Universidade e ensino da Língua Portuguesa

Renata Barcellos

‘Universidade e ensino da Língua Portuguesa’

Renata Barcellos
Renata Barcellos
Professora Renata Barcellos em sala de aula - - Foto por alunos do Nave RJ
Professora Renata Barcellos em sala de aula – Foto por alunos do Nave RJ

A palavra ‘universidade’ vem do latim “universitas” cujo significado é ‘universalidade’, ‘totalidade’ ou ‘corporação’. Inicialmente, “universitas” referia-se à comunidade de mestres e estudantes reunidos em uma instituição com interesses comuns. As universidades surgiram na Europa medieval entre os séculos XI e XII. As mais antigas do mundo são a: Universidade de Al-Qarawiyyin (Marrocos, 859), Universidade de Bolonha (Itália, 1088), e a Universidade de Oxford (Reino Unido, 1096), Universidade de Paris (França, c. 1150), Universidade de Salamanca (Espanha, 1218), e Universidade de Coimbra (Portugal, 1290).                                                                                                                                                                 

     Essas primeiras se expandiram como centros de conhecimento para atender a demanda de uma sociedade por uma formação laica. Quanto a isto, vale destacar que, no Brasil, é um direito constitucional. Começou a ser implementada após a expulsão dos jesuítas no século XVIII, com a reforma pombalina. Assim, a Constituição de 1891 estabeleceu a laicidade do ensino público. E, a partir desse momento, a República brasileira tem buscado garantir essa neutralidade, como a separação oficial do Estado e da Igreja.  Dessa forma, o Estado deve manter imparcialidade religiosa, não apoiar nem discriminar nenhuma confissão, mas garantir a liberdade de todas.                                           

      As primeiras instituições se organizaram como corporações de mestres e estudantes, ganhando autonomia e desenvolvendo um currículo dividido em áreas como Direito, Medicina e Teologia. Surgiram como “templos da liberdade intelectual”, lugar de reflexão, debate, ideias contrárias serem discutidas ….  Entretanto, hoje… O que presenciamos nos diversos cursos universitários? Este “laboratório do pluralismo” tornou-se “amordaçador”? Abaixo à repressão!!! Diga SIM à LIBERDADE DE EXPRESSÃO!!! Universidade é lugar de REFLEXÃO, NÃO DE OPRESSÃO!!!

     Segundo uma pesquisa do Instituto Sivis, 47% dos estudantes brasileiros consultados evitam debates de assuntos controversos. Por exemplo, discussões políticas (39%) lideram a lista de temas a serem evitados devido à polarização. Professores e alunos declaram não se expressarem por temor a ‘patrulhas ideológicas’. Vale destacar o período da ditadura militar, no qual houve perseguição a acadêmicos e mais recentes o surgimento da ‘Escola Sem Partido’.

     Este foi um movimento social e um projeto de lei (PL 7180/2014) que visava proibir a ‘doutrinação política e ideológica’ nas escolas brasileiras. Assim, impondo o que os professores deveriam ensinar, especialmente sobre temas políticos e morais. Defendia que os professores não poderiam usar sua posição para promover convicções próprias e que o conteúdo da escola precisaria respeitar a moral e a religião da família. O projeto gerou polêmica: com defensores alegando ser um meio de proteger os alunos da manipulação e críticos considerando-o como uma forma de censura e ‘lei da mordaça’, a fim de cercear a liberdade de expressão e o desenvolvimento do pensamento crítico. Diante do caos, oficialmente, o movimento foi encerrado em 2020. O STF declarou inconstitucional a aplicação de leis similares.                          

    Além disso, também há a preocupação com a desvalorização da carreira docente e a precariedade das condições de trabalho. Estas podem desmotivar e adoecer professores, afetando o ambiente educacional como um todo. O preço de ‘pensar fora da cartilha’ é a difamação, o cancelamento e até o veto a pesquisas ou à docência. Há professores que se calam para não perder prestígio ou verbas. A cultura do cancelamento expande a cada dia. Trata-se de um fenômeno das redes sociais onde autores são boicotados e julgados publicamente por opiniões, ações ou obras consideradas controversas. Assim, levando à exclusão social e à perda de credibilidade.                                                                                         

    Vejam quantos escritores já o foram recentemente: Monteiro Lobato (dentre as obras, O presidente Negro e Jeferson Tenório, O Avesso da Pele). Urge considerar o contexto no qual a obra foi escrita. É preciso ler textos cujos temas sejam atuais e tabus ainda hoje como contos e romances de Ligia Fagundes Telles e Caio Fernando de Abreu. Em pleno século XXI, a universidade precisa estar de “portas abertas” sempre. Levar a sociedade para circular pelo campus, ter consciência de suas funções sociais. Ser ponte de diálogo entre diversas áreas do saber. É na interação que ocorre a construção do conhecimento.

    Outro aspecto são os ‘guetos’ onde só entra quem for ‘amigo do amigo’. De práticas realizadas, quando chegam ao meu conhecimento, sempre, digo: “quem tem padrinho não morre pagão”.  Sou a favor da meritocracia. Deve ganhar e ser reconhecido quem tem formação e competência e desempenha bem seu ofício. As ementas dos cursos devem ser cumpridas. E não ser a disciplina ofertada um espaço para ‘autopromoção’ da pesquisa realizada ou em andamento.                                                 

    Cabe destacar ainda que os eventos acadêmicos (congressos, simpósios…) estão cada vez mais esvaziados. Cada um vai ‘no seu horário’ (muitas vezes, não fica nem no horário completo), para sua apresentação e não participa das atividades propostas. Será que o caro pesquisador já atingiu o ‘auge do seu conhecimento’? Nada mais o interessa? As propostas online de comunicação estão extensas e com apresentações demasiadas….Isso é produtivo? E o espaço troca?                                                                                                                               

    Quanto ao ensino de Língua Portuguesa, de acordo com Daniel Sakovi (formado em Educação, na especialidade de Língua Portuguesa/ EMC, pelo Magistério Mutu-ya-Kevela; com cursos em Comunicação e Atendimento ao Cliente, Oratória e Comunicação Assertiva, Português Instrumental, Alfabetização e Letramento, ministrados pelo Instituto Federal Rio Grande do Sul — Brasil; transformador de mentes de alta performance; escritor de ‘Histórias de Reflexão Motivadoras’ e de ‘Os Ingredientes da Sopa da Vida’; comentador do Jornal O País; autodidata, e, não menos importante, artista plástico.

    Actualmente, actua como professor de Língua Portuguesa e formador de Comunicação e Oratória,  “enfrenta uma crise silenciosa: muitos professores têm reduzido a língua ao domínio de regras gramaticais, esquecendo-se de que o verdadeiro intento do ensino da língua é comunicar, interpretar, argumentar e transformar a realidade”. E, muitas vezes, este ensino de regras é feito de forma isolado que os pupilos acabam decorando regras após regras que se esquecem do contexto.  Ora, bem! A gramática por si só não é o problema.                                                                      

    O caos é quando ela se torna o centro absoluto do processo de ensino-aprendizagem, afastando os discentes da vivência linguística real. A língua não é um sistema fechado de normas, mas, sim, um organismo vivo que varia de região por região (variação linguística). Quando a escola ignora isso, transforma o aprendizado num exercício mecânico e sem sentido.                                          

    “O Ensino da Língua Portuguesa deve ser feito com base em debates e reflexões”, permitindo que os alunos se sintam confortáveis e livres em expressar as suas ideias. O que acontece é que os professores formados em gramática não permitem que os alunos se expressem, visto que, quando eles se manifestam e cometem uma gafe, os docentes querem de imediato fazer a correcção que os formandos chegam a não mais comentar nas aulas. E, na maioria das vezes, os tais professores não elucidam o porquê de não ter sido daquele jeito nem procuram entender o motivo de os pupilos terem dito isso ou aquilo. O que se quer é de docentes que levam os discentes a reflectir sobre os tais desvios que cometem.                                                                                                              

    Esta iniciativa de debater e reflectir sobre a língua deveria 2 emergir dos magistérios, já que são eles que formam os professores. É mais regras atrás de regras: análise sintáctica, análise morfológica, concordância… Os docentes só chegam a trabalhar textos quando é aula de leitura e, no momento da interpretação e compreensão, muitos chegam a restringir-se apenas nas questões encontradas no manual. Por que se chega a dizer que a Língua Portuguesa é a disciplina mais difícil?                                                                     

    Devido aos professores de gramática. Estes docentes acabam frustrando os discentes, fazem-nos acreditar que não sabem português, mesmo aquando se comunicam perfeitamente em seu cotidiano. Já advertia a pedagoga e linguista brasileira Magda Soares (2004) que ensinar a língua é ensinar a usá-la para pensar, comunicar e interagir. E não para ficar aí ensinar tantas regras que até o tal professor não aplica no seu cotidiano. (Grifos meus) Portanto, o que se quer aqui passar não é banir a gramática, todavia recolocá-la em seu devido lugar: como ferramenta a serviço da língua — comunicação — e não como fim em si mesma.                                                                             

    Por outra, o Ensino da Língua Portuguesa só será verdadeiramente libertador quando for plural, contextualizado, dialógico e centrado no uso real da linguagem. Professores que entendem isso não matam a língua — ELES FAZEM-NA VIVER. Na busca pela diferença: SER INCOMUM!”. Viva a Língua Portuguesa!!!                                               

    Imersos em tecnologias, cada veza a interação presencial está sendo substituída por mensagens escritas ou áudios. Precisamos cuidar da nossa língua materna e ou oficial. É através dela que nos comunicamos. Somos avaliados em processos seletivos de acordo com a gramática segundo as normas do Português de Portugal. Apesar de uma “certa distância” entre a norma padrão e a realidade linguística, enquanto professores, devemos tornar este ensino um processo motivador cujo resultado seja a construção de conhecimento efetivo.                                                                                                                     

    Uma sugestão é levar gêneros e modos textuais diversos, a fim de o aluno perceber as características próprias de cada um e o uso que se faz da língua. Destacar seus recursos expressivos e seus desvios. Só através da prática se alcança a compreensão do uso real de uma língua. Traga o mundo para a sua sala de aula. Transforme-a em um grande laboratório. Permita que seu aluno reflita sobre as diversas questões linguísticas. Dê espaço para produção textual e oral a fim de desenvolver a expressão oral e leitora.                                                          

    Concluirei com um outro aspecto abordado pelo estudioso angolano AC Khamba (professor de Língua Portuguesa no Instituto Politécnico Dom Damião Franklin e Director do Complexo Escolar Paulo Freire; Escritor, crítico literário, investigadores de teorias literárias para o ensino; Coordenador do Conselho Científico do Centro de Língua i Literatura Milho; Tem textos publicados em várias revistas, especialmente na Revista Mayombe, Palavra & Arte, Nós e a Poesia, Jornal O País, Jornal Cultura Angola e Jornal de Angola): a distinção entre ESCOLA e ACADEMIA.

Segundo ele, “em Angola, as escolas não são correntes, não possuem políticas próprias nem estão interessadas no bem-comum como um resultado da ciência e racionalidade, elas são tratadas dentro do regime académico e este, o regime académico, é uma sistematização política, que remete à sociedade caminhos que beneficiam o próprio sistema político e não a sociedade. Por essa razão que a Gestão Escolar e a Inspecção Escolar, no nosso país, já não são ciências, porque as suas funções dependem do regime académico (político) e não da concorrência (racional e científico). Como consequência, um caminho que finda no próximo passo”.

Esta realidade de Angola lhe é familiar?

Renata Barcellos

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