Virgínia AssunçãoImagem criada por IA do Bing. 24 de junho de 2025, às 08:53 PM
No céu do Brasil, especialmente no Nordeste, junho sempre foi tempo de explosão. Explosão de cores, de sons, de cheiros. A cada fogueira acesa, o povo reacende a memória das festas juninas e das tradições. Os fogos estouram como sorrisos em pólvora, riscam o breu da noite com alegria iluminada. É festa. É vida. É a colheita do milho que faz a canjica, o manauê, o mungunzá, a pamonha. É a dança das quadrilhas, a dança das bandeirolas tremulando ao vento.
Mas há outros fogos no mundo. Fogos que não comemoramos, que não nos fazem dançar, que não anunciam festas, mas o fim.
Enquanto crianças soltam traques no quintal de casa, no outro lado do planeta, outras crianças correm de explosões que não têm hora para acabar, correm para tentar se esconder, correm para tentar não morrer. Em vez de fogueiras cercadas de risos, enfrentam incêndios que ardem cidades inteiras e ceifam milhares de vidas. O Oriente, berço de tantas civilizações, agora queima com o calor de bombas, e não com o calor da fogueira junina, como aqui. São fogos de guerra, que não iluminam: obscurecem. Que não aquecem: carbonizam.
As profecias falam em sinais. Céus em chamas, irmãos contra irmãos, nações ameaçando o planeta com a força de mil sóis comprimidos em ogivas. E, talvez, estejam aí os sinais, camuflados nos noticiários que quase ninguém mais vê com atenção. Enquanto um rojão sobe e se desfaz em aplauso de luz sobre o arraial, um míssil corta os céus do Oriente em silêncio, um drone acerta cirurgicamente seu alvo, sem música nem esperança.
Há quem diga que o mundo sempre esteve à beira de um abismo, que o ser humano carrega consigo tanto o talento da criação quanto o da destruição. Mas nestas festas juninas, quando o céu brasileiro se enche de luzes que dançam e alegram a todos, fica difícil não sofrer, não sentir o contraste da ironia cruel de ver fogos de festa aqui, enquanto lá fora os fogos ameaçam o mundo virar cinzas.
Quem dera nossos fogos fossem eternamente de São João. Quem dera pólvora servisse só para a arte, como os barcos de fogos da nossa cidade de Estância. Quem dera, no lugar de armas nucleares, os homens guardassem o costume de acender fogueiras para dançar em roda, batendo palmas, com o coração cheio de fé.
Porque se os fogos de guerra ganharem o céu de todos, não haverá mais quadrilha, nem futuro, nem planeta para celebrar.
Afinal, as profecias bíblicas nos advertem: o mundo inteiro pode virar um último estouro sem festa.
‘Na Terra da Asa Branca- Uma bricolagem literária com Luiz Gonzaga’
Virgínia AssunçãoImagem criada por IA do Bing – 16 de junho de 2025, às 18:20 PM
Naquela tarde, quando “a asa branca bateu asas do sertão”, seu Luiz já sabia: era dia de arrastar o pé. A sanfona gemia no canto da sala, chamando feito menino pidão. E lá vinha ele, chapéu de couro, olhar matuto e um sorriso que dizia mais que mil palavras: “Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo…”
A vizinhança já se ajuntava na frente da casa. Dona Maria vinha rindo com o vestido de chita novo, florido, toda faceira: — Hoje tem forró, seu Luiz? — Tem sim, sinhá! “Simbora, sanfoneiro, bota o fole pra chiar!” Vem cá cintura fina, cintura de pilão, porque tá é danado de bom.“
E assim começava a festança. No terreiro, o pó da estrada dançava com o povo. “Qui nem giló” era só no prato, porque tristeza ali não entrava. Até a moça mais enfezadinha, aquela da cidade grande, soltou um “eu só quero um xodó, que alegre o meu viver”, e foi logo rodando com Zé da Cacimba.
“Respeita Januário!” — gritou alguém, quando o sanfoneiro tentou improvisar demais. O velho Januário, pai de Luiz, só olhou e sorriu de canto, como quem diz: “Esse menino vai longe…”
E foi.
No meio da dança, Luiz contava causos, misturando histórias com versos: — “Seu doutor, uma esmola pra um homem que é são…” — “Mas seu Luiz, isso é música ou apelo?” — “É só verdade, compade.”
O sanfoneiro mudou o tom e puxou um baião: — “Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião… meu amor não vá simbora, fique mais um bucadinho, vamo dançar mais um tiquinho? E não é que até o padre entrou na roda, de batina e tudo?
A Lua subia no céu de festa, e o povo cantava junto: — “A vida do viajante é andar por esse mundo de meu Deus…” Mas ali ninguém queria partir. Cada música era um abraço. Cada riso, um retrato de um Brasil que dança mesmo com a dor no coração, ao som do rei do baião… tem pena d’eu…
Teve menino cantando “Xote das meninas”, teve vó que se lembrou do tempo em que dançava “Assum Preto” agarradinha. — “Lá vai a marruá…” — gritou um dos netos, correndo com o cachorro atrás.
O forró seguia firme, sem hora pra acabar. “O que me enche o coração é o olhar dessa moreninha, meus amô!“ Até que seu Luiz, cansado de tanto fole e suor, sentou na cadeira de palha e disse: — “Oia eu aqui de novo…” — “Vai embora não, seu Luiz!” — “Mas já? Ainda tem “Pau de Arara” pra cantar!”
E assim, entre um xote e um chamego, “um se deita em meu cangote”, um “pedi pra São João antigo trazer mais alegria, tinha tanta poesia, amor e animação”, no São João do passado, a noite virou poesia viva. Seu Luiz sorria, e no seu sorriso cabia o sertão inteiro — com seca, com festa, com fé.
Na despedida, ele ainda cantou baixinho: — “Se a gente lembra só por lembrar do amor que a gente um dia perdeu…” E o povo respondeu em coro: — “Saudade inté que assim é bom, pro cabra se convencer que é feliz sem saber…”
Foi-se a festa, mas ficou no ar o cheiro do baião, o som do fole e a certeza de que, enquanto houver sanfona e o coração de um nordestino batendo, Luiz Gonzaga nunca vai embora de verdade.
Virgínia Assunção: ‘A maçã podre e a ética dos filósofos’
Virgínia AssunçãoImagem criadapor IA do Bing – 12 de junho de 2025, às 13:25 PM
No cesto de frutas bem cuidadas, repousava uma maçã. Vermelha, reluzente, uma escultura da natureza. À primeira vista, era a mais bela. Mas bastava uma aproximação mais atenta para que se notasse: havia uma pequena mancha escura em sua lateral. Insignificante, diriam alguns. Mas o tempo, implacável como os argumentos de Sócrates, revelou o contrário. A mancha cresceu. A doçura azedou. E, pouco a pouco, o mofo foi se espalhando pelas vizinhas, contaminando o que antes era saudável.
O velho ditado popular — “uma maçã podre estraga o cesto” — parece simples, quase ingênuo. Mas carrega em si o peso de séculos de reflexão filosófica sobre a natureza do bem, do mal e da convivência ética; sempre ouvi da minha avó essa frase antes mesmo de conhecer os filósofos. Uma filósofa formada pela vida e as observações feitas na sua simplicidade cotidiana.
Platão talvez enxergasse na maçã podre uma alegoria da alma desvirtuada, afastada do mundo das ideias, corrompida pelos sentidos e pela ilusão. Para ele, a ética nascia da busca pela harmonia interior e pela justiça, tanto na alma quanto na cidade. Uma alma podre, como uma fruta em decomposição, perderia sua forma ideal. E uma sociedade que a acolhe sem vigilância arrisca corromper-se por inteiro.
Aristóteles, mais pragmático, proporia que a maçã podre não cumpria sua função de telos — sua finalidade natural. Ele veria na podridão o afastamento da virtude, e argumentaria que, assim como no caráter humano, o vício se alastra se não houver equilíbrio e vigilância constante. A ética, afinal, é um hábito: assim como a podridão, o bem também pode ser cultivado.
Séculos depois, Immanuel Kant olharia a maçã com desconfiança, perguntando: “E se essa maçã pudesse escolher? Ela se deixaria apodrecer ou resistiria à decomposição por dever moral”. Para Kant, o agir ético não depende das consequências (o cesto todo apodrecer ou não), mas da intenção reta. Ser ético é resistir à corrupção mesmo que ninguém esteja olhando — mesmo que sejamos a única maçã ainda firme no cesto.
Nietzsche, rebelde, talvez risse. Chamaria as maçãs saudáveis de medíocres e a podre de autêntica, de alguém que ousou apodrecer por si mesma, sem seguir o rebanho. Mas mesmo em sua crítica, está implícito um questionamento ético: o que é podre? O que é saudável? Quem determina o que é bom para o cesto?
Vivemos cercados de maçã: no trabalho, na política, nas relações. Algumas reluzem, mas escondem feridas internas. Outras exalam um odor estranho, mas talvez tenham apenas enfrentado uma chuva inesperada. A grande questão não é a existência da maçã podre, porque sempre haverá desvios, falhas, contradições humanas, mas o que fazemos diante dela. Fingimos que não vemos? Isolamos? Tentamos curar?
A ética, em última instância, não é sobre frutas, mas sobre pessoas e escolhas. E talvez a maior lição dos filósofos seja esta: o cesto somos todos nós. E cada decisão, cada ato, cada silêncio, apodrece ou preserva.
Virgínia AssunçãoImagem criada por IA do Bing – 28 de janeiro de 2025, às 23h21
No entardecer da nossa história Quando o Sol já não ilumina mais, Os nossos belos dias de resplendor Dissolvem-se em sombras, sem paz.
Foi um lindo amor juvenil Cheio de promessas a florir, Mas o tempo, como o vento, leva Os sonhos como poeira a esvair.
O calor dos abraços já esfriou, E o riso, que antes nos fazia gargalhar, Hoje é um vestígio da alegria que se foi Uma dor na carne rasgando, a queimar.
Os olhares que antes brilhavam Tornaram-se nuvens a vagar, E os laços que nos uniram um dia Desfazem-se como borbulhas no ar.
Não é culpa, nem falha de ninguém, O tempo tem suas formas de ensinar: Que mesmo o mais belo dos amores Pode um dia, de repente, findar.
Guardaremos as memórias com ternura, Como quem guarda tesouros escondidos, Seguindo nossos caminhos separados, Pelas incompatibilidades, vencidos.
Virgínia AssunçãoCriador de imagens no Bing – Da plataforma DAll E-3
Entre as etapas do meu drama Você habitou muito tempo meu coração, Parecia tecido forte nossa trama, Mas era pintura colorida De ilusão.
Em que mundo você vive? Diga: onde é que você mora? Andando sempre nesse declive, Do lado de dentro do labirinto, Ou fora?
Achei que tudo deu certo nessa ilha Enganada com lembranças de outrora, Afundou-se a cada passo, nossa trilha. Lamentavelmente, é chegada a hora De ir embora.