Carlos Cavalheiro: ‘A nossa primeira médica’ – PARTE 3

Carlos Cavalheiro Carlos Carvalho Cavalheiro: ‘Ursulina Lopes Torres, a nossa primeira médica’ – Parte 3 (última)

 

Há uma parte da pesquisa que não depende do pesquisador. Essa parte tem vida própria, escolhe seus caminhos, conduz o pesquisador até onde quer. Quando resolvi escrever sobre a doutora Ursulina Lopes Torres, encantado que estava com sua biografia, pensei que daria conta de tudo em um só artigo.

No entanto, as informações foram surgindo às pencas e o artigo se desdobrou em duas partes. O resultado pareceu-me razoável, mas havia uma pendência ainda: não conseguira descobrir a data de falecimento da notável médica. Por um desses caprichos da pesquisa, que nem sempre se submete ao pesquisador, ao entregar a segunda parte (a qual eu dava por encerrada, embora estivesse faltando a data do óbito), a amiga e pesquisadora Sonia Belon trouxe notícia nova de um artigo da internet que lhe fora enviado pelo Eugênio Motta Neto.

Pois bem, a leitura do trecho desse artigo em que é citada a doutora Ursulina Lopes abriu novas possibilidades de pesquisa e encontrei uma infinidade de informações, incluindo a data de falecimento.

Detalhes importantes foram esclarecidos e isso suscitou o desdobramento dessa terceira parte. Uma das informações encontradas, e de interesse, é o fato de que Ursulina começou a exercer a profissão de médica imediatamente após a conclusão da Faculdade no Rio de Janeiro. No “Annuario Administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial do Rio de Janeiro e Indicador para 1908”, editado por Adriano Maury & C., na página 1778 aparece o nome dela, estabelecida como médica na rua Miguel de Frias. Na mesma rua aparece o nome de “A. Lopes Torres”, provavelmente seu pai Anastácio, com estabelecimento de “pharmácia”.

Muitos pesquisadores encontraram os originais da tese de doutoramento de Ursulina Lopes Torres. Naquela época, os médicos eram doutores porque defendiam tese de doutoramento. Sobre isso, Jeorgina Gentil Rodrigues citou em artigos de revistas científicas e acadêmicas: “TORRES, Ursulina Lopes. Semiologia do feixe de His (do bloqueio cardíaco). 1908. Tese de doutoramento (cadeira de clinica propedeutica) – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1908. 104 p.: il., fot., estampas; 26 cm. Notas: Folhas de estampas intercaladas sem numeração. Citação de nomes ao longo do texto, com referência no rodapé. Ex-dono na página de rosto: “J. Fonseca”. Estado de conservação do exemplar: folha de rosto solta”.

As citações foram feitas nos artigos: “GÊNERO, CIÊNCIA & TECNOLOGIA E SAÚDE: UM OLHAR EXPLORATÓRIO A PARTIR DO ACERVO DE OBRAS RARAS DA BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ”, comunicação oral feita no XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB 2013) GT 11: Informação e Saúde e “Apontamentos sobre a participação feminina na pesquisa no campo da saúde a partir do acervo de obras raras da Biblioteca de Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz”, publicado na Revista Perspectivas em Ciência da Informação (vol.21 no.1 Belo Horizonte Jan./Mar. 2016), em parceria com Maria Cristina Soares Guimarães. Nesse artigo, as autoras informam que foram 50 o número de teses inaugurais ou de doutoramento escritas por mulheres, sendo que dessas, apenas 20 foram escritas por brasileiras. A novidade é que se sabe, por meio desse artigo, que a referida tese de Ursulina Lopes está na Biblioteca de Manguinhos. Não valeria a pena envidar esforços para se conseguir uma cópia para o nosso Arquivo Público Municipal?

A mesma informação ainda foi citada pelas pesquisadoras Claudia Regina Cicon; Patrícia Pereira Almeida; Sandra Moitinho Lage e Rosane Alvares Lunardelli (todas da UEL), que apresentaram comunicação oral no mesmo XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação.

De acordo com Antonio Valsalva, Ursulina Lopes Torres obteve a transferência da Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1904, graças a uma permissão dada pela Lei Rivadavia (http://antoniovalsalva.blogspot.com.br/2011/07/professores-emeritos-da-ufrgs-em-2009.html). Maria Lucia Mott e Olga Sofia Fabergé Alves, no artigo “Farmacêuticas em São Paulo (1901-1919)”, publicado Boletim do Instituto de Saúde Nº 38 – Abril de 2006, afirmam na página 27 que “A documentação sugere que a farmácia não teria sido a primeira opção profissional, como ainda hoje, para muitos estudantes da área da saúde que projetam seus sonhos para a medicina: Ursulina Lopes Torres, primeira farmacêutica registrada no Serviço Sanitário de São Paulo, se formou posteriormente em medicina tornando-se médica do Hospital das Crianças no Rio de Janeiro”.

Em 1909, um ano depois de formada, Ursulina ainda exercia medicina no Rio de Janeiro, com consultório na rua Frei Caneca, apresentando-se como especialista em moléstia de crianças (pediatria). A publicação em questão foi feita na famosa revista infantil “Tico Tico” e encontrada pela pesquisadora Luciana Borges Patroclo, apresentada na página 154 de sua tese de doutorado “AS MÃES DE FAMÍLIAS FUTURAS: A REVISTA O TICO-TICO NA FORMAÇÃO DAS MENINAS BRASILEIRAS (1905-1921)” (Programa de PósGraduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio). Na mesma tese, a pesquisadora apresenta a informação sobre a estada de Ursulina Lopes Torres na Europa: “Na edição do jornal Correio da Manhã, de 20 de novembro de 1914, foi publicado um anúncio sobre a volta da médica ao Brasil, após uma temporada de estudos de dois anos na Europa. “A DRA. URSULINA LOPES, de volta de uma viagem á Europa, onde permaneceu dois annos, freqüentando sempre os maiores hospitaes de Londres, Berlim e Paris, fazendo cursos especiaes de gynecologia, obstetricia, pediatria, electrotherapia, massagem manual e vibratória, gymnastica medica, cystocopia e catheterismos dos ureteres, anesthesia, tratamento moderno pelo ar quente, ar comprimido, ar rarefeito, participa ás suas dignas amigas e clientes que se acha novamente á sua disposição, á rua Miguel de Frias, sobrado (p.9). DRA URSULINA LOPES. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p.9,20 nov.1914”.

Há registro dela como vogal no PREMIER CONGRES DE PARIS, no ano de 1912 (https://archive.org/stream/b21701799/b21701799_djvu.txt). Na década de 1920, Ursulina Lopes aparece trabalhando na Policlínica das Crianças, juntamente com o médico Antonio Fernandes Figueira. Nessa mesma década, dirigiu uma instituição de atendimento às crianças no Hospital Arthur Bernardes, no Rio de Janeiro. Conforme a pesquisadora Andréia Neves de Sant’Anna, nas páginas 4 e 5 de sua dissertação de Mestrado em Enfermagem, HOSPITAL JESUS: ESTRATÉGIAS E EFEITOS SIMBÓLICOS NA FORMAÇÃO DO QUADRO DE PESSOAL DA ENFERMAGEM (1935-1938), apresentada à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro em 2009, “Neste mesmo ano (1924), ligada a Inspetoria de Higiene Infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública, chefiada pelo Dr. Antônio Fernandes Figueira (1863-1928), foi criado o Hospital Arthur Bernardes, nos fundos do Hotel Sete de Setembro, para instalação de uma instituição destinada ao atendimento à criança dirigida pela médica Ursulina Lopes, por indicação de Antônio Fernandes Figueira (Seta, 1997, 31)”.

Em 1929, o nome de Ursulina Lopes aparece como vogal no 10º Congresso Brasileiro de Medicina, ocorrido nos dias 30 de junho a 7 de julho, no Rio de Janeiro (Archivos Rio grandenses de Medicina, nº 2, fevereiro de 1929).

É difícil entender, portanto, como Ursulina Lopes exercia a medicina em Porto Feliz desde 1916, conforme diz a tradição popular. Entre 1912 a 1914 ela esteve na Europa, mas nos anos seguintes, incluindo a década de 1920, aparece exercendo funções administrativas e médicas no Rio de Janeiro. Fica aqui a dúvida. Em todo o caso, Ursulina continua sendo a primeira médica a clinicar em Porto Feliz.

Ursulina aparentemente exerceu a medicina na década de 1940 em Sorocaba. No dia 14 de abril de 1949, a primeira médica de Sorocaba e de Porto Feliz faleceu. Residia em Sorocaba, mas foi sepultada em Porto Feliz, conforme a publicação de nota de falecimento no jornal Cruzeiro do Sul, dia 20 de abril daquele ano.

Foram realizadas, pelo menos, três missas por intenção de sua alma em Sorocaba. Uma foi realizada no dia 20 de abril, no altar mor da Catedral; a segunda no dia 22 na Igreja de Santa Clara e a terceira no dia 25, na Igreja de São Bento. Todos esses templos no centro da cidade de Sorocaba, um próximo ao outro e localizados perto da residência da falecida.

Em Porto Feliz, pelo que se sabe, não há rua ou qualquer outro logradouro em homenagem à nossa primeira médica. Seria o caso de se sugerir a realização de uma homenagem a essa mulher, sobretudo no dia 8 de março (dia internacional das mulheres), pioneira na medicina paulista. Em Sorocaba, há uma honraria da Câmara Municipal que é o “Diploma Mulher Cidadã Salvadora Lopes Peres”, que leva o nome de uma importante militante feminina. Porto Feliz poderia realizar algo similar, ofertando tal honraria, que levaria o nome da nossa primeira médica, Ursulina Lopes Torres, às mulheres de destaque e de lutas na cidade. Ou mesmo a nomeação de logradouros públicos. Fica a sugestão.

 

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

03.01.2017

 

 

 

 

Cruzeiro do Sul, 20.04.1949, p. 1.




Carlos Cavalheiro: ‘A nossa primeira médica’ – PARTE 2

Carlos Cavalheiro Carlos Carvalho Cavalheiro: ‘Ursulina Lopes Torres, a nossa primeira médica’ – Parte 2

 

Parte 2

 

            Ursulina Lopes Torres tem seu nome registrado, enquanto médica, no Livro de Serviços Sanitários nº 5, de acordo com Olga Sofia Fabergé Alves, na sua dissertação “Farmacêuticos diplomados e algumas estratégias de institucionalização da Farmácia em São Paulo (1892 – 1934), apresentada para obtenção de Mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP).

Por tradição oral, sabe-se que Ursulina foi a primeira médica a clinicar em Porto Feliz no ano de 1916. Por ter nascido em Sorocaba, Ursulina também é considerada a primeira médica de Sorocaba. Não foi a primeira do Brasil, como se aventou alguma vez. A primeira brasileira a receber a diplomação de médica foi a carioca Maria Augusta Generosa Estrela, que obteve apoio do governo imperial para estudar nos Estados Unidos, já que as leis brasileiras impediam o acesso da mulher ao curso superior de Medicina. Ela cursou medicina em Nova Iorque de 1875 a 1881, tendo validado seu diploma na Faculdade do Rio de Janeiro em 1882.

Com a reforma Leôncio de Carvalho, em 1879, as mulheres foram admitidas nas faculdades brasileiras. A primeira brasileira a se diplomar médica no Brasil foi a gaúcha Rita Lobato Velho Lopes, que iniciou o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1881 e concluiu na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1887.

Portanto, quando Ursulina Lopes Torres terminou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1908, já havia se formado há 9 anos a Rita Lobato. No entanto, Ursulina foi pioneira na região de Sorocaba: a primeira dessa cidade e a primeira de Porto Feliz.

Em 1930, o jornal Correio Paulistano publica uma nota em que se induz que a nossa médica trabalhava como médica perita para a Prefeitura:

“[…] do sr. Celso de Sousa, adjunto do grupo escolar de Porto Feliz, pedindo licença. – Submetta-se a inspecção médica, em Porto Feliz, dirigindo-se aos drs. Antonio Pires de Almeida e Ursolina Lopes Torres” (Correio Paulistano, 09 jul 1930, p. 10).

Consta que Ursulina Lopes Torres clinicou em Porto Feliz de 1916 a 1940. Há informações de que possuía uma cultura invejável, era poliglota e morou por dois anos na Europa.

Por intermédio da historiadora Sônia Belon, que muito ajudou nesta pesquisa, eu pude entrar em contato com a professora Maria de Lourdes Rodrigues, professora aposentada da Escola Coronel Esmédio, e que morou com Ursulina nos últimos anos em Sorocaba. Ursulina era prima da mãe da professora Maria de Lourdes. Nessa época, anos 1940 provavelmente, moravam na rua Miranda Azevedo.

Ursulina Lopes Torres reviveu os tempos primeiros em que lecionava e ajudou a menina Maria de Lourdes nos exames de admissão da escola “Estadão”, de Sorocaba.

Em 1943 fundou-se a Sociedade Médica de Sorocaba. Dentre os mais de 30 sócios fundadores, Ursulina Lopes Torres é a única mulher: Aldemar de Castro, Atílio Bruni, Cássio Rosa, Celso César Machado de Araújo, Clóvis César Machado de Araújo, Fernando Carvalho Santos, Fernando Vieira de Mello, Francisco Ribeiro Arantes, Frederico Hoppe Júnior, Heitor Avino, Heitor Ferreira Prestes, Itagiba Martins Villaça, Jacy Magalhães, João Almeida Tavares, José Carolino Divino, José Celidonio Mello Reis Filho, José Felipe Camargo Barros, José Júlio Fernandes Barros, Júlio da Cunha, Leon Hirsh, Linneu Mattos Silveira, Luiz Baptista, Manoel Nogueira Soares, Marcelo Guimarães Leite, Mário Peres Navas, Milton Tavares, Olavo Silva Souza, Tácito Costa Filho, Thomaz Cortez, Ursulina Lopes Torres e Victor Araújo Homem de Mello.

A médica e farmacêutica Ursulina Lopes Torres é um exemplo de que não há preconceito que se sustente diante de fatos. A mulher tem a mesma capacidade que a do homem, não existindo motivos plausíveis para que continue a imperar a discriminação e o preconceito.

Por toda a biografia que construiu para si, Ursulina Lopes Torres foi homenageada com o nome de uma rua em Sorocaba, nomeação essa instituída pela lei 133 de 16 de setembro de 1949. Nessa rua foi instalada a Faculdade de Direito de Sorocaba.

Ursulina está enterrada em Porto Feliz, juntamente com seu pai Anastácio Lopes Torres (1850 – 1931). Infelizmente, não há placa indicando o dia de seu falecimento.

Carlos Carvalho Cavalheiro.

27.12.2016.

 

Curiosidades: Alice Hess Maeffer obteve o título de farmacêutica em 1901, pela Escola Livre de Pharmacia e de Chimica Industrial. Tornou-se médica em 1904 pela 1ª turma da Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Casou-se com Dr. Carlos Emílio Hardergger, da sua turma de formandos, que a proibiu de continuar exercendo a profissão (Fonte: http://www.amrigs.org.br/centromemoria/diplomacao.pdf).

Anastácio Lopes Torres, pai de Ursulina, lecionou em Sorocaba numa escola do Clube Literário, ligado à Loja Maçônica Perseverança III, em 1882, segundo José Aleixo Irmão.

Ursulina Lopes Torres era especialista em Pediatria, mas atendia como clínica geral, uma vez que a cidade contava com apenas 3 médicos: ela, dr. Antonio Pires de Almeida (Dr. Antoninho) e dr. José Sacramento e Silva, segundo a historiadora Sonia Belon. Em Sorocaba a médica atendia às Irmãs do Convento de Santa Clara.

estado

Jornal O Estado de São Paulo, 1º abril 1904

reforma

            Jornal “A Reforma” (RS), 22 abril 1899

 




Carlos Cavalheiro: ‘A nossa primeira médica'

ursulinaUrsulina Lopes Torres, a nossa primeira médica

Parte 1

            “A História é a mestra da vida”. A frase, atribuída a Cícero, continua carregando algo de verdadeiro. Se os estudos históricos evoluíram de modo a que a História não fosse mais considerada apenas como o exemplo a ser seguido pelas as gerações futuras, é bem verdade que os acontecimentos do passado ainda nos servem de inspiração.

Apesar de já termos passado da primeira década do século XXI, infelizmente nos deparamos com retrocessos que suscitam em nós a busca de alguma resposta, de algum sentido na longa estrada do pretérito. Convivemos ainda com discriminações, por exemplo, que paradoxalmente vêm se acirrando em nossos tempos.

Com isso, é inspirador conhecermos exemplos de pessoas que romperam com preconceitos e lutaram para que a sociedade fosse mais aberta, humana, justa para todos.  Porto Feliz possui muitos modelos assim em sua história. Um desses exemplos é o da pioneira Ursulina Lopes Torres (ou Ursolina), uma sorocabana que se tornou a primeira médica a clinicar em Porto Feliz.

Ursulina nasceu em Sorocaba no dia 20 (ou 26) de janeiro de 1882, sendo batizada no dia 26 do mês posterior. Era filha de Anastácio Lopes Torres e de Maria do Rosário dos Santos.  A mãe faleceu quando Ursulina tinha por volta de 14 anos de idade, no ano de 1896 (http://pufal.blogspot.com.br/2016/01/familias-portuguesas-nas-missoes-os.html).

Aos 17 anos de idade ingressa na Faculdade de Medicina e Pharmácia de Porto Alegre. De acordo com o jornal gaúcho “A Federação”, Ursulina Lopes Torres obteve excelentes notas em diversos exames. Comumente, obtinha aprovação com distinção: Nos resultados dos exames de 1º ano, obteve aprovação com distinção em todas as matérias: Botânica, Física e Química Mineral (“A Federação”, 08 dez 1899, p. 2). No mesmo ano de ingresso no curso de Farmácia, a menina era professora particular de instrução primária e secundária, juntamente com seu pai, Anastácio (“A Reforma”, 22 abr 1899). Em dezembro daquele ano, Ursulina estava habilitada para a matrícula do 2º ano da Faculdade (“A Federação”, 12 dez 1899, p. 2). Na turma dela havia apenas mais uma mulher: Alice Maefer. Essa última formou-se depois em Medicina, sendo uma das primeiras médicas gaúchas, mas que interrompeu sua carreira por conta do casamento.

No ano seguinte, continuou sendo aprovada com distinção: Química orgânica e biológica, protegômenos de terapêutica e bacteriologia (“A Federação”, 06 mar 1900; 07 mar 1900; 11 dez 1900). Foi aprovada plenamente em matéria médica, farmacologia e arte de formular (“A Federação”, 11 dez 1900, p., 2). Em abril de 1900, o jornal “Correio Paulistano” anunciava os alunos que deveriam ser diplomados em breve pela Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Entre eles estava a de Ursulina Lopes Torres, a única mulher a figurar nessa lista (Correio Paulistano, 11 abr 1900, p. 2).

De volta a São Paulo, depois de formada em Farmácia, no ano de 1901, Ursulina Lopes Torres foi a primeira mulher diplomada a se registrar em São Paulo. De 1892, quando abriu o registro, até 1904 apenas uma mulher se registrou, e era Ursulina, conforme consta na dissertação de mestrado de Olga Sofia Fabergé Alves sobre os farmacêuticos diplomados de São Paulo. Dedicou-se à profissão de farmacêutica até 1904, quando aparece no jornal “O Estado de São Paulo” como proprietária da Farmácia São Joaquim, tendo vendido esse estabelecimento em abril daquele ano.

Provavelmente nesse ano foi para o Rio de Janeiro cursar a Faculdade de Medicina, onde se formou em 1908, conforme atesta Olga Sofia Fabergé Alves.  Ursulina tornou-se mais uma das mulheres formadas em Medicina e que já possuíam um diploma de Ensino Superior, mesmo numa época em que isso era raro entre as mulheres por conta do machismo que imperava na sociedade.

Dizem Maria Lucia Mott, Maria Aparecida Muniz, Olga Sofia Fabergé Alves, Karla Maestrini e Tais dos Santos, em artigo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, que “Pelo cruzamento dos dados, constatou–se que médicos/as possuíam formação, diploma e registro em mais de uma área da Saúde, como por exemplo, Ursulina Lopes Torres, que se formou, em 1901, em Farmácia no Rio Grande do Sul, efetuou o registro em São Paulo no mesmo ano, cursou medicina no Rio de Janeiro, onde obteve diploma, registrando–se novamente em São Paulo, como médica, em 1929” (Ciênc. saúde coletiva vol.13 no.3 Rio de Janeiro May/June 2008). Em Porto Feliz, Ursulina começou a medicar em 1916, portanto, a exatos 100 anos.

.           Uma coincidência apontada pela historiadora Sonia Belon: Ursulina foi a primeira farmacêutica a se registrar em São Paulo. O primeiro farmacêutico a se estabelecer em Porto Feliz foi Domingos Maurino, que era casado com uma prima de Ursulina, a sra. Anna Cyra Torres.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

27.12.2016