Língua, manifestação da existência humana: uma reflexão em torno da intolerância e preconceito linguísticos

Tomé Francisco Ângelo: Artigo ‘Língua, manifestação da existência humana: uma reflexão em torno da intolerância e preconceito linguísticos’

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Tomé Ângelo

Este texto surge na sequência de se ter verificado que muita gente, em Angola, reclama o facto de ter sofrido bullying por conta da sua maneira de realização do Português que é influenciada pela sua língua autóctene. Um caso mais recente foi a publicação, na rede social face book, da poetiza Joice Zau, muita conhecida nas lides do activismo angolano, que conta que, há um tempo para cá, uma sua conterrânea (de Cabinda, província mais a norte de Angola) sofria bullying na escola, na Universidade Agostinho Neto.

A jovem na situação foi muito inteligente, segundo a narrativa, óptima estudante e gostava de tomar intervenção na aula, em relação às várias temáticas abordadas e, claro, com um pendor intelectual. Porém, tudo caía na risada, vexação e outros tipos de insultos só pelo facto de não ter uma realização linguística em conformidade com o padrâo linguístico vigente no país (principalmente pelos aspectos prosódicos). Vale lembrar que ela domina, antes do português, a língua local cabindense ibinda e esta tem interferido, no português da jovem.

Como consequência, ela desistiu da escola, pois não aguentava mais aquilo. E, assim, ela viu-se ‘morta’, em companhia dos seus sonhos e objectivos, pelos seus colegas e, talvez, não só.

Ora, é a partir daqui que entendemos que a sociedade angolana carece, ainda, de muitos tipos de educação, mas, para este caso em particular, a ‘educação linguística’ sobressai. E, quando falamos em educação linguística, estamos a pensar na concepção de língua e seus elementos envolventes.

Nesta linha de ideia, gostavamos de, em gesto de reforço, pois que já há muitas abordagens a respeito, referir que a língua, para além de ser um instrumento de comunicação, é um meio com o qual construímos sonhos e através da qual acedemos à cidadania e atingimos as nossas realizações.

A língua não é uma estrutura rígida, mas, sim, maleável que obedece a circunstâncias e situações individuais e de grupos, situações estas, sobretudo, socioculturais, identitárias e espirituais.

Desta forma, em contextos reais de comunicação, e não só, o falante comunica não apenas as suas mundividênicas e mundividências, mas também a sí próprio, ou seja, espelha também a sua alma. Ele procura firmar-se enquanto humano, enquanto indivíduo enraizado em crenças, ideologias e culturas.

Quer dizer, ele apropria-se da língua para também dar a saber, e porque é uma condição humana, pedaços de si, para informar, embora de forma inconsciente, o seu ‘tear’, ou seja, as substâncias envolvidas na construção do seu ‘eu’: quem ele é, de que, como e onde foi feito, em que acredita, o que e como pensa, seu ser, estar, desejos…

No processo do uso individual da língua, exteriorizam-se os elementos visíveis e invisíveis de um indivíduo que ninguém faria por ele e são esses elementos que tornam a pessoa única (indivíduo), afinal, o ser humano difere do seu congénere não apenas pelos traços físicos, mas também pelos aspectos interiores (e sensíveis), manifestados pela língua, e é isso que faz a vida de cada ser, na face desta terra.

Assim, o falante exercita a sua individualidade que é uma condição vital para ele, é aqui onde está o seu ‘muntu‘ e também a sua manifestação existencial no mundo. Pelo que, sem isso, a existência humana é nula.

Neste sentido, ao debocharmos, zombarmos ou vexarmos alguém pela forma como realiza a língua, estaríamos a incorrer em intolerância e preconceito linguísticos, a sobrepormo-nos ao ‘outro’, a reprimi-lo e a reduzi-lo a qualquer coisa que não seja humana, estaríamos a anular a sua existência.

Entretanto, ninguém tem o direito de o fazer com ninguém, mas temos todos e todas o dever de respeitar e de permitir que ele seja ele mesmo e porque natural e juridicamente ele tem esse esse direito.

Por outro lado, gostaríamos de recordar que tais comportamentos favorecem a desarmonia, exclusão, conflitos e subdesenvolvimento ou desestabilidade sociais.

Então, pensamos que, para dirimir esta situação, seja necessário repensar as políticas educacionais, redefinir a glotopolítica e repensar o ensino do português em Angola.

É preciso que as políticas educacionais atendam realmenete às necessidades educativas da sociedade, é preciso pensar numa educação que tranforme de facto o codadão de formas a corresponder os anseios da sociedade em que está inserido, é preciso uma educação capaz de levar o indivíduo a compreender as diferenças, de formas a conviver unido na diversidade.

A política linguística angolana é excludente e, neste sentido, não atende às reais necessidades linguístico-comunicativas da nação, sendo que privilegia o português europeu, que não é uma realidade nos contextos de comunicação do dia a dia do do povo angolano, e deixa as línguas locais, também tidas como nacionais, em desprestígio, pois que não são tidas, nem achadas.

Em relação ao ensino da Língua Portuguesa, em Angola, é necessário, ao nosso ver, um equilíbrio entre o ensino da língua como estrutura e o ensino desta como instrumento de comunicação e este último implica colocar o sujeito-falante no centro, sendo ele que faz o uso da própria língua e não o contrário, e, ao fazê-lo, acciona todos os mecanismos intrapessoais e socioculturais.

É o sujeito que tem o poder sobre a língua, daí a razão de, na relação binóminal ‘sujeito-língua’, o sujeito poder ser prioridade. Aliás, pensamos que estes elementos existem com finalidades previamente bem definidas: a língua existe para atender ao falante em todas as suas necessidades comunicativas e o sujeito, para gozar da prerrogativa de ter uma servidora para os fins já aludidos.

Ou, ainda, o sujeito manda e a língua obedece. Portanto, é preciso um ensino da língua que não empurre os falantes para o cárcere da cegueira gramatical, pois isto é perigoso!

Assim, a política linguística que marginaliza a variedade do português angolano e afasta as outras linguas igualmente angolanas, a política educacional que cubiça as realidades ocidentais e o ensino do português centrado na gramática fazem, no nosso entender, com que os cidadãos tenham uma paixão ardente pelo que é estrangeiro e que, sobretudo, tenham uma realização linguística colonizadora e fiquem em ‘prontidão combativa’ para todo tipo de realização linguística que tenha algum cheiro das realidades étnica, social e cultural angolana.

Portanto, a democracia linguística é também uma das formas de aceitação das diferenças e promove a harmonia e coesão social.   

Tomé Francisco Ângelo

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O leitor participa: Tomé Angelo, de Luanda (Angola): 'A Poética de Neto na obra Dias de Expiação, de Orlando Ukuakukula: significado e perspectiva'

“Tal como a poética de Neto, Dias de Expiação é também uma obra que entendemos estar enquadrada na perspectiva neorrealista, uma vez que traz ao de cima, em forma de recriação, as situações do quotidiano da população angolana.”

Antes de mais, gostaríamos de avançar que esta análise é feita com a consciência de que a um texto literário, pelo seu carácter plurívoco, pode-se oferecer várias leituras/análises, desde que se tenham em conta os critérios da literariedade. Aliás, “não há um modelo único de leitura do texto”, tal como postula Carlos Ceia, com o qual concordamos.

Com isto, queremos dizer que esta nossa análise não esgota a possibilidade de poder haver outras com a mesma temática, afinal, o texto literário é aberto. Todavia, esta é uma que esperamos que o leitor possa achar interessante.

A obra Dias de Expiação afigura-se transtextual, uma vez que se verifica uma relação de copresença entre dois textos. Assim, em Dias de Expiação dialoga com os poemas: “Ópio”, da obra Renúncias Impossíveis, “Havemos de Voltar”, “Contratado”, e “Saudações”, todos da obra Sagrada Esperança, de Agostinho Neto.

Desta forma, e tendo em conta que a arte é feita com consciência, entendemos que essa relação textual não seja por mero acaso, mas sim com objectivos bem definidos. Destarte, eis, abaixo, algumas considerações sobre a poética de Neto.

A poética de Neto é conhecida como neorealista, negritudinista, engajada e de combate.

Ela é encarada na perspectiva neorrealista na medida em que “se preocupa com a observação e análise minuciosa da vida quotidiana e dos costumes das populações, tendo como metodologia o [o inquérito da vida do negro] (…) (Akiz Neto, 2020:15 (grifos do autor ))”.

É negritudinista porque nela “encontramos principalmente a manifestação de uma atitude global virada para a negritude [e sendo que] a sua poesia sensibiliza densamente o leitor sobretudo o africano para, em conjunto, se identificarem com a luta contra o racismo e subjugação colonial (idem, ibidem (grifo nosso ))”: “A ti, negro qualquer/Meu irmão do mesmo sangue/Eu saúdo (…)”.

A poética netiana é de combate tendo em conta que ela “tem no seu discurso o desejo de (…) liderança política e de organização social tendente à libertação independentista (Laranjeira, 2009)”: “Esta é a hora de junto marcharmos/ Corajosamente/ Para o mundo de todos/Os homens.

A poética netiana é, ainda, engajada porque “é um instrumento de luta social. O poeta acredita em um mundo melhor e usa a poesia como arma para alcançar seus objectivos (Magru Floriano em Poesia Engajada: O papel social da literatura, disponível em www.magru.com.br.2015/1, acedido aos 07/07/2 )”. E, como exemplo, trazemos o seguinte trecho: “Ninguém nos fará nada/ Ninguém poderá nos impedir/ O sorriso dos nossos lábios/ Não é o agradecimento pela morte/ Com que nos matam/ Vamos, com toda a humanidade/ Conquistar o nosso mundo e a paz”.

Posto isso, entendemos fazer a relação entre a poética de Neto e Dias de Expiação, de Ukuakukula.

Tal como a poética de Neto, Dias de Expiação é também uma obra que entendemos estar enquadrada na perspectiva neorrealista, uma vez que traz ao de cima, em forma de recriação, as situações do quotidiano da população angolana.

Na poética netiana, recriam-se as situações bestiais do passado, a escravatura, impostas pelo colono, ao passo que em Dias de Expiação, com recurso ao inquérito social, ficcionam-se as situações de barbáries do período pós-independência, no período conhecido como o da terceira república, que conta com o seu terceiro presidente.

De igual modo, enquadramos Dias de Expiação na perspectiva do engajamento, sendo certo que é uma obra que denuncia, a nosso ver, situações sociais hecatômbicas e apela à consciência colectiva a tomar posições que visem mudar o quadro incolor do presente: “Hoje, Ngongo não come, sequer, um pão em condições. Sai bichos na pata de estar em paragens húmidas e descalço. Banha uma vez a outra, lá na lagoa do São Paulo (…). Nosso problema é do tamanho da nossa fragilidade, do nosso medo. Sua resolução é do tamanho da nossa coragem e da nossa capacidade de viver mesmo depois de mortos. A menos, claro, que queiramos continuar no flutuar dos nossos dias de expiação (Ukuakukula, p. 144)”.

Neste trecho, faz-se uma sedução moral aos co-cidadãos no sentido de se ir à luta, incita-se a coragem para que não se fique impávido e sereno diante tamanhas barbaridades. E, nos dias de hoje, é uma conscientização da sociedade, de formas a pautar pelo exercício da cidadania, exigir da parte do governo, que é servidor do povo, a cumprir com as suas obrigações e prestar contas com o povo, detentor do poder.

E, ainda, enquadramos Dias de Expiação como uma narrativa de combate, pois que estimula a combater ideias de dominação ou subalternização de uma minoria a uma maioria, incita-se o combate ao oligarquismo, de formas a que todos possam viver na igualdade. Já a poética netiana apelava, naquela altura, à consciência social para que se expulsasse o colono português.

Como exemplo do que escrevemos acima, fica, aqui, mais um trecho de dias de Expiação:

“(…) estudar para quê? Saber para quê? Para ficar calado e deixar as coisas passarem? Afinal, não são piores aqueles que deixam o mal acontecer, e não aqueles que o fazem? Esta era a posição de Costa em todos os debates (Ukuakukula, 2022)”.

Gostaríamos, ainda, de salientar que ao se trazer o facto do passado (a luta de libertação) para o presente (contexto pós-independência) não é com o intuito de se trazer a memória no sentido fotográfico, mas para levar a uma reflexão sobre o presente, de formas a se encontrar caminhos para a resolução dos problemas presentes, visando um futuro risonho para todos. Assim, ao transportar-se o facto passado para o presente, ocorre a descontextualização e “dessemantização” e recontextualização e “ressemantização”. Isto é, ao tirar o facto do passado (pertencente a um outro contexto) descontextualiza-se e dessemantiza-se (fora daquele contexto, o facto fica sem significado) e ao colocá-lo no presente (num outro contexto), recontextualiza-se e ressemantize-se (passa a ter um outro significado, dado o novo contexto) para que se projecte um orizonte melhor, onde os que não têm voz e vez passem a ter. É nisto em que consiste a teoria alegórica de walter Benjamim (1984). Assim, esta narrativa também tem como marcador a “espera” (c,f. Martinho, 2018), uma vez que se continua à espera que se consume o projecto nação, “sonho sonhado” aquando da luta pela Independência. Daí Costa, em Dias de Expiação, ter dito: “a luta continua”.

Posto isso, urge-nos apresentar aqui os trechos dos poemas de Neto que foram incorporados na obra Dias de Expiação e fazer analogia entre as duas obras (mas o poema com título “Contratados” já não será descrito aqui, por entendermos ter a mesma linha de interpretação o poema “Ópio”). O primeiro trecho é do poema “Ópio”, da obra Renúncia Impossível.

O trecho foi introduzido numa altura em que avó Ndembo contava aos seus netos, Costa e seus irmãos, sobre o contexto histórico-político Angolano, marcado pela colonização portuguesa sobre o povo angolano, isto na narrativa: “Lutamo memo, mô neto. Esse sinale que tás a vê aqui, é ferro que me entrou (…) Suko ngõ! Mas, afinale, môs filho tinha um grupo entre nós que lutava pelo seu interesse (…). Mas, eu tinha um sonho, môs filhos. Viver em paz, ter felicidade. Quando eu lutava, eu lutava na esperança da união (Ukuakukula, p. 6)”.

Aqui, percebe-se que terá ocorrido a recriação da situação histórico-política e sociopolítica angolana, sendo que no passado, os movimentos de libertação lutaram para uma Angola livre e independente, uma Angola da qual todos se poderiam orgulhar. Mas, alcançada a Independência, tal desiderato não se cumpriu, uma vez que, depois da retirada do colono português, as práticas coloniais foram continuadas por um outro grupo local.

Assim a ser, avó Ndembo chorava de tristeza profunda pelo facto de que os objectivos que motivaram as suas lutas não serem concretizados e que, desta forma, a luta deve continuar. E é exactamente aqui que Costa, ao ver a sua avó triste e chorar, pegou no livro de Neto e pôs-se a declamar o Ópio: “Casaram-me com a tristeza!/ Não tive infância/ Nem mocidade/ Não tive a alegria/ da primeira idade/ Por causa deste noivado prematuro/ senil/ Meus pesados dias são ilusões/ Meus prazeres amargura/ a felicidade e a vida/ Sonhos/ Eu próprio sou uma ilusão/ Sou a irrealidade/ Sou sonho/ porque a realidade é a tristeza/ e não a quero assim“.

Este poema entendemos ser um cântico de tristeza pela infância, juventude e alegria roubadas e de manifestação do desejo de ver a realidade mudada. Assim, os sentimentos do sujeito poético e os da avó Ndembo convergem: tristeza por uma realidade fustigante, com a particularidade de as realidades não serem contemporâneas.

O outro trecho é recortado do poema Havemos de Voltar. O mesmo foi introduzido na narrativa à medida que Costa, nos seus habituais debates com os amigos, imaginava um país com um governo comprometido, que fazia a distribuição equitativa da riqueza e dava voz e vez a todos: “(…)À bela pátria angolana/ Nossa terra, nossa mãe/ Havemos de voltar/ Havemos de voltar/ À Angola libertada/ Angola verdadeiramente independente”.

Neste poema, o sujeito poético evidencia uma situação desagradável do contexto em que se vivia, que era o período colonial, e não esconde a esperança em dias melhores.

Este poema, ao ser transportado para Dias de Expiação, entendemos ser pelo facto de que, de acordo com o imaginário social angolano, nesta terceira República, a situação de vida da população ser bastante crítica: assimetria social, marginalização e injustiças. E, por outro lado, revela-se a esperança de ver essa situação fustigante mudada para melhor: uma Angola mais justa, mais democrática, com condições humanas mais dignas.

O outro poema é “Saudação”, que Ngongo, um dos personagens de Dias de Expiação, deixou como carta, para os vivos.

Na narrativa, Ngongo e a sua família: mãe, Ocikembe, irmãos, Ukuahali, Suku Akwete e Henda saíram do Huambo, uma das províncias do centro de Angola, para Luanda, a capital, e hospedaram-se na casa da tia Rebeca, irmã do seu pai, este já falecido.

A ideia era a de fazer a vida na capital, uma vez que após a morte de seu pai, a vida naquela província esteve muito difícil. Postos na capital, a tia que hospedou a família acabou sendo morta pelo marido e a família hospedada teve de se reinventar, virar-se a seu jeito.

Ngongo, em meio as dificuldades, licenciou-se em Ensino do Português, Ukuahali é Técnico Médio pela Escola de Formação de Professores, Kimamuenho, e Henda fez Puniv.

Ngongo não tinha emprego, girava de cima à baixo à procura e com desespero a sua mente ficou atrofiada, em espécie de maluco.

Ukuahali também é desempregado, Henda, a menina entre os irmãos, idem e, por isso mesmo, teve de optar pela venda ambulante, que em Angola chamamos de “zunga”, tudo para ajudar a sua mãe, que se encontrava doente, e os seus irmãos. Os negócios faliram e a família passou por muitas necessidades.

Ngongo, como dissemos acima, acabou por morrer, mas deixou uma carta e esta era o poema de Neto: “Saudação/ A ti, negro qualquer/ Meu irmão do mesmo sangue/ Eu saúdo!/ Esta mensagem seja o elo que me ligue ao teu sofrer/ Indissoluvelmente/ E te prenda ao meu ideal/ (…)/ E me obrigue a sentar-me ao teu lado/ À mesa suja dos excessos de sábado à noite/ Para esquecer a nudez e a fome dos filhos/ E sinta contigo a vergonha/ De não ter pão para lhes dar/ (…)/ E me transforme no homem-número-abstrato/ Desconhecedor dos objectivos/ Na tarefa que nos consome / Como bastardo desprezado de certo mundo/ Nesta madrugada de nosso dia/ (…)/ Esta é a hora de juntos marcharmos/ Corajosamente/ Para o mundo de todos / Os homens”.

De maneira sucinta, compreendemos que este poema é um apelo à consciência colectiva, à união, à irmandade e à coragem no sentido de todos estarem envolvidos pelas causas justas e de todos. Este apelo era em função da situação hecatômbica que se vivia, naquela altura, a situação animalesca e objectificante a que o angolano ou o negro era submetido, com vista, então, a ter uma sociedade ou um povo afirmado como humano na sua própria terra e no mundo, um povo com cultura e identidade reconhecidas.

Nos dias de hoje, a olhar para a situação extra-textual, é um apelo, de igual modo, à união, irmandade, coragem, enfim, à consciência colectiva no sentido de se lutar, pelo menos ideologicamente, para que os da periferia social sejam tidos em conta nos projectos de governação, de formas a que haja equilíbrio social.

Portanto, a intertextualidade entre a poética de Neto e Dias de Expiação significa denunciar situações sociais de barbáries para despertar a crítica social mediante tais situações de modos a se empreender algum esforço para a inversão deste quadro sinistro, perspectivando a efectivação do projecto de sociedade outrora sonhado e iniciado, no sentido de que Angola seja um país onde todos possam caber, um país de todos e para todos.

Tomé Ângelo, Licenciando em Ensino de Língua Portuguesa pela Escola Superior Pedagógica do Bengo, professor de Língua Portuguesa, Activista Social, membro do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA)

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