No Quadro do ROL, a aquarela poética de Tânia Orsi

Tânia Orsi enriquece as letras ROLianas com sua visão e sensibilidade psicoterapêuticas

Tânia Orsi
Tânia Orsi

Tânia Maria Orsi, natural de Itapetininga (SP) e residente em Sorocaba (SP), é psicoterapeuta, atuando como psicóloga há 39 anos na área de atendimento na Clínica Expressão.

Na área cultural é escritora, poeta e colunista do Internet Jornal.

Autora dos livros de poesia: Mãe do Corpo e um Quilo de Sal.

É cofundadora do grupo Coesão Poética de Sorocaba e participa com produções próprias em saraus.

Tânia se apresenta aos leitores do ROL com o poema Poesia não convém, pela qual contrapõe o poeta com a realidade que o cerca.

Poesia não convém

"... ouve estrelas, pastoreia rebanhos e restolhos na proa do vento iça velas..."
“… ouve estrelas, pastoreia rebanhos e restolhos
na proa do vento iça velas
…”
Microsoft Bing – Imagem criada pelo designer

Poesia não convém

não dá camisa

ouro não alisa

suas letras não pagam vintém.

Bilaquianamente

ouve estrelas

pastoreia rebanhos

e restolhos

na proa do vento iça velas

constrói deuses

e demônios.

O poeta não dá camisa

não dá sapato

pra ninguém.

Nem ouro, nem asfalto

suas letras

não pagam vintém.

Alimenta-se de procelas,

tempestades, encantamentos,

que escapam dos seus dedos,

derrubando as cancelas

fundando realidade e sentimentos,

como as tintas nas paletas

criam o esplendor

das aquarelas.

Mas do trigo o grão não arrebenta

na incandescência

das panelas.

Poesia sem vintém,

alimenta apenas

o coração

de quem o tem.

Contatos com a autora

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Facebook: https://facebook.com/JCulturalRol/




Natal

O leitor participa: Tânia Orsi: Crônica ‘Natal’

Tânia Orsi
“Somos agraciados no Natal com a sensação de que pertencemos todos à mesma origem: o pó das estrelas que se espalha pelo infinito”
Microsoft Bing – Imagens criadas pelo designer

O Natal existe porque o capitalismo precisa criar suas formas de prosperar e ele só prospera se estabelecer divisões entre pessoas, mundos em contradição, dor, bens de consumo e sofrimento.

Não vamos agora questionar os métodos do capitalismo, mas aproveitar o que o Natal pode nos ensinar: a possibilidade de descobrirmos e reafirmarmos em nós mesmos o amor que temos guardado em nossos corações, mas que, cansado da lida diária, por vezes, adormece sem alimento, faminto em viver pela sua própria graça e espírito.

Acordamos no Natal para nos solidarizarmos com a dor de existir de alguns, apenas com o ínfimo, sem a possibilidade de sonhar dias futuros. Somos agraciados no Natal com a sensação de que pertencemos todos à mesma origem: o pó das estrelas que se espalha pelo infinito. Somos todos estrelas cadentes caídas em lugares e oportunidades diferentes, mas todos filhos do universo.

Que o Natal permita, com sua dádiva de amor e solidariedade, nos fazer sermos seres humanos que celebram o Natal a cada bom dia, boa tarde, boa noite, todos os nossos dias! Porque em algum momento nos reuniremos novamente em seres orbitais maravilhosos, gravitando pela casa de Deus.

Tânia Orsi

Tânia Maria Orsi, natural de Itapetininga (SP), é psicoterapeuta, atuando como psicóloga há 39 anos na área de atendimento na Clínica Expressão. Na área cultural é escritora, poeta e colunista do Internet Jornal. Autora dos livros de poesia: Mãe do Corpo e um Quilo de Sal. É cofundadora do grupo Coesão Poética de Sorocaba e participa com produções próprias em saraus.

Contatos com a autora

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Cia. Tubarão que deu Origem a Série estreia o espetáculo Mãe do Corpo

As apresentações, no YouTube da Cia. Tubarão que deu Origem a Série, se encerram no dia  22 de maio, sempre às segundas-feiras, quintas-feiras, sábados e domingos

A Cia. Tubarão que deu Origem à Série estreia o espetáculo Mãe do Corpo, monólogo baseado no livro homônimo de poemas da poetisa Tania Orsi, em que a autora usa de sua experiência como psicóloga para travar um diálogo intenso com o inconsciente em suas diversas emanações. Esse diálogo aparece em várias situações cotidianas, das memórias revisitadas da infância, das vivências com o pai, nas lutas, nas ressacas, nas dores mais diversas.

É por meio da corporeidade da atriz em diálogo com a obra que a dramaturgia se desenvolve, numa interação que funde as experiências contidas na relação corpo/obra e resulta num todo tenso expresso na ação teatral. Nesta relação, a sonoridade composta por palavras, ruídos, efeitos e canções torna-se vital para a ação dramática.

Todo este complexo (pelos poemas musicados) faz com que se materialize no palco diferentes dimensões de nossa humanidade. Metaforiza a natureza e estabelece relações com a arte, o envelhecimento, a vida, o tempo, a morte e o vazio existencial muitas vezes presentes em cada um de nós.

A direção é de Benedito de Oliveira, Direção de Movimento e Produção de Merlin Kern, Atriz Patrícia Nolasco, Direção musical Caio Alquati e Maurício Toco, Composições instrumentais e canções realizadas sobre poemas de Tânia Orsi Maurício Toco, Figurino Ketlyn Azevedo, Iluminação Claudinei Rosa, Desenhos Júlio Veredas, Operador de Iluminação/Videomaker Antônio Zardos, Produção Musical Eraldo Basso, Designer Rendelson Framil Júnior.

Projeto este proposto por Tania Orsi que foi contemplado pela Lei de Incentivo à Cultura de Sorocaba/2019, apreciando doze (12) apresentações do espetáculo “Mãe do Corpo”, um(1) workshop de literatura que foi ministrado por Tania Orsi e um(1) de teatro ministrado por Patrícia Nolasco.

As apresentações, no YouTube da Cia. Tubarão que deu Origem à Séria, se encerram no dia 22 de maio, sempre às segundas-feiras, quartas-feiras, sábados e domingos.

 

 

 

 

 

 




O leitor participa: Tânia Orsi, de Sorocaba/SP: 'O inferno que me habita'

Tânia Orsi

O inferno que me habita

Fonte da foto: https://amazonasatual.com.br/assembleia-lanca-campanha-de-combate-a-violencia-domestica-contra-as-mulheres/

Ontem eu apanhei. Não, é isso, você escutou bem. Não se afaste, nem diga nada, o terror não tem nome. Hoje sou isto que você vê, a sua expressão é o espelho do meu horror. Sou mulher que aos trinta e cinco anos não conquistou a autonomia, sobre sua vida, seus desejos. Hoje, somente por hoje, reservo meu lugar de fala para invadir sua vida confortável. Depois volto para meu lugar escondido nas sombras do medo e da humilhação. Nada mudará, somente a minha voz soa frágil nesse mundo barulhento de dessemelhanças. São oito anos, conto pra você em dez minutos é rápido. Depois esqueça.

Meu filho está na escola. Às vezes, gostaria que ele passasse mais tempo lá. Seria poupado da dor de não poder fazer nada. Ele tem seis anos, é tímido e assustado, permanece jogando games por horas seguidas, principalmente á noite, quando o pai dele retorna para casa. Trememos quando ouvimos a chave e o movimento da maçaneta. Entramos num filme onde a porta é o limite entre a vida e a destruição dos nossos sonhos. O suspense é porque não haverá uma terceira opção. Tudo perdura em malabares emocional num estreito fio entre estar vivo e estar morto. Você pode não acreditar mas eu me casei , na época tinha 27 anos, com o homem mais gentil que conheci. Tinha palavras amenas, um olhar de quem compreendia os subterrâneos da alma humana. Tão diferente da personalidade autoritária e decadente do meu pai. E eu subjugava minha mãe, figura complacente, submissa, mas extremamente carinhosa com os filhos. Olha como a minha vida é uma tangencia de histórias já contadas. Como nos repetimos como vidas cruzadas, num eterno exorcismo das criaturas que nos possuem tão intimamente. Mas… Ah sim, ele era realmente um farol na noite escura, apontando a direção e os perigos, e eu o segui, o segui até aqui. Mas, essa pessoa com quem me casei, após dois anos, foi se fragmentando como, rebocos de parede quem caem esfarinhando ao chão, revelando o acabamento grosseiro do tijolo em seu interior. Sua voz foi ficando cada vez mais alta, os gestos mais bruscos, o olhar vazio igualando-se a um objeto qualquer, sem modulações. Não demorou muito para que recebesse o primeiro tapa, depois de uma festa, onde desconfiou de que meus olhos haviam encontrado os olhos atrevidos de outra pessoa. Perdi o meu amor por ele, definitivamente aí. O que sobrou de mim após tantas agressões é essa confidência roubada dos meus segredos; e se aqui estou diante de uma assistente social é porque ao longo do tempo também perdi o amor por mim, ou melhor, dizendo, e tentando responder á sua pergunta, não sei mais quem é esta que está sentada em sua frente, pedindo ajuda para ser restituída aos seus próprios sentires. Desculpe, se há pouco a tratei tão mau, é que fiquei reativa á qualquer tentativa de intrusão, mas perdi a noção do que seja intrusão e, portanto, pequenos gestos numa sensibilidade estraçalhada são interpretados como alguém ausentando o outro (a mim) de seus direitos. 

Eu não quero contar quantas vezes, como e onde sofri as agressões, quero dizer da dor de ver meu filho sofrendo, quero dizer que as marcas que carrego em meu corpo são pequenos cortes perto da retaliação que carrego dentro de mim, estranhezas que compuseram meus dias destroçados; no início confusa, cheia de culpas, tentando encontrar em mim os erros a mim atribuídos, depois já sem defesas, humilhada, envergonhada por ser apenas uma mulher nascida sob o pecado de Eva. Assim, fomos nós localizadas dentro da grande culpa universal, provavelmente culpa inventada por homens que não amavam mulheres e precisavam de um acordo com Deus para o exercício da violência sobre seus corpos e seu projeto em “ser”. Estou aqui, tentando reaver o que sobrou de mim. Hoje vou embora com meu filho. Ainda humilhada, envergonhada, com muito medo do futuro, mas prossigo com uma certeza: vou procurar o amor dentro de mim, resgatar a minha história, a minha marca dentro das pessoas que acreditaram que posso ter um lugar no mundo e instrumentá-lo com o que aprendi. Ensinarei meu filho que uma mulher não precisa perder o seu rosto no espelho para que um homem se encontre com sua violência e a confunda com força, masculinidade. Não começarei do zero porque nem quando eu nasci comecei do zero. Quando chorei a primeira vez no colo de minha mãe, anunciei que não poderiam calar a minha voz e a minha dor. Eu vim para ser ouvida e ocupar o meu lugar, e sacramento aqui o meu choro do primeiro dia de minha vida. Obrigada e amanhã retorno para o meu segundo dia de vida, com sua ajuda! Como é mesmo o seu nome? O meu nome, meu nome é…

                                                     

Tânia Orsi

taniaorsi1@gmail.com

 

 

 

 

 

 




O leitor participa: Tania Orsi, de Sorocaba (SP), com o poema 'Primavera'

Tania Orsi

Primavera

Ela deve chegar
Em breve.
Ela chega leve,
A primavera.
Chega em laços
Com vozes de pássaros
Chega quando em flor,
Mormaço.

Chega, chegando
Na última lágrima
Do inverno que chora
Se despede, implora.
Sopro das horas,
Magia, limpando.

A chuva, ciclame
Último invernal,
Clareia o horizonte,
O chão,  a sandália,
A tinta do jornal!

Faz – se o casamento
De Gaia e primavera
Urgente em florada
Derramando no vento
Semente, ramada.

Na núpcia vital,
Dança a terra
Muito amada e leal
Sob os ciclos da lua.
Na gesta dos frutos furtivos…

Elegante  flutua!

 

 

 




O leitor participa: Tânia Orsi, de Sorocaba (SP), com a poesia 'Pandemia crucis'

Tânia Orsi

Pandemia crucis

 

Tem um remexido

Grão de pólen seco em meus

Olhos de nuvens,

De fé.

 

Quando criança

Olho e dedo em arabesco

Sob as árvores

Esfumavam pinturas

Em faiança.

Eu não me sabia gente

Era flor, panelinhas,

Todo objeto que continha.

 

Não sabia que pessoas

Morriam torturadas

Em calabouços ensurdecidos.

Não sabia que havia

Lutas e mães que choravam

Os filhos escarnecidos.  

 

Quando cresceram meus pelos

O volume dos meus seios

Adiantaram-se como pinhas,

Abraçaram e beijaram bocas

Encontrei novo sentido e substância

Para as minhas panelinhas.

 

Envelheço ainda com bocas

De desejo e seio forte.

A criança renasce em mim

Novamente, todos os dias,

Sob a mesma árvore

Que me gerou em seu corte.

 

A dor veio grossa em parafina

Quente, grudada na pele.

Pessoas de pele fina pedindo

O sopro lunar, vulgar e reles

De poder respirar… respirar.

A morte é um ronco

Que roubamos da eternidade

Quando ela se distrai

Olhando arrebóis magníficos

Ou repetindo os refrões zonzos

Dos velórios e seus ofícios.

 

Levo minha criança passear

Entre corpos que não sonham mais.

Árvores, pássaros, cantigas

Levaram consigo o oxigênio

Que purificava nossa infância

No perfume do vapor.

Ainda somos ignorantes e assassinos

Do dia manso, liquefeito

Em dólar, euro, usinas insanas

Do desafeto, do poder, do horror.

 

Deflagramos a guerra e

Matamos a criança

E lançamos ao mar nossos nomes

Espetados na vertigem da lança.

Sujamos de escarro as esquinas,

Mas não, somos bons!

Apenas quedamos

Nas órbitas lunáticas das cloroquinas

Alucinadas em que nos enredamos.

 

O ovo saiu do cu da galinha

Mas não era redondo, nem liso,

Nasceram no meio da clara, as algemas,

Sem lírica, nasceram sem glória,

Sílica.

Pandemia Crucis,

Vurmo do lucro

Morte obscena.

 

Tânia Orsi 

 

 

 

 




Tânia Orsi: 'Diáspora Negra'

Tânia Orsi

Diáspora Negra

O mulato

Da minha cor

Grita, negro!

Teus pulmões

Desacato

Desata mulato

O teu rancor

 

Tua pele

Urde a dor

Que ulcera

Mulato

Ulcera

O anonimato

Mulato

Da minha

Cor

 

Minha voz

Na tua boca

Meu negro

Mulato

Notícia

Simulacro

Meu pai

Meu parente

Meu amor

 

Teu corpo

Tem peso

Tua morte

Perfurada

O degredo

A arma afiada

Estupor

 

Tem peso

O teu corpo

Tem!

Na letra negra

Necro- notícia

No jornal

Teu corpo

Quem?

Sem calor

 

Morre o negro

O mulato

E seu grito

No asfalto

No anúncio

De domingo

O carro

Do ano

New Word

 

Teu nome

Mulato

Negro hiato

Tua sombra

Esguia e forte

Meu norte

Segue-me

Pelas veias

E artérias

De vermelha cor.

 

Tânia Orsi

taniaorsi1@gmail.com