Ouro derretido à deriva

Ella Dominici: Poema ‘Ouro derretido à deriva’

Ella Dominici
Ella Dominici
Imagem criada por IA do Bing (https://sl.bing.net/cA5FAA4aR6i) , em 04 de dezembro de 2025, às 15:38.

pergunta-me onde me achava morrendo
como um navio incendiado em alto mar
deixando tombar o ouro que se fundia em pleno amar lava
incandescente derretendo aos poucos a formar arte deslumbrante

sem ar no pulmão das águas frias
pergunta-me as palavras que te dissera
foram de audácia as correntes que te prenderam
algema líquida que te segurou bem firme
deixara-te deslizar como peixe escorrega das mãos
redimes, lembra-te e salta em águas conhecidas
reconhece teu habitat

peixe que passa por minhas pedras limosas de cheiro do mar
marulho te cante aos ouvidos
salgado salino ao teu paladar
brinda e não esqueças do molhado na borda da taça
folga-te das bolhas que se formam na boca que beijas
palavras poéticas feitas de um nada
se agitam e dizem o tudo de uma só vez

brigas comigo que o tudo é teu é meu
é demais e de mais ninguém
nademos sem rumo de mãos enamoradas
se me afundas te sossego, se te afundo nadas de braçadas
e boias de prazer comigo

olha-me molha-me debaixo d’água
meu corpo se dilui e a visão é ilusão
o movimento é nosso no insustentável
até que morras até que acordes
de tuas águas que me quiseram e me amaram
pergunta-me onde me achava
morrendo como um navio incendiado em alto mar,
à deriva

Ella Dominici

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O que mora na seca do sonho

Ella Dominici: ‘O Que Mora na Seca do Sonho’

(Serapião de Aurora, alter ego de Ariano Suassuna, alma sertaneja e verbo resistente)

Ella Dominici
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Imagem criada por IA do Bing
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Sou aquele que inventa sede pra beber palavra.
Não tenho nome, tenho sina:
sou o riso que ficou preso no galope do vento,
sou o santo que erra rezando,
sou o ermo que sonha com mar.

Nasci do barro e da conversa.
Minha mãe foi uma nuvem com fome de chuva,
meu pai, um aboio que fugiu do curral.
Aprendi cedo que o verbo nasce de faca:
é cortante, mas abre caminho pro coração passar.

Falo o português que o sol ensinou —
cheio de calor, cheio de teimosia.
E quando a palavra falta,
invento um silêncio de passarinho.

Tenho dentro de mim um sertão que não cabe em mapa.
É um mundo de rezadeiras e vaqueiros,
onde o riso é remédio e a dor é professora.
Por lá, as histórias se deitam no chão,
esperando que alguém as acorde com fé.

Sou o auto e o milagre,
sou o palhaço que filosofou diante do altar,
sou o Cristo que sorriu do alto do gibão.
Sou o cavalo sem freio do pensamento nordestino,
que corre, tropeça, mas não se entrega.

E quando o céu se quebra em trovão,
eu digo: é Deus rindo alto de nós.
Porque até o divino, no meu sertão,
tem um sotaque de barro e poesia.

Ella Dominici

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Mulheres de São Paulo

Ella Dominici

‘Mulheres de São Paulo – Incandescentes e Femininas’

Ella Dominici
Ella Dominici
Imagem criada por IA da Meta
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Elas — são fogo que anda nas ruas, com passos que o caos insinua.
Têm lava nas veias, vertente acesa, derretem o medo com delicadeza.

Elas são vulcões silenciosos, ferros e flores, ritos e gozos.
Do concreto fazem chão fértil, do pranto — um hino desperto e sutil.

No aço da pressa, germinam ternura, carregam nos ombros a própria estrutura.
São brasa e perfume, são dor e canção, fermentam o mundo em seu coração.

Quando o sistema as tenta conter, elas respondem com o poder
de jorrar incandescência pura, fertilizando o que o tempo cura.

Elas são o grito contido da terra, o verso que rompe a guerra.
São gestação do amanhã, poesia em corpo de afã.

Mulheres de São Paulo — brasas, na labareda que abraça as casas.
Lavam o caos com seu brilho maduro, e fazem do fogo — o fértil futuro.

Ella Domnici

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Intensidade do ser

Ella Dominici: Poema ‘Intensidade do ser’

Ella Dominici
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Vulcão Interno Poético

Há poetas, e há vulcões.
Um difere do outro pelo fogo que habita as entranhas,
acendendo chamas nas palavras até queimar as próprias mãos.

Os olhos piscam — lânguidos, febris —
e esse gesto derrama-se em lágrima,
sal de um mar que não se apaga.

Ser poeta é arder sem aviso,
é deixar que a dor seja o combustível da beleza.

“Não há contenção possível quando a poesia decide nascer.”

ERUPÇÕES

Ainda há lava dentro de mim,
fermentando silêncio, desejo e memória.
O chão treme sob o peso das lembranças,
e o céu se inflama em nuvens rubras.

Cada suspiro é magma que se move,
cada lágrima é rio de fogo e água.
O corpo inteiro é cratera aberta
onde o tempo se dobra, incerto e impetuoso.

Não há repouso para a vida —
a erupção continua, invisível e viva,
nas veias do humano, na alma do mundo,
em todas as manhãs que ainda não nasceram.

E assim sigo,
entre cinzas e brasas,
esperando o próximo vulcão,
a próxima lava,
o próximo instante de fogo que me recria.

Ella Dominici

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 O silêncio é uma forma de amor

Ella Dominici: ‘O silêncio é uma forma de amor’

Ella Dominici
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Em ressonância com Léopold Sédar Senghor

Silêncio.
É nele que o amor se reconhece.
Não no grito, nem no toque,
mas naquilo que pulsa quando o mundo cala.
O silêncio é um corpo que respira entre dois corações —
um sopro antigo, herdado da terra.

Sou mulher feita de luz e sombra,
como a árvore que recorda o chão e ainda assim deseja o céu.
A minha pele carrega memórias de séculos,
areias de mulheres que dançaram sobre a mesma dor e esperança.
Em mim, há o sangue das que não se ajoelharam
e a ternura das que ensinaram o perdão com o olhar.

Tu me olhas, e em teus olhos reconheço a ancestralidade da noite.
Há um continente inteiro entre nós —
mas o amor atravessa oceanos invisíveis.
Teu silêncio me fala em língua de tambores,
onde cada batida é um nome,
cada pausa, uma oração.

Amo-te não como quem possui,
mas como quem devolve ao universo o que era dele.
Teu corpo é território e templo,
é tambor e travessia.
Quando te toco, não busco a carne:
procuro a lembrança da vida.

O amor é uma forma de resistência.
Ser mulher negra é guardar dentro do peito
a geografia inteira do tempo —
é ser pátria e poema,
vento e raiz, voz e eco.

E se o destino me reduzir em cinzas,
como temeu Senghor,
que minhas cinzas fertilizem o solo da ternura.
Que minhas palavras cresçam como flores negras sobre o medo,
e que cada pétala diga: “Eu amei, e por isso vivi”.

Ella Dominici

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Onde moram os inícios

Ella Dominici: Poema ‘Onde moram os inícios’

Ella Dominici
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Imagem criada por IA do Bing
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I
O princípio escapa à compreensão.
antes de nós, já se movia; depois de nós, seguirá.
não há fronteiras de tempo. Há apenas o instante,
que nos atravessa como flecha.
nós o pressentimos, como quem escuta de longe o mar
sem jamais tocá-lo, tentando capturar a dimensão que nos escapa.

II
Existimos tentando prender a centelha desse sopro.
o instante se faz passado antes que o nomeemos.
Tudo o que guardamos é fragmento
insuficiente
mas na insuficiência há aprendizado.
na incompletude mora a sabedoria
que nos afina para o mistério do existir.

III
Do alfa ao ômega divino caminhamos,
Sim, o caminho é sensor do amar
não há começo nem fim
somos discípulos da travessia,
aprendendo a nascer a cada aurora
e a morrer em cada ocaso.

IV
O existir nos convida a essa valsa infinita,
em que ser é repetir sem
cessar o primeiro gesto da vida.
quando perguntamos onde moram os inícios
a resposta não se veste de palavra.
a resposta é silêncio. Pois:

“Todas as coisas principiam em silêncio,
e o silêncio é a casa do princípio.”

Ella Dominici

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Oceano profundo meu

Ella Dominici: Poema ‘Oceano profundo meu’

Ella Dominici
Ella Dominici
Imagem criada por IA do Grok

às vezes vejo verde azulado
intenso como turquesa
tom denso petróleo cobiçado
do que se trata o profundo
tal abismo esverdeado
riquíssimo em diversas belezas?

quiçá outro mundo
morada de homens esquecidos
casa eterna e leviana
de aquáticos anfíbios
simples descanso de envaidecido
resquício de flores diluvianas

pareço mergulhar na diluída
manta anil intensa e imensa
líquida descida em que fluo
penso e divago que sumo
vistas de agrestes ramagens
ou celestes folhagens
terra molhada de iodo
céu de sal perfumado

recorro ao ar que concentro
no centro de meu espírito
conscientizo o atemporal
e ilimito o fôlego
no pensamento

neste oceano infinito
gritei por dentro
acorrentei leviatã
passei leve por tormentos
mais limpa que escumas

vislumbro meio atônita
as ondas do amado mar
no passável livre passo
passível apalpar o impossível
acaricio nítido invisível
tal pomba folha-oliva ao bico

sou água viva transparente
queimando tristezas ardentes
anseios boiam nas vagas
cismas mais nenhumas
alcanço o céu sem brumas

Ella Dominici

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