Redação ENEM/2023: quando os olhos brilham e o coração aquece
Elaine dos Santos: Artigo ‘Redação ENEM/2023:
quando os olhos brilham e o coração aquece’
Não me detenho em aspectos formais referentes à proposta de redação do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) aplicada no domingo, 05 de novembro, quero, aqui, refletir sobre a importância da temática – ainda que ela não fosse esperada.
Somos uma sociedade conservadora, patriarcal, em que diferentes ‘ismos’, isto é, dogmas e doutrinas, oprimem a mulher em sociedade e isso é uma herança da colonização portuguesa que se consolidou no Brasil Império, no Brasil República e, mesmo no século XX (20), com a inserção cada vez maior no mercado de trabalho, não sofreu alterações.
O tema da redação foi os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres no Brasil e qualquer pessoa, minimamente, atenta percebe que a carga extra atribuída à mulher em nossa sociedade sempre foi e é maior que do homem. A mulher – de um modo geral, há exceções para confirmar a regra – é responsável pelos cuidados no lar: roupa, alimentação, higiene, filhos.
Começo, pois, pelos filhos. Como professora que exerceu a docência também no ensino médio, acompanhei e acompanho ex-alunas tornarem-se mães e enfrentar a dor e a delícia dos primeiros anos de maternidade, frequentemente, exercida solitariamente. Nasce um filho e nasce uma mãe, mas a vida do pai pouco se altera. Há a tradicional desculpa que ele precisa descansar porque é o provedor do lar. Sim, claro! A mãe nunca trabalhou, não precisa retomar as suas atividades.
Na outra ponta, está situado o cuidado com pessoas idosas ou doentes. Quando o meu pai teve o seu quinto AVC (acidente vascular cerebral), em abril de 2007, algumas pessoas gritaram nos meus ouvidos que eu deveria colocá-lo em um asilo, porque ele passaria a atrapalhar a minha vida profissional. Eu disse que não o faria e que cuidaria dele, nem que fosse sozinha. E, de fato, o fiz: sozinha. Todos se afastaram, ninguém quer ter, por perto, um idoso confuso, ninguém quer ter, por perto, um idoso e a responsabilidade acaba recaindo sobre esposas, filhas ou netas, portanto, mulheres.
Quantas conhecidas nossas renunciam ao trabalho ou mesmo da vida pessoal para cuidarem de irmãos/irmãs com algum tipo de deficiência, enquanto irmãos e irmãs da mesma pessoa ignoram a situação?
Poderia ainda enfocar as professoras que acolhem crianças, em muitos casos, vítimas de violência intrafamiliar, ou técnicas de enfermagem e enfermeiras que são o último elo entre um paciente terminal e a vida. Mas me detenho aqui.
Pode ser que muitos participantes da prova tenham tido dificuldade para elaborar um texto sobre o tema – eles são, em sua maioria, adolescentes recém egressos do ensino médio, talvez sem a capacidade reflexiva que a vida nos confere, mas espero que o material motivador que acompanha a prova possa tê-los inspirado.
Se afirmo que os olhos brilharam e o coração aqueceu-se ao tomar conhecimento do tema da redação do ENEM, na verdade, a minha reflexão segue outra via: traz-se uma questão social relevante para a cena, pelo menos, por uma semana, ela será discutida. Tomara que enseje mais discussões e ações.
Além disso, uma sociedade muda pelas ações de seus membros, entre eles, o poder público, almejo que haja políticas públicas de valorização do trabalho da mulher. Sem entrar na seara econômica e de valorização do trabalho da mulher, é sabido que a disparidade salarial entre homens e mulheres é vexatória.
Elaine dos Santos
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