sonho, plano ou objetivo? Ainda não sabia, mas a ideia gestava em sua cabeça e em sua alma. Partir, quando quisesse, sempre que pudesse, levando apenas a bolsa de mão. Privacidade, natureza, harmonia, paz. Era disso que precisava.
A saúde ia bem, mas já não era como na juventude. Os anseios também haviam mudado. Juntara economias de toda uma vida e acreditava que a aquisição de uma casa no campo seria um investimento em saúde física e mental. Todavia, sempre balanceando os prós e contras da realização desse sonho, adiava-o. Os preços dos imóveis estavam inflacionados pela pandemia, que causou uma procura muito grande por qualidade de vida. Ainda trabalhava e a aposentadoria era um ponto no horizonte. Distante. Bastante. Também havia os filhos adolescentes, que dela dependiam. Então a dúvida: valeria investir tanto em algo que talvez pouco desfrutasse, agora?
Razão e emoção digladiaram-se. As batalhas foram árduas. Mas ela, a razão – forte guerreira que quase sempre conquistava os troféus – ganhou a guerra. Joana decidira fazer um acordo com Chronos e adiar, por alguns anos, os planos de ter sua própria casa de lazer. Esperaria a euforia do mercado imobiliário acalmar-se. Aguardaria os filhos virarem adultos. Quem sabe, com mais liberdade, pudesse, então, usufruir a verdadeira liberdade que almejava?
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com