O sabor suculento da traição e o ego faminto
Clayton Alexandre Zocarato
‘O sabor suculento da traição e o ego faminto’


às 18:05 PM
A traição tem um gosto curioso. Não é doce, não é amargo — é um tempero proibido que só interessa a quem está espiritualmente subnutrido. Quem trai, muitas vezes, mastiga o mundo como se estivesse saboreando um prêmio, um troféu de vitória pessoal. Mas essa sensação suculenta dura pouco: é como fruta madura demais, que explode na boca e, segundos depois, deixa apenas o cheiro da própria imaturidade.
Pessoas mal resolvidas consigo mesmas encontram na traição um espelho torto. Em vez de enxergarem suas próprias fissuras, veem, por alguns instantes, uma imagem melhorada de si. Lao-tsé alertava que “quem conquista os outros é forte, mas quem conquista a si mesmo é poderoso”. O traidor faz justamente o contrário: tenta conquistar o mundo para não perceber que não conquistou nada dentro de si. Ele se infla, mas continua oco.
Há, na traição, um tipo de euforia infantil. É como se o ego dissesse: “vejam, ainda posso ser desejado!”, enquanto varre para baixo do tapete a própria incapacidade de lidar consigo. O escritor indiano Rabindranath Tagore dizia que “não há óculos capazes de corrigir a visão de quem se recusa a enxergar”. A traição, portanto, é uma tentativa desesperada de ajustar a própria miopia emocional usando lentes emprestadas de outra pessoa.
A música também não perdoa esse tema. Da crueza de ‘Back Stabbers’ do The O’Jays às confissões afiadas de Pitty em ‘Me Adora’, a cultura popular vive repetindo a mesma melodia: quem trai não está falando sobre o outro — está, na verdade, tentando berrar alguma verdade sobre si. A traição é o refrão desafinado de quem não aprendeu a se ouvir.
Na literatura, Machado de Assis já sabia disso quando desenhou personagens que se alimentam das próprias contradições. Ele mostrava que o traidor é muitas vezes um autor frustrado escrevendo sua narrativa de poder, tentando compensar a pequena autoridade que tem sobre a própria vida. Não é sobre amor. É sobre vaidade.
O pensamento oriental costuma tratar o ego como um animal inquieto que, quando não treinado, morde a própria cauda achando que captura algo valioso. Buda ensinava que “o desejo é a raiz do sofrimento”. Assim, a traição se revela como um desejo desgovernado que não leva ao prazer duradouro, mas à eterna sensação de vazio — o tipo de vazio que só cresce quanto mais se tenta preenchê-lo com aventuras rápidas e promessas quebradas.