Meandros de rio
Ella Dominici: Poema ‘Meandros de rio’


O rio não é cenário.
Ele fala — não em voz, mas em sinais.
Seu fluxo, ora manso, ora urgente, traduz humores invisíveis,
e quem permanece à sua beira aprende a escutá-lo pela percepção que atravessa a pele
e alcança o interior da alma.
As margens murmuram histórias antigas;
o vento traz respostas que ninguém formula;
e o som da água, ao tocar pedras distintas, compõe significados
que não cabem em palavras, mas em sensações.
O voo dos pássaros risca o céu como pequenas frases do alto;
cada mudança de direção é aviso,
cada pouso, uma pausa;
cada revoada, um pensamento que se desprende do mundo.
Depois da chuva, a terra exala um cheiro quente, quase maternal,
como se afirma que o tempo sempre guarda alguma fertilidade,
mesmo quando se mostra hostil.
A fragrância sobe devagar, criando um diálogo silencioso
entre o visível e o que não se nomeia.
A paisagem inteira se comporta como consciência desperta,
como se o mundo pensasse e aguardasse ser compreendido.
E quem ali permanece, mesmo sem perceber,
entra nesse movimento de leitura,
onde cada detalhe — vento, água, folha, aroma —
é frase de um texto maior,
escrito pela própria existência.