Celso Lungaretti: 'Rescaldo do dia em que os estadunidenses provaram as emoções de uma república das bananas'

Celso Lungaretti

A tragicômica micareta golpista nos EUA só serviu para aposentar Trump sob uma tempestade de som e fúria

Não fossem os mortos e feridos, a micareta golpista deste 6 de janeiro nos Estados Unidos nada teria sido além de um episódio histriônico: desde o primeiro momento se sabia que o efeito prático seria nenhum, apenas servindo para encerrar com uma tempestade de som e fúria a carreira política de Donald Trump.

Ainda não chegou a hora dos bárbaros nas democracias dos países economicamente mais desenvolvidos, tanto que suas fileiras continuam incapazes de produzir duces de primeira grandeza (ao invés do bilionário trapalhão que mais parece um aprendiz de fascismo) nem ideólogos mais focados nos cenários futuros do que nas picaretagens presentes (como o estelionatário cujas estratégias não funcionam nem mesmo para conceber fraudes financeiras  indetectáveis pela polícia).

Passando ao largo dos aspectos espetaculosos do dia em que os estadunidenses provaram as emoções de uma república das bananas, eis as conclusões a serem tiradas da ópera bufa:
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Náufrago da Utopia)

 

 

 




Celso Lungaretti: 'Um crê que ainda é apresentador de reality show. O outro sonha com um papel de 'serial killer' nalgum filmeco de Hollywood. Os loucos assumiram a direção do hospicio.'

 CELSO LUNGARETTI: JOHN WAYNE DÁ UMA SURRA NOS ÍNDIOS,
PARA ELES APRENDEREM QUEM É QUE MANDA…

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O apresentador do Big Brother World, Donald Trump, demitiu o participante sírio Bashar al-Assad, que sonha com o papel de serial killer nalgum filmeco de Hollywood. .

Como é difícil concretizar na vida real essas fantasias bobocas que povoam a mente do patético presidente dos EUA, o jeito foi ele exibir o muque de outra maneira: despachando 59 mísseis contra a Síria. 

Afinal, o bestial assassinato de crianças por meio de arma química exigia uma resposta que a mídia considerasse à altura e os noticiosos de TV exibissem fartamente. E cérebros bem lavados nunca reparam que disparar à distância, sem correr risco nenhum, é um ato de covardia extrema. Nem John Wayne aprovaria.

 

O resultado foram outras quatro crianças mortas, mas que importa, desde que o mocinho tenha colocado outra vez os índios no seu lugar?

Demonstrações de força em tal escala são inúteis e até contraproducentes. Para funcionarem, precisam ser apocalípticas como as de Hiroshima e Nagasaki, mas, felizmente, nem mesmo um debiloide como o Trump ousaria cometer um crime contra a humanidade tão dantesco hoje em dia.

Então, o que tivemos foi apenas o acréscimo, por cortesia dos EUA, de mais nove seres humanos à lista de cerca de 80 vítimas fatais produzidas pelo carniceiro de Damasco.

 

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Celso Lungaretti: 'Dos quatro cavaleiros do Apocalípse, um já se apresentou: Trump. E Bolsonaro disputa a segunda vaga'

 CELSO LUNGARETTI: RECADO PARA O TRUMP:
O APOCALIPSE  NÃO É UM REALITY SHOW!

Eu tinha acabado de fazer 12 anos quando a crise dos mísseis cubanos estava em grande destaque no noticiário.
Ingenuamente, perguntei a um colega mais velho do ginásio se ele temia ser convocado para lutar numa eventual 3ª Guerra Mundial.
Nem me passava pela cabeça que não haveria guerra, mas sim o extermínio quase instantâneo da espécie humana.

Agora que o presidente demente Donald Trump trama um aumento de 10% no orçamento militar dos Estados Unidos, podendo dar o pontapé inicial de uma nova corrida armamentista, fico pensando como seria bom se as novas gerações não olhassem tanto para o próprio umbigo, alheias a quase tudo que aconteceu anteriormente na história da humanidade.

Quantos saberão hoje em dia que, durante 13 dias do mês de outubro de 1962, a sobrevivência da espécie humana esteve por um fio? Quantos se mostrariam tão indiferentes aos planos sinistros de Trump se soubessem disto?

Rememoremos. O presidente John Kennedy deu um ultimato à União Soviética, exigindo a retirada de mísseis nucleares instalados secretamente em Cuba, cuja presença fora revelada por fotos de aviões espiões, e ordenou o bloqueio naval da ilha. A resposta do premiê Nikita Kruschev foi despachar uma força-tarefa rumo à linha do bloqueio.

Militares linha-dura de ambos os lados acalentavam o sonho de destruírem o inimigo atacando em primeiro lugar com suas bombas atômicas. Isto não teria dado certo pois, além de empestear com radiatividade um enorme naco do planeta, ainda sobraria ao país atacado tempo suficiente para lançar seus mísseis antes de ser pulverizado.

Então, quando aquelas dezenas de navios de guerra se colocaram frente a frente, bastaria um dos comandantes perder a cabeça e gritar fogo! para as pedras de dominó começarem a tombar uma por uma. A guerra começaria no mar e, em  terra, logo os mísseis seriam libertados dos silos.

O perigo era tão dantesco que, do lado dos EUA, o próprio John Kennedy comandou com mão de ferro a operação. Inclusive contatava pessoalmente, por rádio, os comandantes dos navios, dando-lhes ordens e instruções. Ele e o irmão Bob (seu conselheiro militar) fizeram tudo que podiam para que a situação não escapasse de controle.

Não se sabe ao certo o que Kruschev fez nem quem foi o responsável pela decisão de ordenar aos navios soviéticos que dessem meia volta, desistindo de romper o bloqueio.

Mas o premiê soviético estava tão pressionado que, quando resolveu entrar em contato com John Kennedy para discutirem o impasse, optou por mandar recado por um canal inusitado, ao invés de recorrer aos diplomatas profissionais que imediatamente transmitiriam a novidade ao serviço de espionagem.
Ou seja, escondeu de todo seu governo que estava negociando em segredo com os EUA até fechar o acordo e só então apresentou o prato feito ao Politbur
o, obtendo seu aval (seria difícil discordar naquela altura).

Aceitara retirar imediatamente os mísseis soviéticos de Cuba, em troca da promessa de Kennedy de retirar dentro de algum tempo, sem alarde, os mísseis estadunidenses da Turquia e da Itália.

Ou seja, em termos concretos o resultado foi um empate, mas Kruschev permitiu que os EUA posassem de vencedores, pois esta era a imagem que os filmecos de Hollywood sempre impingiram ao resto do mundo.
De quebra, foi instalado o célebre telefone vermelho, linha direta para os dois dirigentes supremos se contatarem em momentos de grave crise, como garantia adicional de que uma guerra apocalíptica não começasse por mero equívoco.

Chegamos a um passo do abismo e recuamos horrorizados; aí atravessamos mais de meio século sem sustos semelhantes. Agora, contudo, podemos voltar às paranoias do tempo da guerra fria, quando aquelas imagens horrorosas da destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki assombravam-nos em pesadelos e cidadãos particulares chegavam ao cúmulo de construírem precários abrigos nucleares em suas residências.

Pior: tendo plena consciência de que, mais dia, menos dia, a casa acabará finalmente caindo, caso não transformemos radicalmente a nossa sociedade. Enquanto os artefatos de destruição em massa existirem, não teremos garantia nenhuma de estarmos vivos no dia seguinte.

CELSO LUNGARETTI

COMO DETER O FASCISTA BOLSONARO?
COMBATENDO-O 
SEM TRÉGUA!

No segundo semestre de 2014, p. ex., eu já tinha percepção clara de que o novo mandato presidencial transcorreria sob aguda recessão. Tudo fiz para abrir os olhos da companheirada, no sentido de que Dilma Rousseff não tinha competência para administrar uma crise dessas e seu fracasso anunciado seria catastrófico para a esquerda brasileira.

Vi como preferível, primeiramente, a candidatura de Marina Silva, pois, com ela no poder, a responsabilidade pelo desastre econômico ficaria ao menos diluída.

Depois que Marina foi destruída pela mais torpe campanha de calúnias e falácias já vista na política brasileira, incentivei o Volta Lula!, pois ele, com todos os defeitos, ainda seria capaz de amenizar um pouco a devastação que se prenunciava. Mas, os petistas vacilaram miseravelmente, encaminhando-nos para a perda total.

Mal assumiu, Dilma jogou as promessas de campanha no lixo e empossou o neoliberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Imediatamente lembrei que estava repetindo o erro de João Goulart, cujas tentativas de adotar a política econômica do inimigo sempre foram inviabilizadas pelo fogo amigo do Brizola e do PCB, lançando o país na confusão e preparando o terreno para a intervenção militar. Dito e feito, Dilma também acabaria sendo derrubada, desta vez não pelos tanques, mas por um peteleco parlamentar.
Tão logo a Câmara Federal aprovou a abertura do processo de impeachment, escrevi que a batalha no Congresso já estava perdida e o único contra-ataque com alguma possibilidade de êxito seria sua imediata renúncia, seguida pelo lançamento de uma nova campanha por diretas-já, unindo toda a esquerda. Mas, Dilma, sempre berrando que não iria cair, marchou de derrota em derrota até o mais amargo fim.

Fiz esta introdução porque novamente há um cenário horroroso se desenhando no horizonte e a esquerda está fazendo tudo errado mais uma vez.

Ao invés de depurar-se e reciclar-se como é inescapável após fiascos tão acachapantes como o de 2016, continua apostando no populismo, ao lançar uma campanha sebastianista pela candidatura de Lula que é simplesmente asnática: a direita, por via judicial, o fulminará quando bem entender.

E não percebe que, se o confronto for entre o populismo decadente do Lula e o populismo ascendente de Jair Bolsonaro, afinado com o espírito da era Trump, é o segundo que prevalecerá.

As lambanças do PT já levaram a direita ao poder. Se persistirem, acabarão conduzindo um fascista explícito ao Palácio do Planalto, enquanto quatro centenas de signatários de um manifesto altamente inoportuno ficarão tentando justificar sua estreiteza de visão política.

Eis os trechos principais de um artigo do Vladimir Safatle que dá uma boa noção do inimigo que temos pela frente:

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UM FASCISTA MORA AO LADO

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Por Vladimir Safatle

…poderíamos dizer que todo fascismo tem ao menos três características fundamentais.

Primeiro, ele é um culto explícito da ordem baseada na violência de Estado e em práticas autoritárias de governo.

Segundo, ele permite a circulação desimpedida do desprezo social por grupos vulneráveis e fragilizados. O ocupante desses grupos pode variar de acordo com situações históricas específicas. Já foram os judeus, mas podem também ser os homossexuais, os árabes, os índios, entre tantos outros.

Por fim, ele procura constituir coesão social através de um uso paranoico do nacionalismo, da defesa da fronteira, do território e da identidade a eixo fundamental do embate político.

Neste sentido, não seria difícil demonstrar todo o fascismo ordinário do sr. Bolsonaro. Sua adesão à ditadura militar é notória, a ponto de saudar e prestar homenagens a torturadores. Não deixa de ser sintomático que pessoas capazes de se dizerem profundamente indignadas contra a corrupção reinante afirmem votar em alguém que louva um regime criminoso e corrupto como a ditadura militar brasileira (vide casos Capemi, Coroa-Brastel, Paulipetro, Jari, entre tantos outros).

Bem, quem começa tirando selfie com a Polícia Militar em manifestações só poderia terminar abraçando toda forma de violência de Estado.

Por outro lado, sua luta incansável contra a constituição de políticas de direito, reparação e conscientização da violência contra grupos vulneráveis expressa o desprezo que parte da população brasileira sempre cultivou, mas que agora se sente autorizada a expressar.

Por fim, o primarismo de um nacionalismo que expressa o simples culto do direito secular de mando, algo bem expresso no slogan devolva o meu país, fecha o círculo.

Ora, o fato significativo é que a maioria da classe média brasileira, com sua semi-formação característica, assumiu de forma explícita uma perspectiva simplesmente fascista.

Ela operou um desrecalque, já que até então se permitia representar por candidatos conservadores mais tradicionais. Essa escolha é resultado de uma reação à desordem e à abertura produzida pela revolta de 2013.

Todo evento real produz um sujeito reativo, sujeito que, diante das possibilidades abertas por processos impredicados, procura o retorno de alguma forma de ordem segura capaz de colocar todos nos seus devidos lugares. Nesse contexto, a última coisa a fazer é acreditar que devamos dialogar com tal setor da população.

Faz parte de um iluminismo pueril a crença de que o outro não pensa como eu porque ele não compreendeu bem a cadeia de argumentos. Logo, se eu explicar de forma pausada e lenta, você acabará concordando comigo.

Bem, nada mais equivocado. O que nos diferencia é a adesão a forma de vida radicalmente diferentes. Quem quer um fascista não fez essa escolha porque compreendeu mal a cadeia de argumentos. Ele o escolheu porque adere a formas de vida e afetos típicos desse horizonte político. Não é argumentando que se modifica algo, mas desativando os afetos que sustentam tais escolhas.

De toda forma, há de se nomear claramente o caminho que parte significativa dos eleitores tomou. Essa radicalização não desaparecerá, mas é embalada pelo espírito do tempo e suas regressões. Na verdade, ela se aprofundará. Contra ela, só existe o combate sem trégua.

Às vezes me sinto como a Cassandra troiana, amaldiçoada com a indiferença do seu povo aos alertas que lançava, tão corretos quanto inúteis em termos práticos.




A agonia do capitalismo e os desvarios do Trump devem fazer ressurgir a contestação em larga escala

Celso Lungaretti: ‘UM NOVO 1968 PODE ESTAR COMEÇANDO’

 

E.

O campus da Universidade da Califórnia em Berkeley foi fechado nesta quarta-feira (1) em meio a um protesto violento contra uma palestra do editor do site de extrema-direita Breitbart, Milo Yiannopoulos.

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ótimo artigo da revista Cult, assinado por Sean Purdy (professor do departamento de História da USP), nos mostra o papel histórico que tal universidade desempenhou na década de 1960:                                                                                          .

A primeira grande mobilização do movimento estudantil nos Estados Unidos aconteceu na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1964-1965 sobre o direito dos estudantes de organizar atividades políticas no campus, já que, nos anos 1950, os administradores dessa renomada universidade pública haviam banido tais atividades.

No outono de 1964, estudantes abertamente organizaram atos no campus em solidariedade ao movimento negro para desafiar as proibições. O aluno Jack Weinberg foi preso pela polícia e uma manifestação espontânea de 3 mil estudantes cercou o carro da polícia, proibindo-o de partir por 32 horas. Por dois meses, estudantes continuaram organizando grandes atos e manifestações sob a bandeira do Movimento pela Livre Expressão. Em dezembro, alunos ocuparam o principal prédio da administração da universidade. A polícia entrou e mais de 700 alunos foram presos.

Em janeiro, a universidade suspendeu os líderes da ocupação, provocando uma greve estudantil e manifestações amplas que efetivamente fecharam a universidade. Logo depois, a administração da universidade cedeu e atividades políticas foram permitidas no campus.

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Estamos passando por momento semelhante, com uma difusa insatisfação entre os jovens dos EUA e Europa, cientes de que a crise econômica colocará enormes obstáculos no seu caminho para a inserção profissional e sucesso nas futuras carreiras. 

Os avanços autoritários pipocam em várias nações e a recém-iniciada presidência de Donald Trump vai na contramão de quase tudo que é belo, digno e justo na face da Terra, ameaçando tanger a humanidade para uma nova Idade Média ou mesmo para o extermínio (em função de seus desvarios ambientais).

Não é utópico trabalharmos com a hipótese de que os EUA novamente se dividirão entre uma embotada e intolerante parcela reacionária e uma ampla frente comum de pessoas esclarecidas e idealistas, dispostas a deter a marcha para a insensatez trumpiana. 

Trump poderá bisar o papel da Guerra do Vietnã: o de aberração contra a qual os melhores se unem.

minoria estridente, mas, provavelmente, meio a meio (não esqueçamos que a o apresentador de reality show só ganhou permissão para tocar o terror graças ao estapafúrdio sistema eleitoral estadunidense, pois foi sua hilária adversária quem obteve maior quantidade de votos).

E, com os rigores que se abatem sobre a Europa, tudo leva a crer que uma escalada de protestos estudantis e outras manifestações de inconformismo contra as políticas de Trump repercutirá instantaneamente no velho continente, alavancando o ressurgimento, em larga escala, da contestação jovem.

Um novo 1968 não só é possível, como pode já estar começando.




Reinaldo Canto: 'Trump, na contramão do mundo'

A temperatura bate recorde e o presidente dos EUA anuncia investimentos em energias fósseis

 

Ninguém se surpreendeu com as primeiras medidas tomadas por Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, uma vez que entre as suas principais bandeiras de campanha estava o desmonte das obras e legados de Barack Obama.

Na área ambiental, a primeira ação da nova administração foi eliminar do site da Casa Branca a página com notícias e ações do governo sobre mudanças climáticas. O objetivo imediato de Trump é acabar com o Plano de Ação Climática do governo anterior e iniciar fortes investimentos na exploração de petróleo, gás e carvão.

No último dia 24, ele assinou ordens executivas aprovando a construção dos polêmicos oleodutos Keystone XL e Dakota Access que, por seus enormes riscos ambientais, haviam sido barrados por Obama.

Para Trump, acabar com o legado ambiental será uma forma de “eliminar políticas danosas e desnecessárias” e, segundo ele, gerar empregos.

Trump não apresentou evidências disso, mas ignora provas do aquecimento global. Dados divulgados pela Organização Meteorológica Mundial e pela Nasa, a agência espacial norte-americana, constataram que 2016 foi o ano mais quente da história, sendo o terceiro ano consecutivo de recorde no aumento da temperatura global.

Os levantamentos apontam para a continuidade desse processo de aquecimento constante e as simulações para 2050 mostram que, veja só a ironia, os EUA chegarão a um aumento de 2º C antes do resto do mundo. Em alguns dos estados mais ricos do país, a temperatura deverá atingir 3º C a mais do que a média planetária.

Consequentemente, os Estados Unidos, grandes produtores de alimentos, devem ter perdas agrícolas enormes, além de experimentarem um crescimento de fenômenos climáticos extremos, tais como tornados, enchentes e secas prolongadas.

São sinais eloquentes de que não será possível para Donald Trump considerar os Estados Unidos uma ilha, por mais que ele cerque o país com muros. No caso das mudanças climáticas não existem soluções nacionalistas. Este é um problema que envolve decisões conjuntas de toda a comunidade internacional. O horizonte é de grandes perdas econômicas e, como se pode ver, os Estados Unidos serão muito afetados em decorrência do aquecimento global.

Resistências à truculência e ignorância do novo mandatário norte-americano começaram a surgir.

Uma delas e de grande relevância foi a carta endereçada a Trump por mais de 540 empresas e 100 grandes investidores participantes do movimento empresarial Low-Carbon USA O grupo pede à nova administração da Casa Branca e também ao novo Congresso apoio às políticas que acelerem a transição do país para uma economia de baixo carbono, com o objetivo de enfrentar as mudanças climáticas.

Entre as empresas signatárias estão gigantes como Starbucks, Nike, L’Oreal, Gap, Levi’s, Unilever, General Mills, Hilton, Dupont e Schneider Electric, entre outras. Juntas, essas corporações representam receita anual superior a 1,15 trilhão de dólares e empregam cerca de 2 milhões de pessoas em todo o país.

A carta faz menção ao Acordo Climático de Paris e à necessidade de se cumprir suas metas de redução das emissões globais dos gases de efeito estufa. As empresas listadas afirmam que farão sua parte para “cumprir os compromissos do Acordo Climático de Paris de uma economia global que limita o aumento da temperatura planetária bem abaixo de dois graus Celsius”. Entre as ações listadas pelas empresas estão o aumento da eficiência energética e a utilização crescente de energias limpas e renováveis.

Para Anna Walker, diretora sênior de Política Global e Advocacy da Levi Strauss & Co., “é imperativo que as empresas tomem um papel ativo no cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Acordo Climático de Paris”. “Será fundamental que trabalhemos juntos para garantir que os EUA mantenham sua liderança climática, garantindo, em última instância, a prosperidade econômica de longo prazo de nossa nação”, disse.

Trump deve ficar atento à essa realidade. Empresas norte-americanas já investiram muitos bilhões de dólares em energia renovável dentro e fora do país. Além disso, esse mercado é promissor para os EUA, ainda que a liderança esteja em disputa com China, Alemanha e Japão, entre outros.

O que o mundo e os EUA menos precisam neste momento é de uma visão limítrofe e atrasada. Trump, o “presidente do fim do mundo”, pode retardar o avanço para uma economia de baixo carbono, mas, espera-se, não poderá sozinho alterar os rumos da economia mundial, inclinada nesse sentido. Ainda assim, neste aspecto parece evidente que sua passagem pela Casa Branca será ruim para todos, inclusive para seus eleitores. (Carta Capital/ #Envolverde)

* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da ONG Iniciativa Verde.

* Publicado originalmente no site Carta Capital.




Celso Lungaretti: 'O QUE A VITÓRIA DE TRUMP SINALIZA: ANÁLISE DE VLADIMIR SAFATLE, COM COMENTÁRIO DE CELSO LUNGARETTI"

Celso Lungaretti: HÁ UMA PROFUNDA DESCRENÇA POPULAR COM OS GESTORES DA DEMOCRACIA LIBERAL E A ESQUERDA NÃO A CAPITALIZA

 

Escreveu Vladimir Safatle

FENÔMENOS COMO DONALD TRUMP NÃO SÃO PASSAGEIROS, SÃO REGRA..

Há uma passagem na Dialética do Esclarecimento na qual os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer afirmam que, muitas vezes, não há nada mais estúpido do que ser inteligente.

Nessa passagem, eles descrevem como seus amigos intelectuais tinham análises detalhadas e bastante astutas para provar de forma cabal como a ascensão do nazismo nunca seria possível. Nenhuma delas serviu para impedir o que era, no final das contas, claro como o sol ao meio-dia.

Bem, a eleição de Donald Trump é, mais uma vez, a prova de como muitas vezes não há nada mais estúpido do que ser inteligente.

Até o último dia da eleição, as chances de vitória de Hillary Clinton eram creditadas em até 90%. A inconsistência de Trump, seu caráter errático, suas falas absurdas e caricatas eram salientados a todo momento para confirmar aquilo que as pesquisas pareciam indicar: que ele nunca seria o próximo presidente dos EUA.

No entanto, Trump viu algo que ninguém queria ver, a saber, que a democracia liberal acabou, que a política não passa mais pela conquista do centro e pela boa gestão da institucionalidade atual. Ela passa pelo deslocamento em direção aos extremos e pelo decisionismo soberano.

Tudo estava claro para quem quisesse ver. O brexit e a ascensão da xenofobia na Europa foram expressões de uma profunda descrença popular com os gestores da democracia liberal. Lembremos como os últimos anos demonstraram como as recuperações econômicas aplicadas através de planos de austeridade significaram aumento brutal da precariedade, da insegurança social e da desigualdade.

Esses planos de recuperação foram geridos de forma praticamente semelhante, tanto por liberais como pela esquerda (ou por algo que gostaria de, em certos momentos, se fazer passar por ela). A ira popular contra tal classe de gestores sociais era evidente e levaria a um forte sentimento anti-institucional.

Foi para vampirizar tal sentimento que entrou em cena Donald Trump. Denunciando a elite política e a elite midiática por esquecimento das pessoas comuns, ele, o representante maior da elite financista e rentista que mais se beneficiou das políticas econômicas dos últimos anos, fez o inacreditável papel do homem simples indignado com a impotência dos burocratas e com a inércia dos partidos.

Sua imagem de bem-sucedido, junto à sua capacidade de mudar de opinião, de se contradizer a todo momento, podia muito bem aparecer como a prova de que estávamos diante de alguém que não respeitaria limites para fazer o que deve ser feito. Foi o que aconteceu.

Fenômenos como Trump não são passageiros. Eles serão a regra daqui para frente. Clinton, com seu militarismo extremo e sua aliança orgânica com os interesses de Wall Street, era apenas uma direita mais tradicional que terá cada vez menos lugar.

Já fenômenos como Trump se aproveitam da inexistência de esquerda no cenário político-partidário mundial e capitalizam todo o sentimento anti-institucional, dando à insegurança social o lastro do medo paranoico contra inimigos externos ou da raiva protofascista contra minorias internas. A história já demonstrou quão explosiva pode ser tal combinação.

No entanto, essa eleição mostrou também a limitação política de certas escolhas feitas ultimamente. Por coincidência, no dia da eleição norte-americana, eu estava na Universidade da Carolina do Norte, onde os estudantes fizeram várias pichações contra Trump. Na maior delas podia-se ler: “Trump: sexista, machista, racista, islamofóbico, homofóbico”.

Tudo isso é verdade, mas era sintomático não haver nada sobre seu desejo em acabar com o sistema de saúde gratuito para os mais pobres ou sobre sua política econômica que implicará em concentração de renda e em aumento da precarização. De fato, a tentativa de desconstruir Trump passou, de forma majoritária, por tais pautas ligadas a políticas de reconhecimento.

Nada mais previsível, já que a luta por reconhecimento funciona atualmente como uma certa compensação à inexistência de um discurso econômico de esquerda com clara força de transformação das relações econômicas e com capacidade de implicar as classes empobrecidas.

Conseguimos transformar tais pautas, profundamente justas em si, na única modificação concreta que a esquerda consegue atualmente oferecer, já que estamos todos comprometidos com a gestão do mesmo modelo econômico, divergindo apenas sobre a intensidade da aplicação das mesmas políticas

Mas se o modelo econômico é o mesmo, se o problema é só de intensidade, então melhor entregar as chaves do cofre para alguém que sabe como as entranhas do capital realmente operam. Ao que parece, foi assim que metade mais um da população norte-americana pensou.

Pitaco do editor

A DEMOCRACIA LIBERAL ENTROU EM PARAFUSO. 

QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS PARA A ESQUERDA?.

Em seu excelente artigo desta 6ª feira (11) na Folha de S. Paulo, cujos trechos principais grifei, o filósofo Vladimir Safatle veio ao encontro do que tanto o Dalton Rosado quanto eu vimos há tempos alertando: as contradições insolúveis do capitalismo atingiram tal estágio que ele cada vez desagrada mais pessoas para satisfazer menos pessoas. O preço da relativa prosperidade de poucos são agruras e sofrimentos para muitos. Com isto, a chamada democracia liberal entrou em parafuso, como cansamos de dizer e agora ele diz também.

A nós interessa, sobretudo, a principal consequência disto para a esquerda: a de que não adianta mais disputarmos eleições e tentarmos combater o stablishment com as armas do stablishment, situados dentro do stablishment. Temos de, como em 1968, abandonar os parlamentos e palácios do governo, voltando às ruas e às praças para nelas irmos forjando pouco a pouco, em sintonia com o povo e estimulando seu protagonismo, uma proposta alternativa de sociedade.

Caso contrário, acontecerá conosco o mesmo que aconteceu com o Partido Social-Democrata alemão, que tentou deter a escalada nazista dentro dos marcos da legalidade burguesa, enquanto o inimigo, sem os mesmos melindres, atuava em duas frentes: intimidava os conservadores e liberais com a truculência de suas turbas de lumpemproletários, visando inicialmente paralisá-los e depois cooptá-los nas esferas do poder formal.

Lembrem-se: quem não aprende com as lições da História, está condenado a repeti-las. (Celso Lungaretti)

 

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LEONARD COHEN (1934-2016): ESTE, SIM, FOI UM POETA MERECEDOR DO NOBEL!

PARA BOM ENTENDEDOR, GILMAR MENDES ANTECIPOU QUE SÓ DILMA SERÁ CONDENADA NO TSE.




Celso Lungaretti: 'O PODER ECONÔMICO CONTINUARÁ DITANDO AS REGRAS E TRUMP LOGO DEIXARÁ O MACACÃO DE PALHAÇO DE LADO, VOLTANDO A COMPORTAR-SE COMO QUEM VESTE TERNO DE EMPRESÁRIO…'

 CELSO LUNGARETTI:  ‘TRUMP VAI SER O LULA DA DIREITA: ANTES OS RUGIDOS DE CAMPANHA, DEPOIS OS MIADOS NO PODER’

O que teria acontecido caso Lula houvesse sido eleito em 1989?
Alguém acredita que, realmente, 800 mil empresários fariam as malas para deixar o País, de acordo com o prognóstico alarmista do presidente da Fiesp, Mário Amato?

Nem a pau, Juvenal! O poder econômico trataria é de iniciar logo o enquadramento do Lula que, a julgar pela maneira como procedeu ao finalmente chegar , não oporia muita resistência ao descarte das bandeiras utilizadas para ganhar a eleição.

Desde o sindicalismo, sua trajetória era feita de acordos, com uma greve aqui e ali para que as montadoras, alegando aumento de custos com a mão-de-obra, pudessem contornar os congelamentos de preços impostos pelos ministros da ditadura; se em 1989 os mandachuvas do mercado houvessem sentado com o Zé Dirceu para acertar os ponteiros como fizeram em 2002, nossa História teria avançado mais depressa… para o mesmo lugar.

O Brasil não se tornou comunista sob Lula, a Itália não voltou ao fascismo sob Berlusconi e é quase impossível os Estados Unidos serem piores sob Trump do que foram durante a guerra ao terror do Bush, quando justiçadireitos humanos e respeito à soberania das nações viraram balelas no país que mais prega a democracia.

Nos três casos, vale ressaltar, os negócios continuaram sendo tocados conforme a lógica férrea do neoliberalismo dominante, pois há bom tempo o que realmente importa na economia deixou de ser decidido pelos chamados dirigentes políticos, hoje reduzidos a meros fantoches do poder econômico.

As extravagâncias de certos presidentes e premiês se limitam ao varejo, já que no atacado eles não têm permissão para botar as patas. Ou alguém acredita que Trump conseguirá ressuscitar o protecionismo de mercado num país que tanto lucra com o livre comércio, correndo o risco de que ele venha a isolar-se juntamente com o Reino Unido, enquanto Europa e Ásia estariam deitando e rolando?

Por que supormos que, com Donald Trump, virá o apocalipse? Bem mais plausível é que, tendo atingido o objetivo de chegar à Casa Branca, ele tire o macacão de palhaço e volte a se comportar como quem veste terno de empresário.
Parece que, lembrando o grande Shakespeare, continuamos obnubilados pelas tempestades de som e fúria significando nada com que nos hipnotiza a indústria cultural.

A embalagem do capitalismo nos EUA vai mudar um tantinho, mas o produto continuará igual. E o que realmente importa é o seguinte: seu prazo de validade já expirou.
Está na hora de deixarmos de desperdiçar tempo com bobagens e encararmos nosso verdadeiro problema, qual seja o de evitarmos que a agonia do capitalismo, com sua degringola econômica e catástrofes ambientais, arraste a espécie humana para a extinção..

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