Geraldo Bonadio: 'O tropeiro nos versos de Benedicto Cleto'

Geraldo Bonadio
Eleito em 2018 ‘Personalidade Cultural do Ano em Sorocaba’

Um poema de Benedicto Cleto apresentado na ASL durante a Semana do Tropeiro

O tropeiro nos versos de Benedicto Cleto

Em 9 de maio de 1988, em reunião da Academia Sorocabana de Letras comemorativa da Semana do Tropeiro, o escritor Benedicto Cleto encantou os presentes com a leitura do poema, escrito especialmente para aquela ocasião, que celebrava o Tropeiro Sorocabano.
Unindo com perfeição a linguagem poética e conhecimento histórico e sociológico, publicada unicamente num caderno de circulação interna da Academia, é obra que merece ser lembrada e perenizada e que, em homenagem à sabedoria e ao talento do autor, sócio fundador da Academia e instituidor da Cadeira Guimarães Rosa, transcrevo a seguir.

Tropeiro sorocabano
BeneCleto

Senhores, peço licença
Por que eu lhes possa falar,
Não me tomeis por ofensa
Este meu fraco trovar.
Pois tenho a honra sem par
De estar na vossa presença.,
Minha alegria será imensa,
Se eu vos puder agradar.
Porque tenho benquerença
Convosco, meu povo ordeiro,
Conforme a vossa sentença,
Prossigo no meu roteiro.
E o faço já, sem detença,
Pronto, rápido, ligeiro.
Eu junto a minha homenagem
À vossa, povo altaneiro:
Trago aqui a minha mensagem
Ao valente pioneiro
– Por que hoje seja louvado,
Hoje e sempre celebrado
Esse nosso herói tropeiro.
Louvada, senhores meus,
Seja a máscula figura:
Que se eleve a grande altura,
Louvada seja abaixo de Deus.
Louve-se em todas as idades;
Louvemos de coração
Esse abridor de sertão
E plantador de cidades.
Salve, tropeiro valente,
Orgulho de nossa gente.
Orgulho desta Nação.
Esperamos que te agrades
Com este nosso presente;
Crê que por nossas vontades
Viverás eternamente,
Com as eternas verdades.
Bendita a tua semente
Por todas posteridades
Deste Brasil continente.
Tu não morreste tropeiro,
Vives em nossa memória,
Vives nos fastos da História
Deste povo hospitaleiro
Que aprendeu tua lição
De luta e abnegação.
Vê em cada cavaleiro
Dessa imensa multidão
Um bravo herói, um guerreiro,
Que é teu legítimo herdeiro
Dessa imortal tradição.
Isso é ser sorocabano,
Ser paulista ou paulistano,
Ou Melhor – ser brasileiro.
Não és apenas lembrança,
És a perene certeza
– Foste e és nossa esperança,
Luz em nosso peito acesa;
Embora seja verdade
A nossa imensa saudade,
Certo é que nossa cidade
Te deve muito em grandeza,
Pelo espírito de luta,
Pela força às vezes bruta
Contra a própria natureza:
Varaste por picadões
Os inóspitos sertões,
Vales, rios, chapadões,
Sem nunca mostrar fraqueza.
Às vezes com tropa arreada,
O sol e a chuva enfrentando,
O dia inteiro marchando
Em busca de uma pousada.
Na frente a mula madrinha
De enfeites na cabeçada,
Retinindo a guizalhada,
Como orgulhosa ela vinha
Por saber-se admirada!
Logo atrás vinha o menino
Na garupa do cargueiro.
Começava assim o destino
Desse futuro tropeiro
Guardião da matalotagem
Do mantimento e a equipagem
Da alçada do cozinheiro,
Por que chegados no pouso,
Antes da bóia, primeiro
Aprontasse um “ amargoso”
Que recendesse de cheiro,
Forte e doce, bem gostoso.
Às vezes solta a mulada,
Não mais em lotes apenas,
Porém de muitas centenas
A grande tropa formada.
Madrinha agora uma égua,
Ponteira, quase uma lgua,
Pelo menino montada.
Subiam balcões de poeira,
Tal que os peões de rabeira
– O patrão e o capataz
Que também vinham atrás,
Enxergavam quase nada.
Porém no pouso a viola
Sempre os corações consola,
Chorosa e bem ponteada.
Outros ferravam no truco,
Mas sempre à mão o trabuco,
Prevenção contra a “pintada”,
Ou contra ladrões, gatunos
Que pelos campos reúnos
Eram praga desgraçada.
Viagem de muitos meses,
Quase um ano até por vezes,
Mas sempre com peito forte;
Por inóspitos lugares,
Lutando contra os azares
Num rumo quase sem norte;
Vendo outra gente, outros ares,
Tão longe dos familiares,
Desgostos de todo porte;
Encarando mil perigos,
Toda espécie de inimigos,
Confiando em Deus e na sorte
– Brejos, rios caudalosos,
Enfrentando criminosos,
Olhando de frente a morte.
Enfim o mundão sem porteira
Já se alonga da fronteira
E a lonjura então se acaba,
Quando a tropa viajeira,
Depois da grande canseira
Vai findando a viagem braba,
Eis a esperança fagueira,
Já se avista a cabeceira
Do Morro do Araçoiaba.
E assim a gente tropeira
Já se aproxima da Feira Famosa de Sorocaba.
Agora os grandes negócios,
Ganha o patrão, ganham sócios,
Camaradas e peões.
Depois é gozar os ócios,
Alguns viram capadócios
Que há sobra de diversões.
Adeus cargueiros, bruacas,
Tempo agora é das guaiacas
Recheadas de patacões;
Mulheres, jogo, bebida,
Importa é gozar a vida
E alegrar os corações.
Era assim, meu rico povo,
Até começar de novo
Em se acabando os dobrões:
Volve-se ao horizonte azul
Para o Rio Grande do Sul,
Para os longínquos rincões.
Novas tropas vai buscar
Para de novo voltar
Enfrentando desafios;
Sempre afeito a suportar
Verões de sol de queimar
Ou os invernos mais frios.
Terríveis invernos frios.
Da semente salutar
Que o tropeiro vai semear
Por esses sertões bravios,
Cidades vieram vingar,
Progressos em todo lugar
– Estradas, pontes nos rios.
Ninguém negará, pois não.
Que o tropeiro nosso irmão,
Essa raça de gigantes,
Foi quem garantiu a união
Dessa imensa imensidão
Das regiões mais distantes,
Engrandeceu a Nação,
Foi a continuação
Dos antigos bandeirantes.
Meu poema aqui se acaba
– Salve, salve Sorocaba
Do ensino e labor fabril
De que meu povo se gaba
No vale do Araçoiaba
Do Monarca varonil;
Salve, salve o pioneiro,
Salve o nosso herói tropeiro,
Salve São Paulo e o Brasil.




'Tropeada' saiu de Itararé e chegará a Sorocaba

Grupo refaz trajeto do século 18 que ‘descobriu’ parte do interior de SP

Tropeada Paulista faz caminho de Itararé (SP) a Sorocaba (SP).
Cavalgada de 440 quilômetros lembra os desbravadores tropeiros.

Do G1 Itapetininga e Região

Os 300 participantes da 10ª Tropeada Paulista refazem até domingo (31) um trajeto histórico que “descobriu” parte do interior de São Paulo. São diversas cidades que se formaram por serem pouso dos tropeiros, grupo do século 18 que tinha a missão de levar produtos do Rio Grande do Sul até Minas Gerais. A cavalgada começou em Itararé (SP), divisa com o estado do Paraná, no último dia 21 e termina neste domingo em Sorocaba (SP), cidade que abrigava no passado a feira de muares e outros animais. Nos 11 dias de cavalgada eles passaram por outras dez cidades. VEJA A GALERIA DE FOTOS.

Antigamente era tudo por mula. Então é como se, hoje em dia, todas as fábricas automobilísticas ficassem em Sorocaba”
Antônio Defazio Neto

O presidente da Associação Cultural Caminho das Tropas, idealizadora do projeto, Antônio Defazio Neto, explica que a formação dos tropeiros se deu após 1732 quando o militar Cristóvão Pereira de Abreu foi contratado pela coroa portuguesa para desbravar o caminho de Campos de Viamão, no RS até MG. Defazio Neto ressalta a importância de Sorocaba para esses desbravadores: “Antigamente era tudo por mula. Então é como se, hoje em dia, todas as fábricas automobilísticas ficassem concentradas em Sorocaba”, afirma.

Entre uma cavalgada e outra, o grupo aproveita o tempo livre para preparar comidas típicas, como o arroz e feijão tropeiro, além de cantar músicas caipiras de raiz. Além disso, os animais recebem todo o tratamento necessário, desde o banho até os cuidados com as patas. “Tem que tratar muito bem, ver se o animal não cansou, se está suando demais. É preciso dar água com bastante frequência”, conta o ferrador e domador Tertuliano Rodrigues de Oliveira.

No percurso feito pelos tropeiros na década de 18 foram desbravados 3 mil quilômetros e 300 pontes de madeira construídas, diz Defazio Neto. “Se nós introduzirmos o tropeirismo dentro da grade escolar dos municípios que compõem o caminho paulista das tropas, estaremos resgatando a história para as gerações futuras”, finaliza.

Companheirismo e amizade são ensinados pelos mais velhos aos mais novos (Foto: Carlos Alberto Soares/ TV TEM)Companheirismo é ensinado pelos mais velhos aos mais novos (Foto: Carlos Alberto Soares/ TV TEM)