Acordar cedo. Fazer o café. Lavar a roupa. Passar a roupa. Cuidar da casa. Estudar. Trabalhar. Ser paciente com o marido. Se calar – e ainda escrever um livro com as palavras que engoliu no processo.
A mulher precisa ter a consciência de que não vai dar conta de tudo – e nem precisa.
Consciência vem do feminismo. O feminismo que tem salvado mulheres durante décadas.
Tá tudo bem casar. Tá tudo bem. O que não está e nem deve estar tudo bem é sumir diante do homem.
Esquecer da sua essência. Esquecer do que faz o seu coração vibrar.
O homem não existiria sem o ventre da mulher. Logo, é dever do homem respeitá-la.
Nosso sangue é sagrado, nosso fogo é ardente, nosso ventre é um templo.
Letícia Mariana: Crônica ‘A marombeira do conhecimento’
Foto por Letícia Mariana
O consumismo me consumiu! Meu Deus! Isso é uma redundância seríssima!
Virei uma traça humana à procura de mais e mais papéis amontoados, livros injustiçados, livros recheados de Whey Library! Quem poderá me salvar, oh, deus do parágrafo?
Quero pegar esse peso do saber. Ele é meio triste e meio feliz. Me faz pensar além do que os sociais insetos pensam. Isso é bom? É ruim? É desumilde? É sábio? Não sei mais, meu senhor dos senhores!
Por favor, imploro! Quero beber desta vitamina terrível! É dura como as pedras nas quais pisei, mas é deliciosa! Me dê, me dê! Me dê!
Conto uma, duas, três… Quero mais! O que fazer para voltar ao tempo e ao espaço de mim mesma? Coma mais, coma mais!
“Sua louca, devorou tudo!”, eles disseram. Mas não dei mais ouvidos.
Ah, mas alguma coisa muda dentro de mim. Eu não quero mais aprender mais do mesmo. Redação, jornalismo, números, histórias fictícias, jogos educativos e filmes cut… isso é normal demais. É piegas. É bege, sabe? Aquele bege chato que precisa de uma corzinha para combinar. E eu achei a cor. Ela brilha! Luminosa, faiscosa. Faísca, sabe? Faiscosa!
Quero a sabedoria dos antigos. Da bênça pai, bênça mãe. Do errar e pedir perdão, procurar melhorar novamente. De limpar o que se sujou, ler livros que nem sequer foram escritos e tentar editá-los. Olhar as estrelas no céu e contar histórias ao redor de ancestrais. De não jogar comida fora.
Minha intelectualidade solitária perdeu o sentido. Tá chata, vazia. Quero abraçar meus familiares e perdoá-los. Quero me perdoar e procurar sentido nisso, sem remoer, sem sofrer por antecipação. Que caminho difícil! Esse peso? Eu quase não aguento, bicho! O peso da bondade. A arma mais bela, mais procurada, menos conquistada. E faz um estrago… bom! Um boom de boondade!
Letícia MarianaImagem do Banco de Imagens do Canva
Era noite. Algo ocorria dentro de mim. Eu não era a mesma pessoa. Após tantas letras, alguns números rodeavam minha cabeça. Uma lógica confusa. Meus versos se tornavam além das estruturas – das minhas estruturas. Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo.
“Onde estou?”, pensava. Na pracinha do Bairro Peixoto, algo estranho acontecia. Conversei com uma bela moça que me dizia que o destino nos reserva surpresas que só Deus poderia definir. Mais um dia se passava. Fiquei tão tonta que até para hospitais me levavam. Sua presença era como aprender além do que eu poderia aprender. Troquei meus livros favoritos por livros nos quais jamais leria por conta própria. E eram livros interessantíssimos. Meus versos foram mudando de tom, de som, de saudade. E eu estudei matemática mais um pouco.
A noite era estranha. Eu deveria ser feliz ao seu lado, mas eu não te conhecia. Jamais saberia onde encontrá-lo. Meu destino estava traçado com ele. E ele era real, mas você não era. O portal deveria se fechar antes que algo pior acontecesse. Antes que eu enlouquecesse de vez. Como fugir do portal? Você era o professor mais incrível do mundo, o amigo mais fiel, o amor que eu jamais teria. Nos meus sonhos, eu te via em várias dimensões. O tempo era diferente com você. O tempo era só nosso. Enquanto o outro homem, que era destinado para casar comigo, me cobrava de todas as maneiras. Eu não sabia o que fazer.
Na verdade, quando me vi longe daquele portal, senti que precisaria te encontrar. Tive que escolher o destino que deveria seguir. Fiquei tão triste, tão sozinha. Você tinha ido embora. E eu não sabia onde encontrar você. Os seus números se foram, suas músicas estranhas, os bailes de época, nosso bebê. Tudo tinha ido embora. Todas as horas do relógio voltaram a ser as mesmas. Tudo estava no lugar. As equações se apagaram e deram luz ao meu novo livro… tão triste como antes. E eu não sabia onde te achar.
Não pude continuar com isso. Minha vida pacata, minhas lágrimas, minhas dúvidas se fico ou se vou, se te procuro ou se aceito o meu destino chato. Foi quando uma vela se apagou…
Acordei. Me vislumbrei sem espelhos, pois já me reconheço ao longe. A luta que carrego se transforma em mais um sorriso matinal. Me sentei para meditar: o relógio diz que são seis da manhã.
“Mas é claro que o Sol vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei…”
Lavo a louça, tomo café, jogo o lixo, lavo a louça. Dou um beijo em meu amor. Arrumo a mochila, oro pelas pessoas que amo. Oro por mim.
“Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã Espera que o sol já vem…”
Tento ser fria, mas sou mais quente que o café que me acolhe. E a cada manhã me faço mais poesia. Desço pelas escadas do eu, me reconecto, leio meus devaneios. O quanto já sofri. O quanto já quis viver o hoje.
“Tem gente que está do mesmo lado que você, Mas deveria estar do lado de lá Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar…”
O amor é a mais bela nuance de um ser humano. Gosto de amar. Quero amar! Nunca soube me amar e por isso me culpo quando tenho um resquício de amor por mim. Minha psicóloga diz que não é egoísmo se priorizar, se amar e se cuidar. Mas continuo achando que o mundo dos outros é de minha responsabilidade.
“Tem gente enganando a gente Veja a nossa vida como está, Mas eu sei que um dia a gente aprende…”
Pus um coração rosa em meu quadro. Sempre que faço um ato de amor-próprio, desenho um coração lá. É um compromisso comigo. Amor-próprio me parecia tão longe. Agora é lei.
“Se você quiser alguém em quem confiar, Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança!”
Ouvi muita coisa nessa vida. Tudo que eu faço parece um fardo para alguém. Mas não quero carregar incômodos alheios nos meus cômodos particulares.
“Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem…”
Minha vida me é plena…
“Ou que seus planos nunca vão dar certo…”
Mais uma rotina estudantil…
“Ou que você nunca vai ser alguém…”
Lágrimas na hora do almoço. Seco o rosto e vou pra aula.
“Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar…”
Pego a câmera. Treino a fotografia.
“Mas eu sei que um dia a gente aprende…”
Estudar foto é estudar almas.
“Se você quiser alguém em quem confiar, Confie em si mesmo!”
Em quatro anos serei jornalista. Em quatro anos serei comunicadora. Mas talvez eu já seja. Me chamaram de narcisista. Me chamaram de egoísta. Pela primeira vez em toda a minha vida, penso em mim. Respiro e me sinto alegre perante o mundo. O tanto que já me senti um fardo. Amo as pessoas. Amo quem sou. Amar é perigoso em todas as nuances.
Letícia MarianaMicrosoft Bing – Imagem criada pelo Designer
“Eu passei? Eu passei!”
Essas foram as minhas palavras quando vi o resultado do Sisu. Era noite, meus cabelos estavam molhados e minha cara limpa. Sem maquiagem, sem filtro, mas com uma alegria tremenda. Eu era, oficialmente, a mais nova caloura de jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ – a melhor do Brasil.
Já estava contando as moedinhas caso precisasse custear uma faculdade particular. Minha família mais próxima nunca estudou na Federal, então todos estavam contentes. Eu era uma jovem estudiosa, sempre fui uma criança à frente das outras crianças, mas passei por momentos difíceis que colocaram em cheque a minha sanidade mental. Mais ou menos em 2019, me contaram que tenho autismo. Nunca soube disso, nem o que era ser autista exatamente, mas pesquisei loucamente sobre mim mesma e resolvi lutar pelo ativismo das pessoas autistas como eu.
Quando fiz o Enem, fiquei numa escola para autistas e outras pessoas com deficiência. Não pedi sala única, mas só tinham seis pessoas lá dentro. No segundo dia, tinham apenas quatro junto comigo. A desistência foi grande, e eu queria muito que essa realidade mudasse. Uma prova não deveria definir a capacidade de alguém, mas enquanto o modelo for este, terei que me adaptar. E assim o fiz.
Foi um ano inteiro dedicado aos estudos. Ensino Médio, vestibular, videoaulas. Agora, finalmente, posso dizer que sou caloura da maior do Brasil! E foi um chororô misturado com auê na família, um viral da internet, eu me senti uma celebridade virtual.
Os primeiros dias foram proveitosos. Muitas palestras, muita recepção calorosa. Bandejão por dois reais, inclusive com atendimento prioritário para Pessoas com Deficiência. Reunião com a direção para decidir sobre acessibilidade na universidade. A primeira atividade remota devido ao risco de temporal no Rio de Janeiro. E, claro, a melhor aula da minha vida: Linguagem Fotográfica! Foi tanta emoção, bicho.
Eu me perdi naquele campus enorme. Fui motivo de risadinhas alheias de pessoas de outros cursos, mas também conquistei muitas amizades incríveis. Provei o pão de queijo mais delcioso do Rio de Janeiro, no famoso ‘Sujinho’, um espaço com lanchonetes dentro do campus. Comprei um livro no sebo de dois senhores megassimpáricos, meus novos amigos, que fazem tratamento no CAPS ao lado da faculdade. Fugi da baderna, conversei no Laguinho – coração da ECO – e me apaixonei mais ainda pela fotografia!
Aprendi que o “bem-vinde” é muito utilizado na universidade, e até os professores utilizam às vezes. Eu estranhei no início, mas agora acho normal. Muitas discussões políticas, muita gente que luta pela educação, pelos direitos das mulheres, das pessoas de baixa renda, dos homossexuais, das mães. Mas o mais importante é todo conhecimento e bagagem que nós tiramos de lá, todo o respeito pelo próximo. Eu já faço parte do ativismo PCD, ainda caminhando em passos lentos.
Fora tudo isso, estudar em período integral me faz sentir que a Escola de Comunicação se tornou a minha primeira casa. E que casa maravilhosa! O cheiro de cigarro me incomoda, mas nada que alguns passos para perto da turma ‘careta’ não resolvam.
Bem, o papo está bom, mas agora está na hora de eu correr para o campus. Afinal, o Bandejão me espera! E estudar dá fome.
Letícia MarianaA sociedade está regredindo? Microsoft Bing. Imagem criada pelo Designer
Copa do Mundo Feminina, filme da boneca Barbie nos cinemas, protagonismo da mulher em alta nas redes sociais e reais. Cada vez mais nós, mulheres, temos o nosso devido espaço. Entretanto, uma parte da sociedade não vê nossas conquistas com bons olhos – e faz questão de demonstrar e divulgar com orgulho essa opinião.
Eu falo da machosfera: um movimento iniciado nos EUA que prega a superioridade masculina. Casos no Brasil foram parar na polícia, como o do Thiago Schutz, por exemplo.
O movimento começou nos Estados Unidos para combater o crescimento do feminismo no início dos anos 1980. A internet aumentou a proporção desses homens que, muitas vezes, atacam mulheres de forma desumana.
A filosofia dos red pills diz que homens são superiores às mulheres e que o feminismo deve ser combatido, pois ele traz sérios riscos à sociedade e oprime a classe masculina. Segundo o site BBC, “alguns membros do movimento só estão interessados em dicas de como seduzir mulheres”. Entretanto, muitas dessas dicas são abusivas, possessivas e manipuladoras, trazendo um futuro relacionamento tóxico para ambos.
“Red pill” é associado à direita alternativa que esteve em foco nas eleições de Donald Trump em 2016. Esse modo de viver cresceu e está presente em vários locais do mundo, inclusive aqui no Brasil.
Um membro anônimo diz que eles não aceitam o “shaming” das mulheres, que significa criticar alguém em público ou na internet. Algo contraditório, pois é o que a machosfera faz em tempo integral. De qualquer forma, isso seria uma resposta ao MeToo, campanha utilizada pelo movimento feminista para incentivar mulheres a denunciarem violências domésticas, psicológicas, patrimoniais, sexuais ou morais.
Segundo os red pills, os homens de hoje em dia não querem ser cavalheiros ou pagar contas, e as mulheres não querem perder o que eles chamam de “benesses”. Outra contradição, afinal, o feminismo sempre incentivou mulheres a conquistarem sua independência. Numa relação romântica, obviamente a parceira gosta de ser tratada com educação, carinho e gentileza, valores que deveriam ultrapassar gerações. Pagar ou não as contas, quando há uma parceria saudável, cada casal toma a decisão em relação a isso. O que é preciso parar é esse mito de que toda mulher é interesseira, concepção criada numa época onde as mulheres bem-sucedidas não eram bem vistas ou, muitas vezes, nem sequer conseguiam chegar ao mesmo patamar de seu cônjuge.
“Homem que é homem, saudável, ele é perigoso. Porque a masculinidade, por essência, deve ser perigosa.” afirma um coach de masculinidade popular nas redes sociais.
“O masculino foi feito para liderar. Ou você é líder, ou você é liderado. Ou você é dominante, ou você é submisso”, diz outro influenciador.
Não é preciso votar em x ou y para perceber o perigo desse movimento, perigo esse que os mesmos reconhecem e acham natural. Até quando o mundo tratará mulheres como objetos descartáveis e sem valor? Até quando os homens vão defender uns aos outros nos erros criminosos? Principalmente: quando a humanidade fará jus ao nome e será, enfim, humana?
Letícia Mariana“Minhas lágrimas eram sangue invisível” Criador de imagens do Bing
Amanheci incendiando meus dizeres, Banhei meu suor com seus afiados olhos. Senti a dor do peito de quem sofre, A carne estúpida de quem ama. Minhas lágrimas eram sangue invisível – invisibilidade tamanha. Minhas queixas eram histeria – mentira que você guarda de forma insana. Quem ama não enxerga a morte, Quem ama ignora que está morrendo. Quem ama quer contar com a sorte, De um tempo onde só há sofrimento. Quem ama não calcula o prejuízo, Quem deseja não semeia o eu lírico. A carne de quem ama é ferida aberta, A carne de quem ama jamais desperta.