O leitor participa: Bryan Chagas, de Itajaí (SC), com o poema: 'Não'

De que valem seus pensamentos retrógrados?/ Meus caros, eu não me submeterei!/ Não foi uma decisão fácil,/ Tão difícil é que poucos ousam tomá-la,/ Mas EU NÃO ME SUBMETEREI.”

                    Não

Por que eu terei de fazer escolhas?

Logo eu, logo eu!

Eu que não nasci para exercer funções…

Ah, caros senhores, eu não estou apto à passividade – não correrei o risco de tal prejuízo.

Não serei parte dessa dignidade inferior.

Por hora, não haverá escolha;

Não haverá função;

Não haverá profissão.

Haverá apenas o exótico,

Um insuportável entre opressores,

Assim seja.

haha!…

De que valem seus pensamentos retrógrados?

Meus caros, eu não me submeterei!

Não foi uma decisão fácil,

Tão difícil é que poucos ousam tomá-la,

Mas EU NÃO ME SUBMETEREI.

Não serei mais um adestrado.

Permitam-me, antes, adestrá-los.

Pode ser?

Aceitem-me! Suportem-me!

Porque está decidido: não serei um obediente a mais.

Serei eu diante de vocês.

 

Poema do estudante Bryan Chagas, adaptado por Tereza Du’Zai




Tereza Du'Zai: 'Vozes'

Neste íntimo silêncio,/ a loucura ascende/ à voz do invisível – dentro de mim./ Magnânima, diabólica, insana.”

Vozes

Neste íntimo silêncio,

a loucura ascende

à voz do invisível – dentro de mim.

Magnânima, diabólica, insana.

Assassina!

Doce cítara,

teu som flutua em trapos,

Transpõe penhascos,

Rompe o universo

surdo, surdo, surdo.

 

Tereza Du’Zai – terezaduzai@gmail.com




Tereza Du'Zai: 'Predestinada'

Certo dia, ao descobrir-me imoral,/ Deparei-me com o destino em riste./ Tentei correr,/ Mas sucumbi lançada ao chão, de costas e pernas abertas,/ Ele atacou-me por trás.”

 

Predestinada

Certo dia, ao descobrir-me imoral,

Deparei-me com o destino em riste.

Tentei correr,

Mas sucumbi lançada ao chão, de costas e pernas abertas,

Ele atacou-me por trás.

 

Tereza Du’Zai – terezaduzai@gmail.com




Tereza Du'Zai: 'Epitáfio II'

Este corpo,/ Morte e vida/ Funde-se à terra agora./ Infinitamente./ Não terminará.”

 

Epitáfio II 

Este corpo,
Morte e vida
Funde-se à terra agora.
Infinitamente.
Não terminará.

 

Tereza Du’Zai – terezaduzai@gmail.com




Tereza Du'Zai: 'Souvenir'

“É preciso instruir os servidores do altar,/ A se comportarem dignamente,/ Tanto nos gestos quanto nas posições;/ Assim orienta a velha tradição.”

 

Souvenir

É preciso instruir os servidores do altar,

A se comportarem dignamente,

Tanto nos gestos quanto nas posições;

Assim orienta a velha tradição.

Jamais o deixe esperando,

Não se distraia enquanto o serve,

Nem ouse tentar fugir.

Não o abandone de modo algum!

Mantenha sua postura durante todos os rituais – sincronia e simetria, sempre!

Esteja preparado física e espiritualmente para ser um anjo, um santo na alcova celestial.

Não esqueça de benzer-se com água benta

E clamar pela proteção do altíssimo.

É aconselhável o jejum de pelo menos um dia antes de apresentar-se para os rituais sagrados.

Será bom chegar com 15 minutos de antecedência;

Ofereça-se para aromatizar, isso o excitará ainda mais;

Permita que ele o ajude a livrar-se de suas calças compridas, de seus sapatos fechados, de sua camisa social;

Auxiliando-o no preparo da Celebração.

Participe do ritual de entrada com devoção: olhos fechados, mãos postas, pernas ligeiramente abertas;

Sempre dócil, limite-se a responder apenas: amém, amém, amém…

Movimente-se segundo a vontade de seu protetor,

Até que ele grite: Aleluia!

No momento da aspersão, faça o sinal da cruz ao ser aspergido.

Glória, glória, aleluia!

Glória, glória, aleluia!

Agora você deve manter-se de frente para o ambão;

Gloria tibi, Domine.

Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra.

E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo.

Segure seu cálice com delicadeza, abaixo do “nó” com a mão direita.

Direcione-o a ele com uma vênia média.

Quando ele realizar a Epíclese, toque sua sineta ajoelhando-se;

No momento da elevação, adore o Divino em silêncio;

Receba em sua boca o pão sagrado da boca do seu senhor;

Faça o sinal da cruz durante a bênção final.

Eis o Mistério da Fé.

Dominus vobiscum.

Lembre-se: você foi abençoado pela orgia sagrada.

Dê graças ao Senhor, pois ele é bom;

O Seu amor dura para sempre.




Tereza Du'Zai: "Presunção' e 'Casto'

Ah, esses beijos esfomeados,/ esses abraços convulsivos,/ esse pulsar indiscreto,/ esse tremor de pernas,/ essa respiração afoita,/ …” (Presunção)

 

Presunção

Ah, esses beijos esfomeados,

esses abraços convulsivos,

esse pulsar indiscreto,

esse tremor de pernas,

essa respiração afoita,

esses sussurros lascivos,

esses medos, essas dúvidas,

esses devaneios efêmeros,

esse luto, essas lutas vãs.

Dominus vobiscum

Et cum spiritu tuo.

Casto

As leis transparentes de Deus,

as roupas alvas de Deus,

o corpo iluminado de Deus,

a barba e os cabelos brancos de Deus, os olhos azuis de Deus,

a pele clara de Deus,

o pênis róseo e inútil de Deus.




Tereza Du'Zai: 'Tiana'

“Duas ou três vezes ao ano, Tiana comemorava o aniversário. Não que desejasse envelhecer, mas gostava do rebuliço dos bodegueiros.”

 

Duas ou três vezes ao ano, Tiana comemorava o aniversário. Não que desejasse envelhecer, mas gostava do rebuliço dos bodegueiros.
– Não percisa trazê presente, só cachaça! Avisava.
Cachaça era tudo. Era a ansiedade, a cumplicidade, o consolo, a coragem, o riso, a exaustão, o esquecimento.
Mas um dia, de uma hora pra outra, entre um copo e outro, entre um gole e outro, Tiana se calou, endureceu, esfriou…
Os olhos abertos e tisgos no teto, a boca esgarçada, murcha e seca.
– Morreu.
– É, tá morrida memo. E cum sede.
– Não, cum sede não, tinha emborcado três copo.
– Prum corpo de bebo, três copo é poco.
– Derrama um golinho de pinga na boca dela, tadinha, adorava fazê niversaru.
– Um golinho só não adianta! Vira um litro goela abaixo. Defunto bebo morre ca boca seca.
Mas Tiana não engoliu um gole sequer. E a cachaça transbordou pelos cantos da boca aberta e murcha. Uma tentação!
– Pelo menos sente o gosto. Quanto bebo tem a sorte de sê velado ca boca cheia de pinga?
– Agora, é só deitá duas moeda de mil cruzeiro nos zolho e deu!
– Café e pinga! É disso que percisamu.
– Vô avisá as casa e pedi pro Ari trazê um garrafão de cinco litro. A noite tá toda pela frente.
– Será que ela vai pro céu?
– Só se fô pro céu dos bebo.
– Purgatoro! Bebo vai pro purgatoro.
– E fica lá toda vida?
– Depende…
– Depende?
– É. Se não fazê pecado, se fazê as oração que os santo mandá, acho que fica uns três ano.
– No caso da Tiana, ela só não pode é pedi pinga, porque ela era boa, era dada.
– Mas, e se ela pedi pinga pros santo, vai pro inferno?
– Vai. O Canhanho vai lá e leva ela cum ele.
– Intão, não é bom que ela chegue lá ca boca cheia de pinga.
– Não é.
– Vamo emborcá ela?
– Não! Não percisa! Eu tenho um canudo aqui no borso.

 

Tereza Du’Zai – terezaduzai@gmail.com