Elaine dos Santos: “Os nossos, os outros: ‘O vergalho’”
Elaine dos SantosImagem criada por IA do Bing – 04 de julho de 2025, às 10:04 PM
Não ousaria tecer digressões sobre a obra literária produzida por Machado de Assis na exiguidade de um breve ensaio, mas os seus textos são fonte constante de inspiração para refletir sobre o ser humano e a nossa sociedade.
Recentemente, na região central do Rio Grande do Sul, houve um crime (creio que é a palavra mais adequada), em que um agricultor, lenhador, teria investido contra a polícia ambiental e foi morto com três tiros – as imagens foram captadas por câmeras de segurança interna da propriedade, mas nem todas as ações ficam claramente evidenciadas.
A primeira impressão que emergiu (parafraseando Chapolin Colorado: “Quem poderá nos salvar” se a polícia mata? Teria havido uma denúncia feita por vizinhos de desmatamento ilegal, teria sido mera coincidência a presença da polícia ambiental na propriedade. O agricultor teria se agitado, investido contra os dois policiais com um machado.
A segunda questão, que me foi posta pela esposa de um ex-aluno, foi: por que nos choca tanto a morte de um igual se, no Brasil, pessoas são mortas diariamente pelas forças de segurança, quer seja por tiros dirigidos diretamente a elas ou por balas perdidas em tiroteios?
O narrador seguia pela rua e ouviu os impropérios ditos por um homem ao seu escravo. Achegou-se e encontrou o seu ex-escravo Prudêncio, já alforriado, a bater sem medida em um escravo que adquirira. Solicitou que Prudêncio perdoasse o escravo, o que ele fez sem demora, demonstrando resquícios da submissão absolutamente servil.
Brás Cubas seguiu o seu caminho e passou a tecer reflexões sobre a cena que assistira, sobre a (re) duplicação da violência e ponderando que Prudêncio, que fora seu escravo, cobrava com juros a violência que sofrera.
O Brasil é um país forjado na força, na violência. Os portugueses quando aqui chegaram, quando começou o efetivo povoamento, por volta de 1530, principiaram uma verdadeira chacina do povo indígena que não se resignava à escravidão. Por outro lado, inúmeras mulheres indígenas foram sexualmente violentadas, nasceram mestiços sem pai.
Aliás, esse modo de agir acabou encontrando eco exatamente entre os senhores de engenho, que emprenhavam as suas melhores escravas para, com os filhos mestiços delas, aumentarem a mão de obra nas fazendas. Há registros que se pode buscar na própria História oficial, que escravos homens eram escolhidos para engravidar escravas mulheres para que nascessem crianças mais saudáveis para o trabalho.
Mentalmente, revisito a História do Rio Grande do Sul, que foi feita sob o lombo de cavalos, o estado mais meridional do Brasil, um dos últimos a ser ocupado, região em que vivo na atualidade.
Primeiro, vieram bandeirantes que expulsaram jesuítas portugueses. Quando os jesuítas espanhóis estabeleceram os Sete Povos das Missões, era o tempo dos tropeiros paulistas que vinham em busca do gado para produzir charque e das mulas para o transporte nas Minas Gerais. Nesse caso, valiam-se das mulheres indígenas como empregadas, como amantes, abandonando-as quando partiam, muitas delas encontrando-se grávidas.
A violência entre nós, como ao escravo Prudêncio, que pertencera a Brás Cubas, faz parte do imaginário social. Nos últimos anos, parece ter sido banalizada, bem como a morte – mas a morte do outro: do negro, do homossexual, da mulher. Que estranha sociedade formamos que somente a morte ‘do nosso’, do branco, do agricultor, do reconhecido como trabalhador, consegue nos assustar, comover?
Hoje, como nos tempos de doutorado, quando analisamos o romance ‘O matador‘, de Patrícia Melo, eu tenho medo dessa sociedade. Enquanto comentávamos a obra de Patrícia Melo, uma colega disse: “Mas eles (os pobres, os nascidos na periferia) não têm apego à vida!” Outra colega replicou: “Como tu consegues afirmar isso? Eles, os outros, também tiveram uma mãe que os amou, sonhos que se frustraram, desejos não realizados.” Somos, enfim, todos humanos. Por que essa relação sempre tão violenta e tão ‘comum’?
Logo da seção ‘O Leitor Participa’Imagem criada por IA – 7 de outubro de 2024 às 7h14
Não descarto a possibilidade de já ter esbarrado com aquele homem, que, em idade, provavelmente regulava com a do meu falecido pai. Talvez me deixei ser enganado pela maneira austera de se vestir. Seja como for, era mais velho do que eu e um tanto mais moço do que meu avô, que mal cheguei a conhecer.
Pois lá estava o dono de cavanhaque tão distinto, apesar de bastante popular por aqueles tempos. Sóbrio, parecia mordiscar metodicamente cada salgado folhado diante de si. Alguns goles longos na limonada. Não tardava, voltava o olhar vago em busca de possível aconchego.
Tive ímpeto de me fazer notado. Caminhei alguns passos em sua direção, o olhar fixo, mas, assim que o meu alvo se virou, também o fiz, mas em outra direção, como se procurando alguém com quem tivesse marcado um encontro. Pura interpretação de ator medíocre, coisa que sempre fui. Por sorte, alguém ao fundo da Confeitaria Colombo acenou para mim.
A princípio, não reconheci aquele rosto, até que me aproximei. Era tia Maricota, irmã mais moça de meu pai. Ela estava acompanhada da filha, Maria de Lourdes, que, para meu alívio, havia desistido de firmar compromisso justamente comigo. Na verdade, nunca acreditei em amores entre primos, muito antes de saber que os frutos podem não vir saudáveis.
As duas bebiam chá, enquanto dois quindins repousavam docemente sobre a mesa. Quando menino, era meu quitute favorito. No entanto, homem quase feito, buscava sofregamente pelo sal na comida. Se bem que, de vez em quando, pegava um naco de cocada e o levava à boca, talvez como lembrança de tempos de criança.
O garçom se aproximou. Fiz o mesmo pedido do dono do cavanhaque distinto, certamente na ânsia de me aproximar dele. As parentas sorriram, como se percebessem como aquele garoto de outrora havia crescido. Devolvi o sorriso, enquanto tentava cofiar o ralo bigode, que teimava cultivar, apesar da quase total falta de pelos.
— Que coincidência, Julinho.
— Não entendi, tia.
— A limonada e o folhado.
— Não gosta?
— Você bem sabe que sou mais afeita a doces.
— Já sou crescido para doces.
— Percebe-se, Julinho.
— Mas a senhora estava falando sobre coincidências. Que coincidências?
— Reparou que você fez o mesmo pedido do Joaquim Maria?
— O escritor?
— Sim. Ele está sentado logo ali. Você passou por ele. Não percebeu, Julinho?
Olhei para trás e fingi espanto. Na certa, tia Maricota e Maria de Lourdes não desconfiaram da minha pequena mentira ou, por sorte, guardaram segredo para evitar pendengas desnecessárias.
— Onde estava com a cabeça, que nem notei tamanha presença?
Minha prima riu e o pequeno ruído chamou a atenção do mais distinto cliente da confeitaria. Trocamos olhares e, num ímpeto de mocidade, ergui a taça de limonada. Ele fez o mesmo, o que me encheu de regozijo.
Não tardou, meu companheiro de limonada saiu do recinto. Tive vontade de ir até ele para cumprimentá-lo, mas minhas pernas bambas não me permitiram. Entretanto, assim que o garçom recolheu a taça do Joaquim Maria, chamei-o. Tomei-lhe a taça das mãos e coloquei uma nota graúda no bolso da camisa. E, antes que alguém percebesse, apesar dos olhos espantados das minhas parentas, que a tudo viram, a escondi no bolso interno do meu paletó.
Pois bem, eis que estou aqui sentado na sala da minha casa, cercado de netos barulhentos. Em frente, na ampla estante de mogno, lá está aquela taça, que me custou o dinheiro que não possuía na época, mas que, ainda hoje, me é tão cara.
Sobre o autor
Eduardo Martínez
Eduardo Martínez é um premiado escritor carioca, que há quase três anos mora em Porto Alegre, cidade pela qual é apaixonado.
Seu primeiro livro, o romance “Despido de ilusões”, 2004, figurou entre os mais lidos do CCBB. “57 Contos e crônicas por um autor muito velho” é seu mais recente livro.
Verdade, reapresentação da realidade, ponto de vista?
Elaine dos Santos:
‘Verdade, reapresentação da realidade, ponto de vista?
Elaine dos Santoshttps://pixabay.com/vectors/girl-anime-blue-hair-pieces-mind-8880111/
Talvez, uma das tarefas mais difíceis de um professor de Literatura, tanto no ensino médio quanto no curso de graduação em Letras, seja ensinar o conceito de mimesis, conforme definida por Aristóteles, em sua ‘Poética’.
Em palavras bem corriqueiras, mimese é uma reapresentação da realidade que o artista faz. Vá lá, grosseiramente, uma cópia – ou, ainda, uma tentativa de cópia daquilo que ele viu (ressalve-se que eu adverti: é uma definição grosseira).
Eu costumava colocar uma cadeira em cima de uma classe e perguntava o que os meus alunos viam. A resposta era uma só: cadeira. Eu dizia que não. O revide era imediato: “Que é professora, ‘tá’ querendo inventar a roda?”
Principiava, então, a explicação: fomos ensinados a ver aquele objeto como cadeira, em sua totalidade, mas o que vemos são partes daquele objeto, raros alunos enxergavam, por exemplo, o assento.
Eis o papel do artista: desvelar aquilo que as demais pessoas não enxergam, não percebem. Ele reapresenta a realidade, sob uma nova ótica. Pode ser que muitos mortais, como nós, não entendamos as obras de Anita Malfatti ou de Picasso, mas a realidade está reapresentada ali.
Falta, para a maioria da população, é conhecimento para entender, ler, analisar obras artísticas de um modo geral. Experimente ‘ler’ os quadros de Van Gogh e desfrute a beleza daquelas obras. Por que nos deliciamos tanto com as obras de Machado de Assis?
Este escrito surgiu de uma conversa banal: “A senhora não sabe a verdade sobre os fatos!” E a senhora, no caso a professora de Literatura, questionou-se: “Qual verdade? O teu ponto de vista sobre a cadeira? E se a verdade estava justamente sobre o assento, nenhum de nós conseguiu alcançá-la?
Se a obra literária, em particular, os romances, que são mais difundidos hoje em dia, reapresenta a realidade, convém pensar a realidade sob diversos prismas, pontos de vista e nem sempre aquilo que eu sei corresponde, em sua integralidade, aos fatos decorridos.
Tivemos uma eleição polarizada e eivada por ‘Fake News‘; já, em 2022, uma parte da população estava mais atenta e, ontem, eu li a história de um candidato a prefeito que estaria sendo acusado de algo que não prometeu: a promessa estaria gravada em áudio. O meu sinal de alerta soou: uso de inteligência artificial?
Encerro, pois, misturando alhos com bugalhos (que era o meu propósito desde o início): estamos preparados para ver além da totalidade, esmiuçar a verdade e enxergar o assento da (minha) cadeira usada em sala de aula para meus alunos analisarem, ou ainda cremos que a verdade é una, apenas um grupo a detém, enquanto os outros devem ser silenciados?
115 Anos da morte de Machado de Assis: relembre as obras do escritor
Um dos maiores nomes da literatura nacional também ganhou destaque nas últimas décadas com publicações em inglês, alemão e castelhano
Capa da edição bilíngue de ‘Dom Casmurro’ pela Editora Landmark
É evidente que Machado de Assis é um dos maiores nomes da literatura brasileira, mesmo 115 anos após a sua morte em 1908. Entre suas obras mais conhecidas estão: Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas e contos famosos, como O Alienista.
Neto de pessoas escravizadas que foram alforriadas, Joaquim Maria Machado de Assis foi criado numa família pobre e não teve uma instrução regular, porém, devido ao seu interesse pela literatura, conseguiu se instruir por conta própria.
Em 1860, passou a colaborar para o ‘Diário do Rio de Janeiro’ e é dessa década que datam quase todas suas comédias teatrais e ‘Crisálidas’, um livro de poemas. Em seguida, Machado de Assis teve acesso à literatura portuguesa e inglesa e, na década seguinte, publicou uma série de romances, sendo reconhecido pelo público e crítica.
Até então a produção literária do escritor era marcadamente romântica, mas na década seguinte sofreu uma grande mudança estilística e temática, iniciando o movimento realista no Brasil com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e as obras Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899), este considerado como a sua obra-prima.
Nesse período, a ironia, o pessimismo, o espírito crítico e uma profunda reflexão sobre a sociedade tornam-se as principais características da escrita do autor, que também abrange poemas, contos, traduções e peças teatrais.
No início do século XX, após fundar a Academia Brasileira de Letras e perder a esposa Carolina (com quem se casou em 1869), passou a isolar-se e a sua saúde se deteriorou. Dessa época, datam os seus dois últimos romances: ‘Esaú e Jacó’ e ‘Memorial de Aires’.
Machado de Assis morreu em sua casa no Rio de Janeiro no dia 29 de setembro de 1908 e o seu enterro foi acompanhado por uma multidão. Mesmo após um século, o escritor segue sendo admirado não apenas pelos brasileiros, tendo edições de Memórias Póstumas de Brás Cubas publicadas em alemão, castelhano e inglês.
No Brasil, a Editora Landmark possui livros em capa dura e edições requintadas de Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Além de ser a primeira editora a lançar edições bilíngues (Português-Inglês) das obras Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas e Machado de Assis no país.
Abaixo, relembre algumas obras de um dos maiores escritores do Brasil:
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Publicado pela primeira vez entre março e dezembro de 1881 numa revista brasileira, no formato de folhetim, a história de Brás Cubas revolucionou a literatura brasileira através da subversão dos padrões literários da época. Com a adoção de um número grande de capítulos, muitos deles curtos, e uma linguagem própria que o aproxima das primeiras manifestações modernistas do século seguinte.
O livro tem como marcas um tom cáustico e é o primeiro de um novo estilo dentro da obra de Machado de Assis, apresentando audácia e inovação temática dentro do cenário literário nacional. Além de apresentar uma crítica sobre a sociedade burguesa do Rio de Janeiro do século XIX, Brás Cubas reconta e reconstrói a sua vida, os seus amores e os seus fracassos, ao mesmo tempo em que revela os labirintos da alma humana.
Dom Casmurro
Esse é um dos livros mais conhecidos do autor e foi escrito de modo que admite sentidos diversos – mesmo incompatíveis entre si –, uma vez que o narrador pode ou não estar deturpando os acontecimentos de sua vida. Devido a presença de um narrador que não é confiável, a conclusão final sobre a história de Bentinho e Capitu fica a cargo do leitor. Capitu realmente traiu Bentinho com Escobar ou Bento Santiago estava imaginando coisas?
O livro confirma o olhar crítico que o autor estendia sobre toda a sociedade. Trazendo a temática do ciúme, o livro provoca polêmica em torno do caráter de uma das principais personagens femininas da literatura brasileira. Essa ambiguidade é uma das características marcantes de Machado de Assis, que explora as contradições da mente humana e a subjetividade da realidade.
Quincas Borba
Parte do movimento literário intitulado realismo – que se propõe a analisar as relações humanas de forma mais real –, o livro conta a história de Rubião, um professor de matemática que herda toda a fortuna de seu amigo, o excêntrico filósofo Quincas Borba. Após a morte do amigo, Rubião passa a viver uma realidade completamente diferente, cercado de luxo, e se torna objeto de manipulação por parte de seus “amigos”.
Por meio de personagens e diálogos complexos, o autor questiona a noção de progresso e de sucesso material, levando o leitor a refletir sobre a natureza humana e as consequências de nossas ações. Essa é uma obra que mescla drama, sátira e ironia, características marcantes do estilo literário de Machado de Assis.
Os livros estão disponíveis na Amazon, nas principais livrarias do país e no site oficial da Editora Landmark, clicando aqui.
Sobre a Landmark
A Editora Landmark vem desde sua criação desenvolvendo sua linha editorial com o intuito de trazer ao público-leitor brasileiro o acesso à boa literatura, seja ela nacional ou estrangeira. Deste modo, desenvolvemos linhas editoriais com textos e imagens que se complementam através de projetos elaborados especialmente para oferecer ao leitor cultura, entretenimento e momentos de lazer.
Estas linhas desenvolvidas apresentam-se em ficção brasileira, ficção estrangeira, crítica literária, ensaios sobre História e Filosofia, análise e apresentação de textos originais sobre os principais formadores da Sociedade Brasileira.
Apresenta também novas versões, sempre em edições bilíngues, para grandes textos e obras da Literatura Universal, ampliando com isso a oportunidade do público brasileiro no acesso aos textos originais de grandes autores, muitas vezes esquecidos ou deixados em segundo plano, mas essenciais na formação do espírito crítico. Saiba mais em: editoralandmark.com.br
Machado de Assis é um dos autores mais laureados da Literatura brasileira.
Ele é considerado o grande nome do Realismo no Brasil , tendo escrito romances consagrados como ‘Memórias póstumas de Brás Cubas‘ , a história contada por um defunto-autor ou um autor-defunto, e ‘Dom Casmurro‘ , a emblemática história da traição ou não de Capitu (o que menos importa é se ela traiu, o enigma é a grande chave do romance).
No entanto, eu gosto muito de outro romance, trata-se de ‘Esaú e Jacó‘.
No livro do ‘Gênesis‘ , portanto, na Bíblia sagrada, encontramos a história primeira de Esaú e Jacó, que foram filhos de Isaque e Rebeca, netos de Abraão. Esaú, o primogênito, era um caçador habilidoso, enquanto Jacó mantinha uma vida simples e seguia as ordens do Senhor. Isaque demonstrava amar Esaú; Rebeca parecia amar mais Jacó.
Na verdade, desde a concepção, Rebeca percebera um conflito entre os irmãos:
E as crianças lutaram juntas dentro dela; e ela disse: Se é assim, por que estou assim? E foi consultar o Senhor. E o Senhor disse para ela: Duas nações estão em teu ventre e dois tipos de pessoas serão separadas de tuas entranhas; e um povo será mais forte do que o outro; e o mais velho servirá ao mais jovem (GÊNESIS: 25, 22-23).
Esaú, de toda forma, nasceu primeiro, contudo, certa feita, faminto, propôs trocar a progenitura por um prato de comida junto a seu irmão Jacó.
Segundo os estudiosos da tradição cristã. Esaú mostra um grande desapego com os desígnios divinos e mesmo com as tradições humanas, afinal, o filho primogênito é aquele que herda a liderança da família e a autoridade do pai. Quando Isaque, o pai, já estava velho e cego, Rebeca articula para que ele abençoe Jacó com o direito da primogenitura.
Muitos historiadores destacam a impulsividade, a imprudência e o egoísmo de Esaú, contudo, é preciso também ressaltar que o espírito enganador de Jacó aparece no episódio em que, com a ajuda da mãe, recebe a benção da progenitura do pai.
O que se ressalta, para refletir sobre o romance ‘Esaú e Jacó’, de Machado de Assis, é o caráter da gemelaridade, a convivência relativamente fraterna, mas também os espíritos, os gostos, os desejos que se opõem entre os dois personagens centrais da narrativa.
‘Esaú e Jacó’, o romance de Machado de Assis, foi lançado em 1904 e traz o Conselheiro Aires como narrador e personagem – com isso, para quem lida com Literatura num plano profissional, fica claro que se tem uma visão parcial dos fatos: a visão de uma personagem.
O Conselheiro Aires é um observador privilegiado, pois interage com Natividade, a mãe dos gêmeos Pedro e Paulo, protagonistas do romance e que têm temperamentos opostos em tudo. Assim, há um interessante jogo entre semelhanças (eles são gêmeos) e oposições.
Pedro é monarquista (a Monarquia foi suplantada em 1889) e estuda Medicina no Rio de Janeiro; Paulo é republicano e decidiu-se por estudar Direito em São Paulo. Porém, ambos se apaixonam por Flora, o que acirra a rivalidade entre ambos.
Parece claro que o narrador traz a luta ideológica dominante no período entre monarquistas e republicanos – cá estamos diante da Literatura como representação de uma sociedade e do ideário que se acha presente nela – é bom que se diga que Flora não se decide por nenhum dos irmãos, o que evita a opção por um dos sistemas de governo.
Haveria, ademais, uma metáfora sobre a própria política, que interessaria apenas para alguns, mas que é capaz de gerar inimizades entre irmãos. Natividade, a mãe, consegue que, por um ano, os dois irmãos mantenham uma relação fraterna, porém, a sua morte desencadeia novas brigas, a inimizade retorna.
Não nos olvidemos, contudo, que os anos finais do século XIX e o princípio do século XX, foram marcados pela modernização do país. A capital federal, o Rio de Janeiro, desde 1903, tinha um novo prefeito, Pereira Passos , que foi responsável por sua transformação, no que ficou conhecido como ‘Bota-Abaixo‘ ; vivia-se a Bèlle Èpoque à brasileira , tanto em Manaus, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, especialmente; entre outros aspectos.
Dessa forma, faz-se possível inferir também que Pedro fosse a metáfora do Brasil do século XIX – do Brasil que se deixava para trás. Ele, inclusive, traz o nome dos imperadores, enquanto Paulo representava o Brasil de um novo século, que seria palco de grandes transformações.
Alguns estudiosos identificam um tom melancólico no romance. É certo que Machado de Assis já havia atingido a maturidade literária e que ultrapassara a idade de 60 anos (1904 é também o ano de falecimento de sua esposa, Carolina , mas a obra é rica, “saborosa” e merece ser lida, ainda mais se considerarmos os tempos de polaridade ideológica.
Magna Aspásia Fontenelle: Crítica literária ‘Quincasblog, meus encontros’
Magna Aspásia Fontenelle
Quincasblog é um blog que foi transformado em livro, denominado ‘Quincasblog, meus encontros‘, escrito pelo Embaixador Dr. Lauro Moreira, com 416 páginas, publicado pela editora Art Point em 2019, cujo título faz menção ao escritor brasileiro Machado de Assis.
Capa do livro ‘Quincasblog’
A compilação é constituída por registros de suas vivências e trajetórias profissionais, que foram documentados em seu Blog desde 2012. O conteúdo é caracterizado por uma abordagem narrativa poética, metafórica e histórica.
A literatura, por meio de sua abordagem poética, sem considerar as variações dialetais, sotaques, nacionalidades, constitui-se um elo essencial para a união dos povos através das Letras. Promover o idioma de um país e divulgá-lo, insere-se na formação humana permitindo seu pleno crescimento pessoal, laboral, cultural e social.
O criador trabalha com imagens, sons, dialetos, culturas, valores, religiosidade, políticas e ideologias em um espaço temporal semiótico através de concepções que sempre correspondem a uma verdade singular e acerta quando segue sua intuição genial e a deixa aflorar por meios de seus escritos.
Ao longo de sua história, o escritor se relacionou com figuras importantes da literatura brasileira, como Clarice Lispector e Manuel Bandeira, que foram seus padrinhos de casamento com a poetisa Marly de Oliveira, mãe de suas duas filhas, assim como, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Aurélio Buarque de Holanda, Antônio Houaiss, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, dentre outros.
Dr. Lauro Moreira
[…] Eu tive o privilégio., embora não sendo poeta mas gostando tanto de Poesia, de viver sempre muito próximo dela e de vários de seus cultores e criadores, alguns de altíssima linhagem como Cecília Meireles[…]. (p.57,parágrafo 3º,linha 1-4.)
[…]Conviver com homens é mais terrível do que com deuses. E ninguém conhece epopeia mais dolorosa que a de moldar dia a dia, clara e verdadeira, a fugitiva condição humana.
Na sua emocionada e emocionante Elegia obre a morte de Ghandi repetia as palavras desoladas ouvidas do próprio
Mahatma, ”Les hommes sont des brutes, madame”…] (p.62,parágrafo 2º,linha 1-9.).
‘[…]Les hommes sont des brutes, madame”[…]
O vento leva a tua vida toda, e a melhor parte da minha.
Sem bandeira.
Sem uniformes.
Só alma, no meio de um mundo desmoronado.
Estão prosternadas as mulheres da Índia,
Como trouxas de soluços.
Tua fogueira está ardendo.
O Ganges te levará para longe,
Punhado de cinzas que as águas beijarão intimamente,
Que o sol levantará das águas até as infinitas mãos de Deus.[..]
Nessa nuance, o timoneiro Lauro fundou o grupo musical ‘Solo Brasil‘, promovendo a música brasileira no Brasil e exterior, como explicado em sua narração.
[…] Ao longo das apresentações de mais de cinquenta canções consagradas ,distribuídas em blocos cronológicos contextualizados por breves comentários de um narrador, o espetáculo traça um rico panorama da música popular brasileira, de Chiquinha Gonzaga a nossos dias do chorinho ao samba, do frevo à bossa-nova, além de oferecer uma visão da música típica de várias regiões geográficas do país[…] (p.196, paragrafo 1, línea 6-17).
Lauro faz alusão a Machado de Assis: […] Tive que preparar uma comunicação obre uma obra de meu patrono. Escolhi “Dom Casmurro”. Foi um choque para mim: senti-me diante de algo completamente novo. E apaixonei-me por Machado de Assis. Por seu estilo enxuto, avesso aos arroubos sintomáticos da escola romântica, por suas entrelinhas, seu humor fino, e até por seu desencanto filosófico, tão desconcertante para um jovem de quinze anos[…](p. 22,parágrafo 1,línea 5-9).
Machado de Assis,(1839-1908) é um dos maiores representantes da literatura brasileira. Instalou o Realismo, iniciando com a obra ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, publicada em 1881. Machado deixou um conjunto vasto de obras. Foi contista, cronista, jornalista, poeta e teatrólogo, além do que é o fundador da cadeira n.º 23 da Academia Brasileira de Letras.
Lauro, nos conta:
[…] Um dia, após quase dois meses de espera fora chamado ao Gabinete do Senhor Ministro, fora recebido pelo Diretor IRB, que lhe informou, que mesmo o Senhor Ministro gostando do texto, Parecia ser muito profundo e portanto, não apropriado para uma cerimonia de amenidades como deve ser uma formatura. Aliás, se o senhor quiser poderá apresentá-lo como conferência aos alunos do Rio Branco[…].(p. 265, parágrafo 2, linea 23-26).
Naquele momento a censura tolhia a voz dos estudantes…
O Diretor dissera a Lauro que era natural sua preocupação, mas, que ninguém queria saber disso. Lauro rebateu e disse-lhe: ”não sei fazer discurso de amenidades…”
Lauro reuniu a turma e informa o acontecido, leu o discurso, pede um parecer, e informar sobre sua desistência da função de representante da turma, ninguém aceitou tal fato. Com isso formaram uma comissão e solicitaram uma audiência com o Senhor Ministro para esclarecimentos.
A reunião fora longa, após argumentos, fora dito que não precisaria falar de amenidade, mas sim, que fosse modificado alguns pontos no texto, pois ao proferir o discurso, corria-se o risco de Jornal Correio da Manhã publicar: […] Jovem diplomata dá aulas ao Presidente da República mostrando que democracia social é o caminho para o Brasil[…](p.267,paragrafo 1º, línea,28-30).
O texto fora atenuado com algumas palavras sinonimizadas sem alterar seu teor e entregue ao Gabinete do Ministro, o qual nunca deu resposta, nem tão pouco agendou a data da cerimonia de formatura da turma. Com esse relato, Lauro ao meu ver, nunca se furtou de suas ideias, seu patriotismo, e também nunca falou de amenidade no seu labor, tanto que por onde passou, mesmo nas metáforas, elevou o nome do Brasil mundo afora, divulgando a diversidade cultural, literatura, arte e música brasileira.
Apaixonado pela literatura, Lauro, na sua criatividade, cria o recital, […[“Três epopeias brasileiras[…]’(p. 295), que consiste num recital, onde ele reúne poemas de três escritores de maior grandeza brasileira, y Juca Pirama, de Gonçalves Dias, O Navio Negreiro de Castro Alves, e Caçador de Esmeraldas de Olavo Bilac.
Os três poemas épicos fazem alusão à formação histórica e cultural do Brasil, ou seja, a forte presença do índio nativo, a conquista e alargamento do território pelos bandeirantes, finalmente, a imensa e sofrida contribuição do negro africano escravizado. Da fusão étnica e cultural dessas três raças básicas nasce o Brasil[…] (p. 295, parágrafo 1-2, línea 1-12).
Um outro Embaixador, dessa vez das Gerais, autor da grande obra brasileira Sagarana, (1946), Guimarães Rosa, tornam-se amigo e colegas no Instituto Rio Branco, amizade pra toda vida.
Rosa, escritor que canta em suas obras o sertão; […[ Portanto, torno a repetir: não do ponto de vista filológico e sim do metafísico, no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoiévski e Flauber, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão,[…]. (p. 347,parágrafo 3º, línea12-17).
Nesse misto de saudades, um outro sertanejo maranhense Gonçalves Dias, considerado o pai do romantismo brasileiro, em seu poema escrito no exílio, denominado “Canção do Exílio”,(publicado em 1857 no livro, Primeiros Cantos), canta em versos seu amor, e a saudade de sua terra natal;
Transcrevo o estribilho:
“Minha terra, tem palmeiras,
Onde cantam as sábias,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá,
Não permitas Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá,
Sem que aviste as palmeiras onde cantam as sábias…”
Além das narrativas aqui mencionadas, Lauro aborda em sua obra fatos como: futebol, morte, imortalidade acadêmica, lusofonia, filosofia, CPLC, figura representativa de sua terra natal Goiás, países onde atuou como Embaixador, andanças literárias, dentre outros.
Desse modo, por meio de suas evocações multicoloridas, podemos conhecer uma parte de sua trajetória através da obra ‘Quincasblog, meus encontros’, que perpassa pelo pretérito, estendendo-se no presente e avançando ao futuro numa abordagem histórica singular exercendo influência direta sobre o leitor, levando-o ao prazer estético que provoca uma reflexão acerca das várias fases da vida do autor, num reviver metafórico no contexto social, politico e cultural no qual o escritor encontra-se inserido no mundo contemporâneo.
FEBACLA prestará homenagem à memória de Machado de Assis, com a outorga da COMENDA DO MÉRITO LITERÁRIO MACHADO DE ASSIS – PATRONO DA LITERATURA BRASILEIRA
O romancista, contista, dramaturgo, poeta e cronista, que faleceu em 29 de setembro de 1908, no Rio de Janeiro, foi o principal representante do realismo brasileiro
Machado de Assis foi um escritor brasileiro que escreveu tanto obras românticas quanto realistas. Um de seus livros mais famosos é ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’.
“Machado de Assis é um dos mais importantes escritores brasileiros. Ele nasceu em 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro. Mais tarde, trabalhou como aprendiz de tipógrafo e revisor, além de ser funcionário da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
O romancista, contista, dramaturgo, poeta e cronista, que faleceu em 29 de setembro de 1908, no Rio de Janeiro, foi o principal representante do realismo brasileiro. Assim, em romances como Memórias póstumas de Brás Cubas, ele trabalhou com a temática do adultério e fez críticas à elite burguesa do século XIX.”
As solenidades de outorgas serão realizadas nas seguintes datas:
Data: 24 de agosto de 2023, às 18h. LOCAL: CEMI de Cruzeiro SRES Área Especial, Cruzeiro Velho Brasília – DF. CEP. 70297-400
Evento virtual dia 25, às 19h. (Plataforma Google Meet)