O mundo não é concebido como uma coleção de objetos

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

‘O mundo não é concebido como uma coleção de objetos’

Diamantino Bártolo
Diamantino Bártolo
Imagem criada por IA no Bint - 13 de março de 2025, às 15:05 PM
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às 15:05 PM

Todo o esforço intelectual e todo o movimento da sua ação se desprenderam do racional e só do racional. A unidade e a diversidade são impostas pela razão. A ordenação, a harmonia espiritual, o valor da razão a tudo fere. Tudo passa pelo seu crivo metodológico. Tudo é ferido, aferido e conferido pela razão, entre o máximo do juízo e a harmonia autossuficiente, que recusam aceitar que o imediato da experiência seja a expressão da realidade autêntica.

Sérgio argumenta: «… Para mim, o essencial no conceito não é a imagem, é a relação; o conceito para mim não precede do acto do juízo, mas resulta, pelo contrário, da actividade judicatória do nosso juízo; é esta actividade judicatória (e não a imagem ou representação) o que está no ponto de partida do operar efectivo do saber científico”. (Ensaios, III:353). 

Sérgio é um racionalista, porque sustenta a irredutibilidade da razão à perceção sensível, arquitetar a vida mental. A razão tem os olhos postos em si, não está de olhos fitos na imediaticidade dos dados sensíveis. É racionalista porque afirma a existência no nosso espírito de uma atividade ordenadora, superior à perceção sensível. Daí que o seu racionalismo seja muito afim do idealismo metafísico ou gnosiológico.

António Sérgio reputa-se a si como um idealista neo-kantiano. O ataque ao racionalismo foi desencadeado pelos filósofos cientificistas e humanistas. A sua luta cifrava-se num ponto comum: o racionalismo clássico é abstrato e incapaz de atender ao conceito. Negam-se a admitir que o espírito humano seja uma atividade espontânea, e que o homem se faz a si, num ato de liberdade absoluta. Durante toda a sua vida reflexiva, Sérgio lutou por caracterizar o seu pensamento filosófico como uma razão que se concretiza, que se inunda ao particular, que se acarinha pelo real. 

O seu racionalismo não era abstrato nem padecia de qualquer incapacidade para se abalançar ao concreto. «A inteligência, como eu a concebo, não minora a tal realidade; inteleccionar, ao que me tem parecido, é perceber o real, o concreto, o particular…» (Ensaios, VII:205). Sérgio mergulha o seu espírito constantemente na lida do real. O seu racionalismo nada tem a ver com o racionalismo dos velhos tempos.

Mas cuidado! Qual o sentido do real, da existência, em Sérgio? A experiência e o objeto são identificados com a intuição fenoménica. Os objetos não passam de puros fenómenos. «A experiência é um produto da razão, não algo que a defronte, independente dela. Opor a experiência à razão é como opor a obra de arte ao artista que a criou.» (Ensaios, VII:189). «Não há objecto situado fora, para além do intelecto; o objecto em si e a experiência, em frente da inteligência, são meros fantasmas.» (Ensaios, VII:187).

 Sérgio não duvida da existência do que se designa por “um mundo exterior”, isto é, de algo independente da nossa “psique”, de uma realidade física, de uma “fisis”. Não é, todavia, um empirista. Antes, rejeita qualquer tipo de empirismo, como tendência filosófica que reduz a totalidade do conhecimento à experiência. A inteligência tem um papel constitutivo, criador, não só ao nível da experiência, mas também ao nível científico. 

O mundo não é concebido como uma coleção de coisas. É antes uma atividade cuja função é suscitar na: «“psique” o nascimento “dos algos a que chamei sentires (dados-dos-sentidos, sensações, intuições) os quais são sinais da Actividade-do-Mundo, mas não imprimissões do dito mundo em nós, que tenham semelhança com a Actividade-do-Mundo.» (Notas de Esclarecimento, Portucale, 1950:204). 

Segundo Sérgio: «Tudo desponta no viver da psique, pelo espontâneo actual da nossa energia psíquica, e não por estampagem do “chamado mundo externo”. Nada na mente é reflexo de algo. A experiência não é o sinal sensível, não é a ideia, não é o sentir, nem tão pouco a forma: é a indestronável ligação do sentir e da ideia sempre estruturada por interpretações do intelecto.» (in: SÉRGIO, 1950:199). 

A missão da experiência é a justificação das hipóteses colocadas pelo pensamento, que na sua marcha progressiva e regressiva, busca a verdade: acordo recíproco entre a tese (o facto que nos interessa) e a hipótese colocada pelo pensamento. Sérgio deve ser considerado um experimentacionista e não um empirista.

BIBLIOGRAFIA

CHAVES, C. B, V.V., António Sérgio, Obra completaEnsaios – Tomo I, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1976;

SÉRGIO, António, (1974). Obras Completas: Ensaios, 1ª edição, Tomo VII, Lisboa: Sá da Costa.

SÉRGIO, António, (1976). Obras Completas: Ensaios, 2ª edição, Tomo I, Lisboa: Sá da Costa.

SÉRGIO, António, (1984). Educação Cívica. Lisboa: ICLP/ME

SÉRGIO, António, (1950), Notas de Esclarecimento, Portucale, Porto, nºs 28-30, julho-dezembro

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente Honorário do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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