Cicatrizes da guerra

Irene da Rocha: Poema ‘Cicatrizes da guerra’

Irene da Rocha
Irene da rocha
Imagem criada por IA da Meta
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Nas manhãs em que o Sol nascia a brilhar,
Hoje resta só pó e pranto a ocultar;
O vento chora uma fria melodia,
Cantando o fim de uma era de poesia.

As flores tornaram-se em tom de cinza,
Os risos, ecos de uma lembrança que finda;
O homem, na própria ruína erguida,
Fez do mundo um teatro de partida.

Mães perderam os doces abraços,
Crianças, o amanhã e todos os laços;
E o céu, coberto de frios estilhaços,
Ignora os dias claros e os antigos mares de rosas.

Que glória brota da devastação,
Se o preço pago é sangue e nação?
Nenhum hino cura a perdição
Da paz que o medo levou do coração.

Mas entre ruínas renasce a vida,
Semente lançada em terra ferida;
Pois, mesmo após a dor consumida,
O amor persiste razão retida.

Irene da Rocha

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As bonecas

Nilza Murakawa: Conto ‘As bonecas’

Nilza Murakawa
Nilza Murakawa
Imagem criada por IA do Bing - 17 de fevereiro de 2023
 às 09:03 PM
Imagem criada por IA do Bing – 17 de fevereiro de 2023
às 09:03 PM

Vestidos pretos plissados, cobrindo joelhos ralados, em cabidezinhos ambulantes no pátio, davam um ar de elegância e disciplina à mansão que se erguia imponente na Rua Alfred, 666. 

Nos jardins bem zelados, as árvores e flores se perfilavam como soldados em formação, podadas com precisão quase militar. Rente ao chão, a grama curta e sem falhas não acariciava  pés. O portão, com a dureza do ferro, ainda que antigo, abria-se e fechava-se sem um som  sequer. Um caminho de pedras de dolomitas brancas, nas laterais da calçada lisa, conduzia à  porta principal de entrada. 

No interior, o piso de cerâmica fria compunha figuras geométricas de apenas duas cores. Retratos de benfeitores hierárquicos, cujas expressões austeras eram suavizadas por quadros  de paisagens intercalados, adornavam o alongado corredor térreo. A escada de madeira em  caracol aberto, que alcançava o andar superior, também não emitia um único rangido, e seu  corrimão entalhado não guardava digitais de pequenos dedos. 

Três banheiros de cada lado, entre os dormitórios, não incentivavam vaidades. Frases em  latim, gravadas também nas molduras dos espelhos, que mostravam apenas rostos,  lembravam diariamente os valores e princípios que regiam o lugar: superbia vana est, ordo et  disciplina, timor et reverentia, scientia et obedientia, patientia in silentio. As toalhas bege de  felpa baixa, cuidadosamente dispostas nas prateleiras, eram rapidamente corrigidas a  qualquer sinal de desordem. Dispensadores de sabonetes e shampoos, com gotas racionadas,  não exalavam perfumes. 

As camas enfileiradas, encostadas pelas cabeceiras ao longo das paredes cinzas, cheiravam a  meia infância sob lençóis desamassados, colchas dobradas pela metade e travesseiros  expostos sem contos de fadas. Nas janelas altas, com cortinas densas semiabertas, onde  perninhas nas pontas dos pés não alcançavam, mal atravessava-lhes o sol maternal. 

O ar era limpo, e madres vigilantes e madeira nobre muito polidas. As cadeiras, distanciadas a  dois palmos bem medidos entre elas, preenchiam duas mesas compridas e nuas, mantendo a  convivência ordenada. Em silêncio reverente, as refeições eram servidas pontualmente, respeitando as normas e exigindo mãozinhas limpas. 

Raramente mencionada, uma porta trancada a sete chaves levava ao porão. Ali, nas  profundezas da imponência da mansão, residiam os mais bem guardados segredos, certidões  de nascimento e outros documentos tristes, e objetos proibidos de adoração e de luxúria,  envoltos na proteção das sombras e da mudez conventual. 

O tilintar das chaves na cintura, que anunciava com antecedência alguma presença rígida, o coral de vozes miúdas, que promovia autoestima e disciplina, o tradicional e elegante piano de  cauda e o sino de cobre eram os únicos sons que quebravam o silêncio, sempre em horários  religiosamente determinados. 

Blem! Blem! Blem! Às 6 horas, amanheceu, era hora de acordar. Depois, o sino anunciava as  quatro refeições, o início e fim das atividades diárias, os momentos de descanso e quando era  hora de se recolher. 

Pauline, de nove anos, jogada de um lugar para outro, com pais vivos, abastados e distantes,  destacava-se entre as outras na mansão por seus grandes olhos azuis, cachos alourados angelicais, perspicácia e alegria constante, embora às vezes desconexa, que disfarçava para  não ser aborrecida pelas superioras. Ainda assim, suas pequenas travessuras cotidianas e  outras rebeldias eram sempre uma jornada solitária, pois ninguém ousava acompanhá-la por  temor. Bolhas de shampoo e gritinhos felizes, desenhos esquisitos ou agourentos em espelhos e vidros embaçados, brotos de flores esmiuçados, pertences alheios escondidos,  correspondências rasgadas, copos cuspidos, berros e batidas insistentes naquela porta  proibida, chaves furtadas sem êxito ou entortadas rendiam-lhe constantes punições: privação  de sobremesas e recreação, cem vezes uma frase em latim escrita em letras garrafais, acordar  mais cedo para realizar tarefas extras, joelhos nas pedrinhas, olhos postos no canto da parede,  quarto da vergonha e… porão! Vitória: finalmente adentrava o lugar sombrio que tanto a  atraía. 

Saboreando a atenção, a desordem e o jogo da perturbação e reações, ela fazia carinha inofensiva, dissimulava olhos melosos e inocentes, agarrava-se nas barras dos hábitos pretos, pois percebia que havia um despreparo para lidar com ela, e ganhava perdão. 

Nas suas raras tardes livres primaveris, ela costumava arrancar petúnias vermelhas ou rosinhas  espinhentas cor-de-rosa pendentes e levava-as escondidas até o dormitório. À noitinha,  enquanto o sino murmurava um lamento arrastado e quase morto — blem… blem…—, e todas  as luzes e atividades eram encerradas, Pauline emaranhava as flores nas “bonecas” pálidas que  repousavam, ajeitando-lhes delicadamente as mechas de cabelo solto para não acordá-las. Algumas, no entanto, ela sempre cobria de branco da cabeça aos pés, como castigo na certa. Vez ou outra, tirava seu laço de fita permitido do cabelo e amarrava-o nos pescoços dessas pobres, uma a cada dia, apertando-o com força até que as “bonequinhas”, com espinhas arrepiadas, arregalassem os olhos tristes ainda quentes. Abafava-lhes o grito com as mãos,  uma sobre a outra, a sangue frio e visceral, até que os corpinhos frágeis ficassem roxos,  apagando definitivamente os sorrisos amarelos de desdém que tantas vezes a incomodaram,  enquanto sussurrava: “Dorme, dorme, dorme, anjinho…” 

Nos jornais locais, principalmente durante a primavera, pequenas notas semanais preenchiam  a seção de óbitos infantis por causas naturais. E no Orfanato Springfield, na Rua Alfred, 666, à  espera de novos brinquedos ambulantes, Pauline balançava escondida um bercinho ainda  vazio no porão… DOMINUS SUI — DOMINUS SUI — DOMINUS SUI — DOMINUS SUI — DOMINUS SUI — DOMINUS SUI FORTITUDO SOLITARIA — FORTITUDO SOLITARIA — FORTITUDO SOLITARIA — FORTITUDO SOLITARIA  — FORTITUDO SOLIT…

Nilza Murakawa

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As rosas

Augusto Damas: Poema ‘As rosas’

Augusto Damas
Augusto Damas
Imagem gerada por Ia do Bing – 5 de dezembro de 2024
às 9:46 PM

Rosa por rosas
Flores em jardins
São vidas amorosas…
São encantos
No canto das emoções
Dos que a cantam
Em prosas e versos
Dos que amam os
espinhos que as protegem
Mulheres virtuosas
Lindas e charmosas
Brisas e vendavais
Num mundo de sonhos e emoções

Em um ponto de rua qualquer
À espera de uma mulher
Estava eu
Noite chuvosa
Angustiada fora a espera
Ela não vem!

Ao amanhecer
Como um beija-flor
Que desperta nos primeiros raios de Sol …
Por fim
Ela apareceu
Como uma rosa de inebriante perfume
Uma proposta me faz
Eu, como o beija-flor,
Não resisti ao seu doce néctar
Adocicado e embriagador

Augusto Damas

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Abraçando cactos

Veronica Moreira: Poema ‘Abraçando cactos’

Verônica Moreira
Verônica Moreira
Criador de Imagens no Bing - Da plataforma DALL·E 3
Criador de Imagens no Bing – Da plataforma DALL·E 3

Tornou-se difícil escrever,
descrever o que se passa aqui dentro de mim.
Mas, se não escrevo,
não me sinto como realmente sou.

Tudo sinto em mim,
embora não consiga explicar.
Apenas sinto, sinto muito,
e não tem nada a ver com lembranças ou saudades.
Não tem a ver com vazios e crenças negativas.
Tem a ver com meus olhos internos,
que veem o que ninguém pode ver.

Ontem, chorei de dor
porque vi a mim mesma antes do naufrágio.
Vi a mim antes da refeição.
Vi a mim antes da ferida.
E vi a mim agora, depois de tudo.

E só agora, depois de tudo o que vi,
percebo quanto tempo perdi
com tudo o que abracei,
pensando que eram flores.

Dói… dói demais perceber
que, o tempo todo,
eu abraçava cactos. E sangrei…
Não até a morte,
mas até reviver outra vez.

Verônica Moreira

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Estação das flores

José Antonio Torres: Poema ‘Estação das flores’

José Antonio Torres
José Antonio Torres
Imagem gerada pela IA do Bing - 5 de setembro de 2024 às 11:14 AM
Imagem gerada pela IA do Bing – 5 de setembro de 2024 às 11:14 AM

Chegou a primavera!
Com ela vêm as flores trazendo beleza à vida,
Germinando promessas, expectativas e sonhos.
O ar se torna mais puro, impregnado dos mais variados aromas e alegria incontida.
Os jardins ganham vida e beleza, exaltando as dádivas da Natureza.
Os corações em festa se procuram na expectativa do amor;
Os pássaros emitem seus cantos com alegria e em louvor.
A estação das flores, da sutileza das cores, traz à vida o encanto e a concretização dos amores.
Nessa atmosfera mágica, tu és o meu encanto.
Exalas o perfume da mais delicada flor.
Com a alma extasiada, não reprimo o pranto.
Envolto por essa aura idílica, não contenho o ardor.
Te sinto ainda mais minha e me entrego a ti por inteiro.
A ternura afaga os corações, e o amor, em uma simbiose perfeita, nos unifica sorrateiro.
A paz habita em nós, trazendo ânimo e esperança de reencontrar, no coração e na vida, a felicidade e a pureza da criança.
Que a raça humana possa plantar em seu espírito, as flores dos sentimentos mais nobres;
Que o inverno da maldade, da ingratidão e do ódio, seja banido dos corações, afastando os sentimentos pobres;
Que o sorriso exale bondade e do abraço emane a energia do mais doce amor;
Que este planeta se transforme em uma eterna Primavera de harmonia e paz, nos trazendo luz e extinguindo a dor.

José Antonio Torres

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Florescer

Dorilda Almeida: Poema ‘Florescer’

Dorilda Almeida
Dorilda Almeida
Florescendo as sementes do amor
Imagem gerada com IA do Bing ∙ 5 de setembro de 2024 às 8:39 AM

Tudo que planta
Floresce
Se planta flores
Floresce
Rosas, dálias e margaridas
Para florir a nossa vida.

Tudo o que planta
Floresce
Se planta frutas
Floresce
Mangas, laranjas e melão
Para florescer a nossa alimentação

Tudo que planta
Floresce
Se planta amor
Floresce
Amizade, carinho e alegria
Para florear o nosso dia a dia

Floresça ande estiver plantada!
Deixe florescer as sementes de amor.

Dorilda Almeida

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Soneto para Paulo

Virgínia Assunção: ‘Soneto para Paulo’

Virgínia Assunção
Virgínia Assunção
O médico, acadêmico e querido amigo Paulo Amado Oliveira

Paulo, amado amigo e tão querido,
Neste dia, meu coração declama,
Este poema, pois celebra contigo
Mais um ano da tua bela trama.

Nossa amizade em nós se fez alento,
Fez-se laço forte, doce e verdadeiro,
Nosso afeto é mais que um simples vento,
É semente; flores nas mãos do jardineiro.

Neste teu dia, te desejo alegria, alegria…
Que o amor te envolva em cada instante,
E a felicidade seja sempre tua guia.

Feliz aniversário, amigo constante,
Que a vida te sorria em harmonia,
E a luz do teu ser sempre nos encante.

Virgínia Assunção

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