Osvaldo Manuel AlbertoImagem criada por IA do Grok
Vamos nos amar. Vamos nos amar para que a vergonha tenha vergonha de nos envergonhar
Vamos nos amar para que as lutas sejam colectivas e tornem-se mais fáceis de vencer.
Vamos nos amar para que a soberba diminua e a petulância se esvazie, para compreender que tudo é vaidade.
Vamos nos amar para que não precisemos de justificar nada, para que a empatia e a solidariedade não sejam objectos das redes sociais motivados por likes, que sejam naturais e refrescantes como a brisa do mar no entardecer.
Vamos nos amar. Vamos nos amar para que a ciência se torne comum ao senso de todos os meros mortais, para que a pedra não pese sobre nós em forma de julgamento.
Vamos nos amar para que na presença ou na ausência os corações continuem verdejantes como a floricultura bem tratada.
Vamos nos amar para sentir menos dor, para ter paz, diluir qualquer peso que possa abalar a estrutura de uma consciência.
Vamos nos amar para que nem a dor, nem a doença e nem a morte possa importunar a criação dos nossos filhos. Mesmo quando o cerne é o corpo, em nada adianta proteger a carne quando o coração está em pedaços.
Vamos nos amar. Vamos nos amar para juntos ultrapassarmos as intempéries calamitosas deste sistema, para juntos combatermos as armadilhas do passarinheiro. Para que a amizade perdure no tempo nessa caminhada efémera.
Vamos nos amar para evitar o empobrecimento da alma e o embrutecer do coração.
Vamos nos amar. Vamos nos amar para não nos procurarmos quando já não é possível nos preocuparmos. Para evitar que morramos em vida. Para que a morte não signifique o fim, mas, tão somente, a etapa necessária que todos os seres viventes passarão.
Vamos nos amar. Vamos nos amar para que ainda que um de nós parta, parta seguro de que ficará a saudade, as lembranças positivas e que nenhum peso abale a estrutura de uma consciência costurada pelo amor.
Vamos nos amar para demostrar segurança, não porque é desejo dos outros, mas porque o comando interno assim está programado.
Vamos nos amar para dar de beber quem tem sede, para criar uma barreira intransponível e ouvir os gritos do silêncio!
Bianca Agnelli: ‘A voz de Hind Rajab: O cinema como testemunho’
La voce di Hind Rajab: Il cinema come testimonianza
Card do texto ‘A Voz de Hind Rajab: O Cinema como Testemunho’
Não sei vocês, mas eu adoro ir ao cinema completamente despreparada.
Zero trailers, zero críticas, zero “você precisa ver, é maravilhoso”.
Quero que o filme me surpreenda, me sacuda, me faça duvidar das minhas próprias emoções. Quero aquele instante em que você se senta, as luzes se apagam, e pensa: “Ok, me leve pra onde quiser.”
Às vezes encontro diretores cinematograficos desconhecidos, rostos que nunca vi, nomes que eu facilmente confundiria com senhas de Wi-Fi, e ainda assim – lá está – aquele pequeno arrepio de curiosidade.
Porque conhecer algo novo, pra mim, é como descobrir um cômodo secreto dentro de uma casa que você acreditava conhecer de cor.
Claro, reencontrar é bonito. Mas se perder… se perder em um filme completamente estranho é algo muito maior. É um ato de confiança.
E o cinema, assim como a vida, é um ato de confiança cheio de contradições: alegria, dor, caos e aquele fio finíssimo que os mantém unidos.
Foi com essa consciência que, no dia 28 de setembro, fui ao cinema. Poucas horas antes de entrar na sala, eu já tinha chorado.
Porque o que eu estava prestes a ver era um filme que eu não conhecia, mas que não podia ignorar – e do qual sabia, em linhas gerais, a história.
Porque Hind Rajab nunca foi apenas uma personagem: ela era uma pessoa, uma menina de cinco anos, nascida no lugar e no momento errados deste planeta.
Há algo de desarmante em pensar que o destino é um fato geográfico.
Alguns nascem em bairros com mais cafeterias do que hospitais; outros, em lugares onde tanques atiram nos vidros dos carros.
E nós, sentados em nossas confortáveis poltronas vermelhas, tentamos entender como tudo isso pode existir no mesmo mundo.
A voz de Hind Rajab (The Voice of Hind Rajab) é dirigido por Kaouther Ben Hania [https://m.imdb.com/it/name/nm4141599/], a cineasta tunisiana já indicada ao Oscar por “O Homem que Vendeu sua Pele”.
Sua direção é delicada e cirúrgica ao mesmo tempo – como se ela soubesse que narrar a realidade é um ato de equilíbrio entre dor e dignidade.
O filme refaz as últimas horas de Hind, uma menina palestina presa em um carro depois que sua família foi atingida durante os bombardeios em Gaza, em 29 de janeiro de 2024.
Os operadores do Crescente Vermelho Palestino conseguiram entrar em contato com ela: a ligação durou horas.
Ouvimos Hind falar, chorar, pedir ajuda, rezar.
Ben Hania decidiu não recriar essa voz, mas usar o áudio autêntico da gravação da chamada.
Os atores – entre eles Saja Kilani, Clara Khoury, Motaz Malhees e Amer Hlehel – não tinham ouvido o áudio completo antes das filmagens: escutavam em fones de ouvido, durante as cenas, deixando que o real se infiltrasse em suas expressões.
É uma escolha que transforma a recitação em algo quase mediúnico: eles não estão interpretando, estão escutando.
E nós, por reflexo, escutamos com eles.
Não vemos a morte, mas a sentimos respirar entre as pausas.
Na Mostra de Cinema de Veneza, a exibição foi seguida por vinte e quatro minutos de aplausos.
Vinte e quatro. Minutos.
É uma eternidade, mesmo para Veneza.
Mas ninguém conseguia se levantar: parecia que todos precisavam permanecer ali, imóveis, compartilhando o mesmo nó na garganta.
Como se aplaudir fosse a única maneira de dizer: não estamos surdos, Hind, nós te ouvimos.
O filme conquistou o Grande Prêmio do Júri e já está indicado como Melhor Filme Internacional no Oscar 2026.
Por trás da produção estão nomes como Brad Pitt, Rooney Mara, Alfonso Cuarón, Joaquin Phoenix e Jonathan Glazer – nomes que, de certo modo, decidiram emprestar sua voz àqueles que já não têm uma.
Hind Rajab está morta.
Em Gaza, hoje, centenas demilharesde crianças estão sofrendo, morrendo, enquanto o mundo desvia o olhar.
A voz delas grita dentro das nossas consciências, e o silêncio já não é aceitável.
O cinema nos mostrou uma realidade cruel – e ignorar esse sofrimento é cumplicidade.
Se permanecermos parados, se escolhermos não ouvir, somos parte da tragédia.
E todos os dias, a cada escolha, o mundo nos lembra: a humanidade não é um luxo: é uma responsabilidade.
Bianca Agnelli
La voce di Hind Rajab: Il cinema come testimonianza
Non so voi, ma io adoro andare al cinema completamente impreparata.
Zero trailer, zero recensioni, zero “devi assolutamente vederlo, è stupendo”.
Voglio che il film mi sorprenda, mi scuota, mi faccia dubitare delle mie stesse emozioni. Voglio quel momento in cui ti siedi, le luci si spengono, e pensi: “Ok, portami dove vuoi.”
A volte incontro registi sconosciuti, volti mai visti, nomi che potrei facilmente scambiare per password Wi-Fi, eppure – eccolo lì – quel piccolo brivido di curiosità.
Perché conoscere qualcosa di nuovo, per me, è come scoprire una stanza segreta dentro una casa che credevi di conoscere a memoria.
Certo, ritrovarsi è bello. Ma perdersi… perdersi in una pellicola completamente estranea è qualcosa di più grande. È un atto di fiducia.
E il cinema, come la vita, è un atto di fiducia pieno di contraddizioni: gioia, dolore, caos, e quel filo sottilissimo che li tiene insieme.
È con questa consapevolezza che il 28 settembre mi sono recata al cinema. Qualche ora prima di entrare in sala, avevo già pianto. Perché quello che sono andata a vedere era un film che non conoscevo, ma che non potevo ignorare, e di cui a grandi linee sapevo la trama.
Perché Hind Rajab non è mai stata solo un personaggio: era una persona, una bambina di cinque anni, nata nel momento sbagliato, nel luogo sbagliato del pianeta Terra.
C’è qualcosa di disarmante nel pensare a quanto il destino sia un fatto geografico.
Alcuni nascono in un quartiere con più caffetterie che ospedali, altri in un posto dove i carri armati sparano ai finestrini.
E noi, seduti sulle nostre comode poltrone rosse, proviamo a capire come tutto questo possa esistere nello stesso mondo.
La voce di Hind Rajab (The Voice of Hind Rajab) è diretto da Kaouther Ben Hania, la regista tunisina già candidata all’Oscar per L’uomo che vendette la sua pelle.
La sua mano è delicata e chirurgica allo stesso tempo – come se sapesse che raccontare la realtà è un atto di equilibrio tra dolore e dignità.
Il film ripercorre le ultime ore di Hind, una bambina palestinese intrappolata in un’auto dopo che la sua famiglia è stata colpita durante i bombardamenti a Gaza, il 29 gennaio 2024.
Gli operatori della Mezzaluna Rossa Palestinese riescono a mettersi in contatto con lei: la chiamata dura ore.
Sentiamo Hind parlare, piangere, chiedere aiuto, pregare.
Ben Hania ha deciso di non ricreare quella voce, ma di usare l’audio autentico della registrazione della telefonata.
Gli attori – tra cui Saja Kilani, Clara Khoury, Motaz Malhees e Amer Hlehel – non avevano ascoltato l’audio completo prima delle riprese: lo sentivano in cuffia, durante le scene, lasciando che il reale si infiltrasse nelle loro espressioni.
È una scelta che trasforma la recitazione in qualcosa di quasi medianico: non stanno interpretando, stanno ascoltando.
E noi, di riflesso, ascoltiamo con loro.
Non vediamo la morte, ma la sentiamo respirare tra le pause.
Alla Mostra del Cinema di Venezia, la proiezione è stata seguita da ventiquattro minuti di applausi.
Ventiquattro. Minuti.
È un’eternità, anche per Venezia.
Ma nessuno riusciva ad alzarsi: sembrava che avessero tutti bisogno di restare lì, fermi, a condividere lo stesso nodo alla gola.
Come se applaudire fosse l’unico modo per dire non siamo sordi, Hind, ti abbiamo sentita.
Il film ha conquistato il Gran Premio della Giuria, ed è già candidato come miglior film internazionaleagli Oscar 2026.
Dietro la produzione ci sono nomi come Brad Pitt, Rooney Mara, Alfonso Cuarón, Joaquin Phoenix e Jonathan Glazer – nomi che, in un certo senso, hanno deciso di prestare la loro voce a chi non ne ha più una.
Hind Rajab è morta.
A Gaza, oggi, centinaia di migliaia di bambini stanno soffrendo, morendo, mentre il mondo guarda altrove.
La loro voce urla dentro le nostre coscienze, e il silenzio non è più accettabile. Il cinema ci ha mostrato una realtà crudele e ignorare questa sofferenza è complicità.
Se restiamo fermi, se scegliamo di non sentire, siamo parte della tragedia.
E ogni giorno, ogni scelta, ci ricorda che l’umanità non è un lusso: è una responsabilità.
Todo e qualquer executivo, já no exercício das suas funções, uma vez mais, com responsabilidades acrescidas para quem preside, na circunstância, o Presidente da Câmara Municipal deve, logo nas primeiras decisões, começar a honrar os compromissos que assumiu, quando tentava, durante a campanha eleitoral, influenciar as pessoas a votarem no seu programa, e na sua equipa.
Trata-se da mais elementar atitude de gratidão, que passará a determinar a maior ou menor credibilidade desse mesmo executivo. Se para os crentes, as promessas são para se cumprir, mesmo estando enfermos, para os políticos devem ter idêntico significado e postular atitude equivalente. Portanto, como outro ponto importante para se poder exercer um mandato justo, necessário se torna honrar os compromissos antes assumidos.
Ninguém duvida que, atualmente, um Presidente de Câmara Municipal tem imensos poderes, alguns recursos financeiros, técnicos e humanos, ao seu inteiro dispor, bem como um apoio institucional, previsivelmente, garantido. Ninguém desconhece que um Presidente de Câmara, com os poderes que detém pode ajudar, querendo: muitas pessoas carenciadas; pode orientar para os Serviços competentes muitas situações difíceis. Todas as pessoas esperarão que um Presidente de Câmara, exerça como que uma “magistratura de influência solidária,” junto das autoridades públicas e privadas, em favor dos mais necessitados.
Uma outra competência que se deseja no executivo municipal, cujos exemplos maiores e mais frequentes devem partir do Presidente da Câmara, prende-se com a gestão das pessoas que dele dependem ou que, por qualquer motivo, público, e/ou particular, com quem ele tem de se relacionar.
Outro tanto no que se refere aos próprios funcionários municipais, em relação aos quais: o Presidente deve mostrar-se totalmente isento, no que se refere à vida privada, das suas opões políticas, filosóficas e religiosas, exercendo uma administração correta e justa das capacidades de cada um; premiando aqueles que mais se destacam na credibilização das instituições ou órgãos municipais, pela competência, pelo estudo, pela lealdade, pela assiduidade e pontualidade. Neste contexto, regista-se com agrado, que de facto as boas-práticas se vêm impondo, com benefícios para todos os visados.
De entre a imensidão de competências legais, de iniciativas, de intervenções e de relacionamentos, que o executivo municipal dispõe, e utiliza no exercício das suas funções, naturalmente que o Presidente é sempre o responsável, por tudo quanto de bom, ou de menos bom, acontece no seu município. Na verdade, quando alguma infração é cometida por um funcionário, deverá instaurar-se o respetivo inquérito, do qual se retirarão as consequências polícias para o Presidente e as sanções disciplinares para o funcionário infrator, se a elas houver lugar.
Parte do êxito do executivo municipal, e do seu líder, decorre, também, da importância, respeito e dignidade que o Presidente da Câmara, e seus vereadores, manifestam aos membros das Juntas e Assembleias de Freguesia, bem como aos restantes órgãos da administração dos usos, costumes e tradições da freguesia.
A cooperação com as Juntas de Freguesia, considerar-se-á a “pedra filosofal”, que funcionará em benefício da comunidade e, nesse sentido, o Presidente da Câmara deve assumir os compromissos necessários, para a realização dos melhoramentos possíveis em cada freguesia, seja através de protocolos de delegação de competências, seja assumindo diretamente a efetivação de determinadas intervenções, todavia, sempre com a garantia absoluta de que tais compromissos e protocolos devem ser rigorosa e totalmente, cumpridos.
Sendo assim, a fórmula eficaz para o completo sucesso do Poder Local Democrático, assenta na parceria que, sem complexos, nem hierarquias, deve ser estabelecida entre a Câmara Municipal e as respetivas Juntas de Freguesia do Concelho.
Uma pareceria que pode produzir: bons resultados para as populações, na resolução de parte dos seus problemas, na satisfação das suas legítimas aspirações e desejos, na harmonia que sempre resulta de uma pareceria de lealdade, de amizade, que luta por objetivos comuns e, também pelo prestígio dos próprios dirigentes, na circunstância, parceiros do Poder Local.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente HONORÁRIO do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Elaine dos SantosO som da chuva despertando medo e apreensão Microsoft Bing. Imagem criada pelo Designr
Eu não sei exatamente o dia em que o pesadelo começou, isto é, quando as chuvas iniciaram no Rio Grande do Sul neste outono de 2024.
Apesar disso, fixei uma noite: 30 de abril. Resido na região central do estado, que sofreu graves problemas, pessoas mortas, desabrigadas, desalojadas; pontes obstruídas; rebanhos mortos; deslizamentos de terras. Naquela noite de 30 de abril, choveu muito, o som da chuva parece repetir-se na memória, porque era contínuo.
Dias depois, conversando com amigos, muitos deles referiram que foi uma noite insone. De fato, eu denominei a noite do sem: sem energia elétrica, sem telefone, sem internet (o alarme da casa desligou): a escuridão e o som da chuva.
Pela manhã, no feriado do Dia do Trabalho, seguíamos sem energia elétrica, sem telefone, sem internet, mas se associaram três novos dramas: sem água, a cidade ilhada (as cabeceiras de duas pontes ruíram e, em outra rodovia, o rio obstruía a passagem) e os desabrigados.
Saí cedo, precisava de internet, tinha trabalhos de revisão de texto para entregar. Consegui conexão em um posto de combustível. Quando postei em uma rede social que estávamos ilhados e sem conexão (telefone ou internet), eu fui ‘metralhada’ por uma pergunta que se repetia: “Como estão lá em casa?” Tive que fazer uma nova postagem: “Eu não sei como estão os parentes de ninguém” e repeti a cantilena ‘do sem’.
Por solidariedade, procurei algumas pessoas, principalmente, idosos e doentes. Chegava em frente às casas, buzinava, questionava se estavam bem, se precisavam de alguma coisa e seguia. Eu estava encharcada. Algumas pessoas não estavam mais em casa, haviam sido removidas durante a noite anterior, a noite da chuvarada.
Comprei água potável – que, em breve, faltaria na cidade. Comprei algo que pudesse servir como almoço e recolhi-me.
No dia seguinte, passei a ‘frequentar’ o ginásio municipal de esportes, local em que estavam os desabrigados. Leva roupas. O que está faltando? Volta em casa, procura nos armários. Volta. Ouve histórias. O maior tesouro que dedicamos para alguém é o nosso tempo.
Nuvens, trovoadas, apreensão… e chuva. Por vezes, eu penso que um dos grandes prazeres que, desde criança, sempre ouvimos dizer, era dormir com o som da chuva, de preferência, caindo sobre um recipiente, uma lata, por exemplo. Hoje, um dia, sem chuva, é um grande alívio.
Além das cidades afetadas na Grande Porto Alegre, eu conheço Cruzeiro do Sul, Arroio do Meio, Putinga, Lajeado, Estrela, Muçum (não cheguei a conhecer Roca Salles, devastada por três enchentes), ou seja, boa parte do Vale do Taquari. Fico imaginando como se sentem aquelas pessoas que perderam casa, carro, animais de estimação, familiares, plantações ou, como referiu um jovem de Arroio do Meio: livros, discos de vinil, CDs, instrumentos musicais, histórias de uma vida.
Precisaremos, quem sabe, um dia, ressignificar o som da chuva, essa, hoje, horrorosa sensação de umidade. Por enquanto, ele traz medo, insegurança, apreensão. Muito mais do que casas, prédios, móveis, eletrodomésticos, temos gente para reerguer.
Elaine dos SantosO mundo adoecido, pela falta de empatia Microsoft Bing. Imagem criada pelo Designer
A pandemia de covid-19, como toda a grande catástrofe registrada ao longo dos séculos, foi um divisor de águas para muitas pessoas. Algumas aprenderam, cultivaram, tentaram manifestar sentimentos como solidariedade, empatia, respeito. Outras, não.
Quando tudo começou, a minha hematologista disse: “desaparece, esta doença é um altíssimo risco para ti”. Restringi as minhas saídas e aprendi a viver e a conviver comigo, três cães e uma gata. Gostei! Aliás, gostei muito…
Como professora de Literatura, ao estudar as principais correntes de crítica literária, fazemos leituras na área da Filosofia, da História, da Psicanálise… alguns desses fundamentos ajudaram-me bastante. Além disso, sou revisora de dissertações e teses, frequentemente, me encontro com textos que trazem os grandes pensadores da História, da Filosofia como referência. Que delícia! Quanto conhecimento adquirido.
Sou um ponto fora da curva na cidade em que resido.
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Tenho uma amiga de infância que, como eu, é professora de Literatura e diz preferir os textos do Romantismo: ‘A Moreninha‘, ‘Senhora‘ e afins, que trazem o clássico final: “E foram felizes para sempre”. Questionei-a e ela respondeu que as pessoas devem conhecer as coisas boas do mundo. Perspectiva interessante, mas divergi.
Moro em um município interiorano com grande extensão territorial, mas carente de emprego, de assistência social – e, como todo o Brasil, com saúde, educação e segurança em frangalhos. Temos vilas pobres e conflagradas. Temos alto índice de criminalidade, evasão escolar, muitos idosos que são arrimo de família (basta consultar o último censo do IBGE).
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Quando se verificou a pandemia, os ânimos acirraram-se, porque a maioria não era adepta do isolamento social. Ainda assim, as mortes comoveram muita gente. Ainda assim, as mortes não sensibilizaram muita gente.
Quando se verifica um grave acidente, quando alguém padece meses ou anos a fio, boa parte da cidade solidariza-se com a família.
Mas: não custa lembrar, somos uma cidade muito pequena, em que as vidas se cruzam e as opiniões divergentes afetam todos.
Qual a razão dessa reflexão? As redes (anti) sociais demonstram um descompasso entre o (falso) rico e o pobre; entre o sujeito que se crê europeu e o sujeito cujas raízes estão na mãe África. Estamos no Brasil e não deve ser diferente em outros locais.
Sabe o que tem me impressionado mais e mais? O descaso com a dor do outro e a capacidade (incapacidade, na certa) de perceber os medos, as dúvidas, os sofrimentos que afetam todas as vidas. A tal empatia ou, quiçá, solidariedade.
Já me disseram que eu deveria esquecer acontecimentos passados na minha própria vida, como se a dor não fosse minha. Já me disseram que eu não deveria ter dito isso ou aquilo para A ou para B, mas não me perguntaram o que A ou B disse que me levou a responder.
E, hoje, para o meu desalento, uma mãe contava que é criticada porque posta fotos de sua filha recém-falecida, porque manifesta a dor do luto, que é a ausência mais presente em nossas vidas: a morte de quem amamos.
Adoecemos e não foi só covid-19 ou, como me disse um padre, meu amigo, a pandemia mostrará com que tipo de pessoas vivemos. Mostrou! Quando alguém é insensível com os sofrimentos do outro, esse mesmo alguém precisa de ajuda, ele é doente. Tristes tempos!
Tânia Orsi“Somos agraciados no Natal com a sensação de que pertencemos todos à mesma origem: o pó das estrelasque se espalha pelo infinito” Microsoft Bing – Imagens criadas pelo designer
O Natal existe porque o capitalismo precisa criar suas formas de prosperar e ele só prospera se estabelecer divisões entre pessoas, mundos em contradição, dor, bens de consumo e sofrimento.
Não vamos agora questionar os métodos do capitalismo, mas aproveitar o que o Natal pode nos ensinar: a possibilidade de descobrirmos e reafirmarmos em nós mesmos o amor que temos guardado em nossos corações, mas que, cansado da lida diária, por vezes, adormece sem alimento, faminto em viver pela sua própria graça e espírito.
Acordamos no Natal para nos solidarizarmos com a dor de existir de alguns, apenas com o ínfimo, sem a possibilidade de sonhar dias futuros. Somos agraciados no Natal com a sensação de que pertencemos todos à mesma origem: o pó das estrelas que se espalha pelo infinito. Somos todos estrelas cadentes caídas em lugares e oportunidades diferentes, mas todos filhos do universo.
Que o Natal permita, com sua dádiva de amor e solidariedade, nos fazer sermos seres humanos que celebram o Natal a cada bom dia, boa tarde, boa noite, todos os nossos dias! Porque em algum momento nos reuniremos novamente em seres orbitais maravilhosos, gravitando pela casa de Deus.
Tânia Orsi
Tânia Maria Orsi, natural de Itapetininga (SP), é psicoterapeuta, atuando como psicóloga há 39 anos na área de atendimento na Clínica Expressão. Na área cultural é escritora, poeta e colunista do Internet Jornal. Autora dos livros de poesia: Mãe do Corpo e um Quilo de Sal. É cofundadora do grupo Coesão Poética de Sorocaba e participa com produções próprias em saraus.